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9º Encontro (03/04/21) - São Francisco, um convertido por excelência - Da graça de "como vencer-...

  • Foto do escritor: Frei
    Frei
  • 3 de abr. de 2021
  • 8 min de leitura

Atualizado: 8 de abr. de 2021



2 º Estágio - Conversão espiritual (continuação 3): Da graça de "como vencer-se a si mesmo", o exemplo por excelência de São Francisco de Assis


No último Encontro (8º), dissemos que, depois de termos falado da Conversão crística (7º Encontro), sentimos a necessidade de retomar a Conversão espiritual de São Francisco. Foi o que fizemos com a reflexão do capítulo III da Legenda. Hoje, vamos continuar a falar da Conversão espiritual através do capítulo IV, que tem como título “Como a partir dos leprosos começou a vencer-se a si mesmo e a sentir doçura naquelas coisas que antes lhes eram amargas”.


Há dois modos de experiência. Num modo, algo vem ao nosso encontro, nos atinge, nos afeta, gratuitamente, nos toma e, assim, nos transforma, nos envia, mudando nossa destinação, nossa história. Esse tipo de experiência nós vimos no capítulo III da Legenda. É como a graça do atingimento do amor entre dois jovens ou da inspiração num artista.


No outro tipo, a experiência consiste em o homem ativamente ir em busca, caminhar, pôr-se à prova, para sondar, explorar, uma nova realidade que se descortina nesse caminho para ele, como um novo país e uma nova paisagem em que ele passa a habitar. É, seguindo o exemplo dado acima, como aqueles dois jovens que, então, se decidem casar. É dessa experiência que trata o capítulo IV da nossa Legenda.


Francisco está à procura da vontade divina. E, um dia, quando orava com todo fervor, suas buscas e perguntas recebem uma resposta: Francisco, se queres conhecer minha vontade importa que tu desprezes e odeies todas aquelas coisas que amaste e desejaste possuir carnalmente. Depois que começares a fazer isto, aquelas coisas que antes te pareciam suaves e doces te serão insuportáveis e amargas e naquelas coisas que antes tinhas horror, haurirás uma grande doçura e uma suavidade imensa (LTC 11).


Francisco tornou-se, pois, discípulo de Deus que começa, Ele mesmo, a ensinar-lhe o caminho da vida no espírito em sua dinâmica e em seu modo de ser. E assim, ele, Francisco, começa a deixar de ser um homem carnal para vir a ser um homem espiritual. A experiência do espírito consiste, aqui, numa inversão: o que antes Francisco apreciava e de que ele gostava passará a desprezar e a desgostar e, vice-versa, o que antes Francisco desprezava e de que ele não gostava, passará a apreciar e a gostar; o que antes lhe era doce se tornará amargo e o que antes lhe era amargo se tornará doce.


Conversão espiritual é, pois, esta inversão. É uma inversão de valores: o que se preza passa-se a desprezar; o que se despreza, passa-se a prezar. É também um inversão de afetos e de gostos: o que antes se amava e de que se gostava, passa-se a se odiar e desgostar; daquilo em que antes se sentia prazer e alegria, atração e fascínio, passa-se a encontrar repugnância. E, vice-versa, daquilo que antes se sentia asco e repugnância, passa a ser fonte de prazer, alegria, contentamento.

Conversão é mudança, pois, de valor e de afeto. Valor é aquilo em que nós vemos como possibilidade de conservar e de potencializar nossa vida. Em vez de valor, o evangelho fala de tesouro: onde está o tesouro, ali está o teu coração (Mt 6,21). Nós somos aquilo que amamos e como nós amamos! A ordem do amor é a ordem do coração. O que nós prezamos, e aquilo em que nós encontramos nossa alegria, diz algo de decisivo a respeito do que nós mesmo somos. Se mudam nossos valores, nossos bens, nossas preferências, é sinal de que mudamos nós mesmos, em nossos corações.

O que amamos e como amamos define, de certo modo, o que somos. Nós amamos amar o amor. O amor é a força mais radical de nosso ser. Junto com ele, o ódio. O amor diz: quero que sejas! O ódio diz: quero que não sejas! Se amamos algo como o tesouro mais precioso, odiamos aquilo que nos desvia de conquistá-lo, de tê-lo, de fruir dele.


Vemos, então, como Francisco, que era amante de si mesmo, passa a desprezar a si mesmo. É que ele, com seus amores “carnais”, isto é, egoístas, narcísicos, parciais, unilaterais, era, na verdade, seu principal adversário. Era preciso, pois que este seu eu carnal fosse desprezado e odiado, para que nascesse em Francisco um si-mesmo espiritual, um eu aberto à imensidão, à largueza e à profundidade da vida. Era preciso que seu afeto se desapegasse das coisas que, até então, ele cobiçava possuir, e se voltasse a amar algo mais nobre, mais precioso.


A mudança ou conversão de Francisco se cumpre no encontro com os leprosos. A mudança do coração se concretiza realmente em mudanças de atos, atitudes, hábitos e costumes. Francisco costumava ter grande horror aos leprosos. Quando ele desceu do cavalo e deu uma moeda a um leproso que lhe pedia esmola, beijando-lhe a mão e recebendo dele um beijo de paz, então tudo começou a mudar interiormente em Francisco. Este passo, porém, foi um verdadeiro salto. Neste salto, Francisco deixava para traz o “leproso” que habitava sua própria alma. Dispunha-se, assim a se tornar um homem novo, com novo vigor de vida. Neste salto, Francisco se lançava para o futuro num novo projeto de existência. Este passo, melhor, este salto, naquele instante, foi o dom de uma conquista. Foi uma conquista, pois, assim, Francisco vencia a si mesmo. A boa vontade de Francisco vencia, com efeito, sua percepção de valor e sua sensibilidade. Evertia seu mundo velho. Fazia aparecer um mundo novo. Este passo foi um salto na obediência da fé! Nessa boa-vontade de Francisco estava latente a graça de Deus. Por isso o texto diz: Daí por diante, começou mais e mais a desprezar-se a si mesmo, até chegar, perfeitamente, pela graça de Deus, à sua vitória (LTC 11).


Um ato, porém, por mais decisivo que ele seja, embora necessário, não é suficiente. É preciso retomar a atitude daquele ato sempre de novo, a cada vez de modo novo. É a necessidade da repetição! Por isso, Francisco passou a frequentar o hospital dos leprosos e a conviver com eles. Pouco a pouco sua percepção de valores e seu sentir mudam. E, depois de cada visita aos leprosos, voltava para casa fazendo a experiência de que aquilo que antes lhe era amargo, isto é, ver e tocar leprosos, converteu-se em doçura (LTC 11). Não que Francisco não se importasse com os leprosos. Até então, ele fazia o bem aos leprosos por intermédio de outro, que levava-lhes sua esmola a eles. Mas, agora Francisco quer e procura encontrar-se face a face com eles. Agora Francisco faz a experiência de conviver com eles.

A imediatez da experiência se dá como um corpo a corpo. Ele se dispõe a ver e a tocar-lhes nas feridas. Assim, o contato humano com eles curou Francisco de sua própria lepra interior. A Legenda lembra que Francisco mesmo deu testemunho desta sua transformação em seu Testamento. Ela diz: Mas, pela graça de Deus, fez-se tão familiar e amigo dos leprosos que, assim como atesta no seu Testamento, permanecia entre eles e os servia humildemente (idem).


Francisco continua seu processo de transformação. Ele estava alterado para o bem (LTC 12). Além da esmola, isto é, da prática da misericórdia, também a oração vai levando Francisco a crescer espiritualmente. Conforme o capítulo III, também aqui, a oração é vista como um esconder o tesouro do coração. Por isso, vende tudo o que tem para possuir o campo em que este tesouro está escondido. No capítulo III, diz que Francisco escondia o tesouro de Cristo no seu coração. Agora, no capítulo IV, diz que inundado por um novo e singular espírito exorava ao Pai no abscôndito, cobiçando que ninguém soubesse o que fazia no interior a não ser somente Deus, a quem assiduamente consultava sobre como possuir o tesouro celeste (LTC 12).


Ao mesmo tempo, Francisco vai se tornando um cavaleiro de Cristo. As lutas são as tentações incutidas pelo inimigo do gênero humano (idem), isto é, o diabo. As tentações atingem sua memória sensível, sua imaginação e suas cogitações de jovem nobre, generoso e vaidoso, isto é, as perturbações dos pensamentos vãos. Mas, Francisco as enfrenta com insistência e persistência. A Legenda diz: sustentava, porém, com máxima paixão e ansiedade da mente, não podendo aquietar-se enquanto não completasse em obra aquilo que concebera na mente (idem). Paixão e angústia, aqui, são salutares. A ansiedade ou angústia de Francisco diz que ele estava por assim dizer apertando o cinto, entrando pela via estreita da salvação, e mantendo uma grande tensão e inquietação que o conduziriam a uma transformação salutar. Por isso a Legenda termina esse capítulo acerca do belo e admirável exemplo da graça do “vencer-se a si mesmo” por parte de Francisco com esse testemunho: Ardia, pois, interiormente por um fogo divino, não conseguindo ocultar no exterior o ardor concebido na mente [...]. Por isso, quando saia da gruta, parecia ao companheiro “transformado em outro homem (LTC 12).



DO VENCER-SE A SI MESMO ou DA JOVIALIDADE, HOJE


Quem aborda com muita precisão a importância do vencer-se a si mesmo, hoje, é um dos mais importantes mestres da espiritualidade franciscana, Frei Hermógenes Harada. Ouçamos:


Mas, por outro lado, o viver que deixa se neurotizar por uma dificuldade, por maior que ela seja, está apto para atravessar o deserto da abnegação escatológica? Não é a falta de treinamento num tal vigor que aumenta o peso de uma tal dificuldade? Mas, talvez, seja necessário assumir essa fraqueza eliminando a dificuldade [...]. Só que, neste caso, fica o problema. Tirando essa dificuldade o vigor para atravessar o deserto não aumenta. Apenas adia o problema. O que me preocupa muito, a esta altura, é a falta de ambição na busca do fundamental da Vida Religiosa. Parece que se pensa só no imediato do viver. Surge a dificuldade. Elimina-se a dificuldade. Mas, quando não é possível eliminá-la porque será que as pessoas se neurotizam? Por que não são capazes de treinarem na dificuldade o crescimento real, corpo a corpo, da identidade? Talvez hoje a Vida Religiosa nos torna tão infelizes porque não temos uma grande ambição de sermos religiosos, curtidos na jovialidade da abnegação! Por que somos tão resignados e passivos na busca do sentido Jovial da Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo? Digo isto não para criticar [...]. Pois, para mim é insuportável saber que a comunidade sofre. Com outras palavras sofro da mesma falta de cordialidade como todos os outros religiosos, hoje. O que há, pois com nossa jovialidade? Talvez a minha tarefa seja a de suportar [...] a comunidade, na tentativa sempre frustrada de viver o crescimento da jovialidade. É na medida em que eu mesmo vivo a jovialidade que posso animar os outros a terem ambição de crescimento. Mas, como isso é difícil! Creio que é mais fácil substituir o outro no sofrimento do que suportar o outro, suportar o sofrimento. Certamente, percebo que a palavra suportar, como eu a emprego, não respira o ar do Evangelho. O Evangelho pode ser duro, difícil, cheio de dor, mas jamais é de “sofredor”, pois vive na Vida Divina. Significa isso tudo que eu devo muito ao sofrimento da comunidade! Não devo, não posso dispersar e tornar vão o sofrimento de meus irmãos (Da Fidelidade do Pensamento, Fragmentos de um Diário, (Frei Hermógenes Harada, pág. 24).



Para pensar, conversar e compartilhar


1. Donde nasce em Francisco a graça de vencer-se a si mesmo? Qual sua importância para o processo da conversão espiritual?

2. O que dizer ou pensar das colocações de Frei Hermógenes Harada?


Fraternalmente,

Frei Dorvalino Fassini, OFM e Marcos Aurélio Fernandes


Continue bebendo do espírito deste tema:


- indo ao texto-fonte: São Francisco, um convertido por excelência - Conversão espiritual: Da graça de "como vencer-se a si mesmo", o exemplo

por excelência de São Francisco de Assis

- postando seus comentários;


- ouvindo no YouTube: Frei Dorvalino - São Francisco, um convertido

por excelência: Da graça de "como vencer-se a si mesmo", o exemplo por excelência de São Francisco de Assis - o belo e esclarecedor vídeo do Prof. Marcos Aurélio Fernandes


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Próximo Encontro: Da graça da visita e do encontro com o Crucificado - começa a florescer a existência crística de Francisco


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4 Comments


Benedita Onofre
Benedita Onofre
Mar 02, 2022

PAZ E BEM. Obrigado pelas suas reflexões, muito ricas p nossa espiritualidade

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Crisciane Andrade
Crisciane Andrade
Jun 07, 2021

A vida de Francisco es sempre um desafio, para aqueles que segue seus passos,

que nosso pai São Francisco nos ajude a cada dia a ser menor, obediente ao santo Evangelho.

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Domingos Pedroso Machado
Domingos Pedroso Machado
Apr 08, 2021

9º Encontro - O que dizer ou pensar das colocações de Frei Hermógenes Harada?

Minhas considerações


A leitura dos textos de Harada tem que ser devagar, aos poucos, como quem tateia um terreno novo. A compreensão da palavra não é imediata, vem pela reverberação que ela provoca na nossa mente. O que ele diz precisa ser ouvido interiormente para se descobrir a riqueza do sentido. Por exemplo, jovialidade, cordialidade e vigor significam Vida.

Agora ele começa questionando nosso jeito de viver. Quem “está apto para atravessar o deserto da abnegação escatológica”, se as dificuldades nos deixam neuróticos. Lutamos diuturnamente pelo nosso conforto material cujas necessidades parecem intermináveis. Quando suprimos uma exigência do nosso ego surge outra, e mais outra, e…

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schafferjosefinair
Apr 04, 2021

O que dizer ou pensar das colocações de Frei Hermógenes? Eis um grande desafio para hoje.

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