REGRA BULADA - 03 - 26/04/23 - Regra Bulada - Capítulo I - Em nome do Senhor - Começa a Vida dos...
- Frei
- 27 de abr. de 2023
- 8 min de leitura
Atualizado: 30 de abr. de 2023
REGRA BULADA
Capítulo I - Em nome do Senhor - Começa a Vida dos Frades Menores
Bula “Solet anuere”, do Papa Honório III.
[Honório, Bispo, servo dos servos de Deus, aos diletos filhos, a Frei Francisco e aos demais Irmãos da Ordem dos Frades Menores, saudação e bênção apostólica. Costuma a Sé Apostólica anuir aos piedosos votos e honestos desejos e conceder benévolo favor aos que pedem. Por isso, diletos filhos no Senhor, inclinados às vossas piedosas súplicas, vos confirmamos pela autoridade apostólica a Regra da vossa Ordem, aprovada pelo nosso predecessor, o Papa Inocêncio, de boa memória, e anotada nas presentes letras e a consolidamos com o patrocínio do presente escrito. A qual é assim]:
Bula papal é um documento através do qual o Papa aprova pedidos que lhe são feitos, no caso, a Regra de São Francisco. O nome de cada Bula é tirado, geralmente, das duas ou três primeiras palavras, em nosso caso: Solet anuere (latim: Costuma anuir).
A parte final da Bula vem após o capítulo XII, no qual se encerra a Regra.
Desse modo, a Regra vem inserida nesse documento. Poderíamos dizer que a Bula é uma espécie escudo ou manto pelo qual a Igreja dá perpetuidade e protege o Carisma Franciscano e lhe dá o caráter eclesial. Garante, portanto, a todos aqueles que seguem essa Regra, de estarem em profunda comunhão com ela, a Igreja dos Apóstolos. Essa importância pode ser vista na frase: vos confirmamos pela autoridade apostólica a Regra da vossa Ordem, aprovada pelo nosso predecessor, o Papa Inocêncio.
Isso significa, portanto, que a partir de então fica confirmada a pertença da Ordem de São Francisco e de todos os seus seguidores à Igreja Apostólica. A Ordem não é mais de Francisco, mas da Igreja e que ser franciscano é uma nova forma de ser católico.
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Cap. I. Em nome do Senhor! Começa a Vida dos Frades Menores
A Regra e a Vida dos Frades Menores é esta: observar o Santo Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo, vivendo em obediência, sem nada de próprio e em castidade. Frei Francisco promete obediência e reverência ao senhor Papa Honório e a seus sucessores canonicamente eleitos e à Igreja Romana. E os outros Irmãos atenham-se em obediência a Frei Francisco e a seus sucessores.
Introdução
O primeiro capítulo da Regra Bulada (RB) compõe-se de duas partes bem claras e lógicas. Primeiramente, encontramos o princípio que deve reger toda a Vida de um frade menor e depois a resposta que deve ser dada por aqueles que tem a graça desse chamado.
1. Do Princípio
O primeiro capítulo é primeiro não por estar no começo de uma série de outros, mas por ser a fonte, a raiz de todos os seguintes, isto é, de toda a Vida Franciscana, de toda a Ordem e de cada franciscano. Isso significa que nele encontramos a raiz ou fonte do Carisma franciscano e que a partir dele devem ser lidos e entendidos todos os demais capítulos.
Princípio, raiz ou fonte é aquele vigor misterioso que nos pega por dentro, de surpresa, mediante a não menos misteriosa graça do encontro. Nosso cotidiano, nossa vida é costurada pela graça de muitos encontros. Mas, há alguns ou um que é como o divisor de águas, estabelecendo um antes e um depois, marcando todo um novo rumo ou princípio de nossa existência. Nesse caso, geralmente, vem em forma de iluminação, alegria, entusiasmo e angústia. Iluminação e alegria porque nos abre a porta para um novo ser, uma nova criatura; nos converte para uma nova vida ou existência. Angústia porque temos de largar um mundo já conhecido, uma vida amada e entrar para um mundo desconhecido, uma vida nova que precisamos descobrir, abraçar e a ela nos consagrar. De qualquer forma, há, sempre, uma morte e uma nova vida.
Mas, não basta saber que aí, no primeiro capítulo da RB está a fonte de nossa Regra e Vida. Importa, acima de tudo, ver seu modo de ser, de portar-se - sua alma - pois é a ela que devemos conformar nosso espírito e nossa conduta. E, a primeira constatação é de que estamos diante de um mistério, uma realidade inacessível a nós; que ultrapassa todas as nossas possibilidades. Por isso, só pode se achegar a nós porque ela se apequena, se humilha. E se nós a quisemos receber, também temos de nos apequenar na humildade e confiança. Além do mais, por ser uma realidade que está para além de toda a nossa competência, é preciso que, antes de querer conhece-la, a desejemos e a amemos. Pois, o que move a fonte, em seu íntimo mais íntimo não está nenhum interesse próprio, mas, antes, um grande desejo, uma grande afeição, uma paixão de pura e generosa doação, entrega diligente e paciente de si mesma. Esse modo de ser pode ser visto até mesmo nas fontes físicas de uma lavoura. A tudo o que encontram – ervas, animais, pessoas – se entregam, revigorando-os e fazendo-os florescer e frutificar. Melhor, ainda, pode ser visto nos dois jovens que se enamoram e casam. O vigor da gratuidade do encontro – fonte - leva-os a nascer de novo, transformando-os, convertendo-os, agora, em esposo/a que geram amor, perdão e novas vidas: os filhos, a família.
Na Vida Franciscana essa fonte vem com o nome de “Vida dos Frades Menores” e assim descrita, aqui, no 1º. capítulo: observar o Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo vivendo em obediência, pobreza e castidade... Eis a fonte, a raiz, o princípio para todos nós franciscanos: Jesus Cristo e seu Evangelho, sua Boa Nova de Filho do Pai do Céu. Seu modo de ser, sua alma, pode ser percebida em toda a História da Salvação como Aquele que vem para se doar a nós a modo de castidade, puro, inocente e virgem como criança que se doa à vida ou a rosa que floresce, se doa sem porquê nem para quê; a modo de obediência humilde, súdito a todos e a tudo como servo dos servos; a modo de pobreza, despojado, isto é, sem nada de próprio, nada reservando para si, até à doação da última gota de seu sangue, na morte e morte de Cruz. Segundo Platão, no sexto livro do seu Diálogo das Leis, o modo de ser de um princípio, é como de um deus. Quando instalado entre os homens, salva tudo, caso receba, de cada um dos que o tem em mãos, o empenho adequado.
O princípio é tão grande e tão anterior a nós que sempre ultrapassa nossas medidas de saber, conhecer e receber. Por isso, nunca seremos nós que o temos ou guardamos, mas ele é que nos tem e nos guarda. Por isso, também, nossa resposta vem sempre com atraso e em dívida. Essa é a razão pela qual o Senhor nos ensina a que todos os dias rezemos: perdoai-nos as nossas dívidas. Ou seja, toda nossa tentativa de oferecer o empenho adequado para bem recebe-lo sempre aparece pequena e inadequada.
Mas, isso não importa! Quando o empenho de corresponder ao princípio está presente, de boa vontade e como boa vontade, a realização pequena não nega e não obscurece a grandeza do princípio. Pelo contrário: ela, nossa tentativa de corresponder-lhe pertence, mesmo na sua pequenez, à grandeza do princípio. O único risco nosso é de esquecer de agradecer dádiva tão preciosa e benfazeja.
Eis o princípio da Regra e Vida da Ordem dos Frades Menores: Jesus Cristo Crucificado, a pobreza, a castidade e a obediência em pessoa, fonte que vai nos fazendo, todos os dias, aos poucos, através dos exercícios que se nos são oferecidos em cada um dos demais capítulos da Regra.
Francisco, em verdade, nunca pensou, muito menos quis escrever e viver uma regra, mas sim, uma Vida, ou melhor, o modo de viver de Jesus Cristo com seus Apóstolos. Era o que ele queria dizer com a expressão Forma de Vida. Por isso não aceitou a exortação de Inocêncio III que queria que ele seguisse a Regra de outras Ordens então existentes. Por isso, também, sentiu-se muito contrariado quando alguns sábios e doutos da Ordem, com a ajuda do Cardeal Hugolino, foram pedir-lhe permissão para seguir, pelo menos em parte a Regra de outras Ordens. O argumento deles era que essas sim, ensinam assim, assim e assim a viver de maneira ordenada (CAs 1). A resposta foi: “Irmãos meus, Irmãos meus, Deus me chamou pelo caminho da humildade e mostrou-me o caminho da simplicidade: não quero que me faleis noutra Regra, nem de Santo Agostinho, nem de São Bernardo, nem de São Bento. O Senhor me disse que queria que eu fosse um novo louco no mundo. E Deus não quis conduzir-nos por outro caminho, a não ser por essa ciência” (a loucura da Cruz de Cristo).
2. Da nossa resposta
A segunda parte do primeiro capítulo, contém a resposta à iniciativa amorosa do Princípio – o Carisma, Jesus Cristo e seu Evangelho - que quer vir ao nosso encontro: Frei Francisco promete obediência e reverência ao Senhor Papa Honório III e a todos os seus sucessores canonicamente eleitos e à Igreja Romana...
Eis a passagem que, muitas vezes, em alguns ou em muitos, tem despertado certo desconforto, parecendo-lhes ver nela uma coerção indevida por parte da autoridade eclesiástica, Segundo eles, a Cúria romana teria forçado Francisco com seu carisma, sua Ordem, sua Vida a submeter-se a ela. Esquece-se que Francisco já havia estabelecido esse princípio no Prólogo da RNB. Além do mais, desde o começo, seu carisma, sua Ordem, nascem de dentro da Igreja e através da Igreja, da Missa, na igrejinha da Porciúncula quando ouviu o Evangelho explicado pelo padre pobrezinho. Esquece-se, também, que a Igreja com seu Papa e sua Instituição – feita de santos e pecadores - é o Corpo de Cristo, o primeiro sacramento de sua presença, no mundo, através dos tempos. Ou seja, Francisco, vendo a Igreja de Roma com seu Papa, sua Cúria, etc. sabia distinguir, ver muito bem o seu novo Senhor: Jesus Cristo Crucificado. Submeter-se a eles era submeter-se Àquele que, por nosso amor, não se envergonha de submeter-se à toda humana criatura, também e principalmente ao Papa e à Cúria romana. Se Ele não se recusou em obedecer às corruptas autoridades religiosas de seu tempo, ao poder político de Pilatos e até mesmo ao amigo traidor, Judas, como não haveria ele, Francisco, de obedecer ao Papa e a toda a autoridade eclesiástica e até mesmo aos mais pobrezinhos sacerdotes deste mundo (Test)? Pecadores? Não me importa, pensa e diz Francisco. Neles não vejo nada e ninguém mais senão Jesus Cristo, meu Senhor. E é nessa santa, pura e perfeita obediência ou entrega que todos devem viver. Por isso, a Francisco, que se entrega às mãos do Papa e da Cúria romana, todos os frades, por sua vez, devem entregar-se: E os outros Irmãos atenham-se em obediência a Frei Francisco e a seus sucessores.
No fundo, o Princípio que move nossa “Regra e Vida” não é outro senão o Princípio, a alma que move nosso Deus. Um Deus que, em vez de vergonha, sente glória, honra, dignidade por estar preso e submisso a nós, pobres pecadores, seus filhos muito queridos. Por isso, o texto começa com esta significativa evocação, com ponto de exclamação: Em nome do Senhor! Começa a Vida dos Frades menores! Começo, princípio, fonte!
Para aguçar a leitura e a reflexão:
1. Por que o primeiro capítulo da RB é o mais importante?
2. Por que, por vezes, a forma como o texto descreve a relação da Igreja com o Carisma franciscano, a Ordem e o próprio Francisco, é entendido como intromissão indevida?
Paz e Bem! Fraternalmente, Frei Dorvalino Fassini, OFM
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