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95ºEncontro 22/4/23 16ª Admoestação - Da pureza de coração - 2ª parte

  • Foto do escritor: Frei
    Frei
  • 22 de abr. de 2023
  • 8 min de leitura

Atualizado: 30 de abr. de 2023



DA PUREZA DE CORAÇÃO

Desprezar as coisas terrestres e buscar as celestes



Introdução


Na primeira parte de nossa reflexão, acerca dessa Admoestação, nos ativemos apenas à Bem aventurança do Senhor, isto é, aos puros do coração. Hoje, vamos nos dedicar ao comentário que Francisco faz a esta Bem aventurança. Vejamos, mais uma vez, o texto:


Bem-aventurados os puros de coração porque verão a Deus (Mt 5,8).


São verdadeiramente puros os que desprezam as coisas terrenas, buscam as celestiais e não deixam de adorar sempre e ver o Senhor Deus, vivo e verdadeiro, de ânimo e de coração puro.



1. Desprezar as coisas terrestres e buscar as celestes


Segundo São Francisco, a primeira característica de um coração puro está a tarefa de limpar o olho do coração. Esse é o caminho indispensável para poder ver Deus, como já fora muito bem indicado aos Apóstolos pelo Senhor no Evangelho quando proclama que onde estiver o seu tesouro aí também estará seu coração e que a luz do corpo são os olhos, de sorte que, se seus olhos forem bons, todo seu corpo estará na luz; se, porém, seus olhos forem maus, todo o seu corpo será tenebroso. Se, portanto, a luz que há em si são trevas, quão grandes são tais trevas! (Cf. Mt 6,22). E mais adiante continua: “Ninguém pode servir a dois senhores; porque ou há de odiar a um e amar o outro, ou há de dedicar-se a um e desprezar o outro. Não podeis servir a Deus e às riquezas(Cf. Jo 6,12-14). Essa dinâmica Francisco a expressa com a frase: os que desprezam as coisas terrenas, buscam as celestiais.


Quase sempre, essa exortação evangélica nos deixa um tanto perplexos, reticentes e desconcertados. Como pode o Senhor pedir que desprezemos as realidades deste mundo que, no dizer da própria Escritura e de Francisco, foram criadas pelo seu próprio Pai como muito boas, belas e úteis; realidades que Ele mesmo redimiu e santificou com seu sangue derramado na Cruz!? Diante dessa dificuldade, muitas vezes, usamos o subterfúgio, dizendo que não se trata de desprezar, mas de não dar-lhes muita importância.


Talvez, nos ajude a sair desse conflito se analisarmos o verbo desprezar em seu sentido original latino “despicere”. “Despicere”, mais que ou antes de desprezar, indica um modo de olhar que busca, nas realidades e nos acontecimentos deste mundo e de nossa vida, a presença da realidade maior e mais profunda; a realidade que transcende os interesses de seu consumo imediato, tanto físico-material como cultural e mesmo espiritual, enfim, a realidade das realidades, que é a origem e o fundamento de todas as demais.


Desprezar, aqui, significa, portanto, um modo de buscar ou querer que não vê mais nada a não ser aquilo que realmente lhe interessa, não a partir de si, mas a partir de seu coração, isto é, daquilo ou Daquele que o tocou e chamou para segui-lo e estar com Ele. Assim, a mãe, por exemplo, a partir do olhar de seu olho de mãe, tudo despreza, exceto o cuidado de seu filho, de sua casa e de seu esposo. Ou melhor, segundo São Paulo, para nós cristãos, desprezar tem um sentido ainda mais radical. Significa considerar tudo como perda, como esterco, exceto ir atrás de Jesus Cristo a fim de conhecê-lo, amá-lo e imitá-lo sempre mais e melhor (Cf. Fl 3,8) uma vez que Ele é o sol que a tudo e a todos ilumina, o coração, a fonte de tudo quanto desejamos, pensamos, queremos e fazemos.


Agora, talvez, fique mais fácil compreender, também, o que significa “coisas terrenas” e “coisas celestiais”. Por vezes essas expressões parecem indicar um dualismo. Coisas terrenas seriam as realidades do nosso cotidiano, da nossa vida, enquanto viventes neste ou deste mundo e coisas celestiais seriam as realidades do céu e da outra vida, depois de nossa morte. Nesse caso a bem-aventurança anunciada por Jesus não seria mais uma boa nova para essa vida, mas apenas de um consolo para depois da morte.


Ora, pensar numa realização, bem-aventurança ou felicidade apenas para após a morte seria trair a mensagem central de todo o Evangelho: que a vida em abundância, a perfeita alegria, o Reino de Deus já chegou e está no meio, isto é, no coração, no íntimo mais profundo de cada um de nós e de toda a criação. A expressão, portanto, não está indicando uma dicotomia, mas dois princípios ou modos de conduzir-nos na vida. Assim, “terreno” ou “da terra” diz respeito não tanto a coisas, mas a um modo de ver e ser da pessoa centrada em si mesma, que ama e dá prioridade às realidades passageiras, aparentes, fugazes, como fama, aplausos, lucros, auto-segurança, dinheiro, busca de comodismo e mesmo de uma santidade que visa mais garantir sua salvação do que a glória de Deus, etc. Nesses casos, o olho do nosso coração não consegue ver o fundamento, a raiz, a fonte que está por detrás, sustentando todas as realidades do nosso cotidiano: Deus e seu maternal cuidado.


Já, “do céu” ou “celestial” não está em referência apenas a coisas depois desta vida ou deste mundo, mas, também e de novo, a um modo de ser que se faz presente em todas as coisas que existem ou acontecem; um espírito ou conduta que transcende o nível do nosso humano, meramente humano como Francisco mesmo explicita na Admoestação XXVII: o modo de ser da caridade, da humildade, da paciência, pobreza, alegria, quietude e que é o próprio Deus.


Assim, neste uso da linguagem, talvez se possa dizer que “terreno” seja o que está fechado e alheio à dinâmica do encontro e do seguimento de Cristo. Já “celestial” é o que pertence ao modo de ser elevado, sumo, do encontro e do seguimento de Cristo.



2. E não deixam de adorar


A segunda parte da Admoestação propõe o inverso da primeira. Se lá o centro era desprezar, agora é adorar e ver: não deixem de adorar sempre. O sempre, porém, antes de uma soma de atos ou momentos ininterruptos, está indicando, também aqui, um modo de ser, um estado de alma que o discípulo deve manter vivo; uma espécie de fogo interior que, a exemplo da sarça ardente de Moisés queima sem deixar jamais se consumir ou da paixão de Francisco pelo Crucificado que, a partir do encontro em São Damião, jamais permitiu que se apagasse de seu coração.


A característica essencial do religioso, a exemplo dos enamorados e apaixonados, é de uma entrega cada vez mais total, absoluta e radical ao seu Senhor. Exemplo edificante de uma adoração contínua vemos em Maria que não cessava de ruminar tudo o que via, ouvia e se dizia a respeito de seu Filho, acompanhando-o até à morte e morte de Cruz; o mesmo se dá com os reis magos do Evangelho os quais, tendo-lhes aparecido a estrela régia, imediatamente põem-se a seguir seu curso, fielmente, até encontrar sua origem: o Menino, Rei dos reis, deitado no presépio. O mesmo pode-se ver no centurião romano. Sua adoração aparece em toda sua caminhada de procura e busca do Senhor e não apenas no final quando exclama: Senhor eu não sou digno que venhas à minha casa, mas basta que digas uma palavra e meu criado ficará salvo (Mt 8,8). Em verdade, Maria, os reis magos não estão interessados em si, em seus reinos, como também o oficial não está pensando apenas no criado. Todos estão olhando, vendo e se confiando inteiramente ao Senhor, de modo que, aconteça o que acontecer, mesmo que Maria veja seu Filho condenado à morte e morte de Cruz, os magos percam a viagem e o centurião venha a perder o criado, tudo será bem feito. Em outras palavras, pensa o oficial: se não acontecer nada, isto é, se meu criado continuar doente e mesmo vier a morrer, não tem nenhuma importância, desde que o Senhor diga uma palavra. Essa palavra será tudo para mim, será minha vida, a cura de meu criado. Adorar é, pois, morrer para si a fim de ser tudo para o Senhor! Sempre, enfim, significa inteiramente, de corpo e alma, na inteireza de tudo o que sou, posso e quero.


Adorar tem um quê de beijar, assim como a mãe faz com seu filhinho ou vice-versa. Quando a mãe beija proclama que aí está seu tudo, o amor, o sentido de sua vida. Sob o ponto de vista etimológico, o verbo latino “adorare” é composto da preposição “ad”, que indica movimento para, e “os” boca. Unindo as duas palavras podemos dizer, então, que adorar significa a atitude ou movimento de levar à boca para beijar, saborear e consumar aquilo que nos afeiçoou e tocou, transformando o amante em amado e vice-versa.


Tudo isso, porém, não acontece automaticamente e de uma hora para outra, mas supõe um longo processo que se inicia com a firme decisão de viver a vida per-seguindo seu único amor sem jamais se perguntar se vai ou não dar certo. Assim, de um lado, na medida em que o discípulo entrar nesse processo de fé pura, começa a surgir e ver o fundo mais profundo de sua existência; e, por outro lado, quanto mais surge e vê mais quer ver e, quanto mais vê sua vida ganha direção, seu coração começa a sair da imundície de seu mundo mesquinho, particular e intimista para participar da limpidez e do ordenamento de um novo mundo, que Cristo e a tradição cristã chamam de “Reino do Céu”, “Vida eterna”, “Pai nosso”, “Deus”, etc.



PUREZA DE CORAÇÃO, HOJE


O Papa Francisco abordou essa Bem-aventurança em sua Mensagem para a XXX Jornada Mundial da Juventude. Cita, então esta fala de Jesus: «Nada há fora do homem que, entrando nele, o possa tornar impuro. Mas o que sai do homem, isso é que o torna impuro. (…) Porque é do interior do coração dos homens que saem os maus pensamentos, as prostituições, roubos, assassínios, adultérios, ambições, perversidade, má-fé, devassidão, inveja, maledicência, orgulho, desvarios» (Mc 7, 15.21-22).


A seguir o Papa faz, então, o seguinte comentário:


Sendo assim, em que consiste a felicidade que brota dum coração puro? Partindo do elenco dos males enumerados por Jesus, que tornam o homem impuro, vemos que a questão tem a ver sobretudo com o campo das nossas “relações”. Cada um de nós deve aprender a discernir aquilo que pode «contaminar» o seu coração, formando em si mesmo uma consciência reta e sensível, capaz de «discernir qual é a vontade de Deus: o que é bom, o que Lhe é agradável, o que é perfeito» (Rm 12, 2). Se é necessária uma atenção salutar para com a salvaguarda da criação, a pureza do ar, da água e dos alimentos, com maior razão ainda devemos salvaguardar a pureza daquilo que temos de mais precioso: nossos corações e nossas relações. Esta «ecologia humana» ajudar-nos-á a respirar o ar puro que provém das coisas belas, do amor verdadeiro, da santidade.


E continuando o Papa concluiu: Uma vez fiz-vos a pergunta: Onde está o vosso tesouro? Qual é o tesouro onde repousa o vosso coração? (cf. Entrevista com alguns jovens da Bélgica, 31 de Março de 2014). É verdade! Os nossos corações podem apegar-se a tesouros verdadeiros ou falsos, podem encontrar um repouso autêntico ou então adormentar-se tornando-se preguiçosos e entorpecidos. O bem mais precioso que podemos ter na vida é a nossa relação com Deus. Estais convencidos disto? Estais cientes do valor inestimável que tendes aos olhos de Deus? Sabeis que Ele vos ama e acolhe, incondicionalmente, assim como sois? Quando esta percepção esmorece, o ser humano torna-se um enigma incompreensível, pois o que dá sentido à nossa vida é precisamente saber que somos amados incondicionalmente por Deus. Lembrais-vos do diálogo de Jesus com o jovem rico? (cf. Mc 10, 17-22). O evangelista Marcos observa que o Senhor fixou o olhar nele e amou-o (cf. v. 21), convidando-o depois a segui-Lo para encontrar o verdadeiro tesouro. Espero, queridos jovens, que este olhar de Cristo, cheio de amor, vos acompanhe durante toda a vossa vida.



Para pensar e partilhar:


1. O que Jesus quer dizer quando pede que desprezemos as coisas deste mundo?

2. Segundo o Papa Francisco o que significa e no que implica a “pureza de coração”?



Paz e Bem!

Fraternalmente,


Frei Dorvalino Fassini, OFM e Marcos Aurélio Fernandes




Continue bebendo do espírito deste tema:


- indo ao texto-fonte: 95º Encontro - 16ª Admoestação - Da pureza de coração

- 2ª parte - Desprezar as coisas terrestres e buscar as celestes


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