top of page

94ºEncontro 15/4/23 15ª Admoestação - Da pureza de coração - 1ª parte

  • Foto do escritor: Frei
    Frei
  • 16 de abr. de 2023
  • 7 min de leitura



DA PUREZA DE CORAÇÃO



Introdução


O tema desta Admoestação encanta, cativa e desafia, ao mesmo tempo, devido sua importância e beleza. Pois, quem não gosta de estar diante pessoas puras e de inocente coração? Mas, acima de tudo, quem não gostaria de ver a Deus? Já o salmista proclamava: Meu coração repete o seu convite: ’Procurai meu rosto!’ Seu rosto, Senhor, eu procuro. Não escondais de mim vosso rosto (27,8-9).


Vejamos o texto.


Bem-aventurados os puros de coração porque verão a Deus (Mt 5,8).


São verdadeiramente puros os que desprezam as coisas terrenas, buscam as celestiais e não deixam de adorar sempre e ver o Senhor Deus, vivo e verdadeiro, de ânimo e de coração puro.



1. Título


Geralmente, entendemos puro como sinônimo de limpo, sem sujeira e o verbo purificar como limpar, tirar a sujeira. Nesse sentido, puro pode significar, também, autêntico, isto é, verdadeiro, limpo, claro, isento de substâncias adversas ou contaminadoras, sincero, sem mistura, como quando se diz, por exemplo, que esse vinho é autêntico ou essa pessoa é sincera, limpa, pura como criança.


Para entender esse título, encontramos uma ajuda olhando o original latino da Admoestação que emprega a palavra “munditia”. Já, na citação evangélica da bem-aventurança, em vez de puro, encontramos a palavra “mundus”. Ora, o contrário de munditia (pureza) é impureza, sujeira, corrupção e de mundus (mundo) é imundo.


Quando em nosso linguajar cotidiano usamos a palavra mundo, porém, em vez de limpo, puro pensamos em universo, criação, orbe, a totalidade das coisas criadas, etc. e mundano de pessoa entregue às coisas materiais e aos prazeres sensuais. Partindo dessa conceituação poder-se-ia dizer que mundo, aqui, está indicando o modo de ser de terreno habitado e bem cultivado, enquanto que imundo seria o modo de ser de uma terra desordenada, baldia, desabitada e infestada de inço, improdutiva. Qualquer terra desabitada, porém, qualquer coração ao receber o sopro de Deus, do Criador e a ação diligente de suas mãos habilidosas, torna-se fecunda e bem ordenada: o paraíso terrestre. Pureza, portanto, é sempre fruto Daquele que é a pureza e impureza, por outro lado, daquele que é a maldade e que, com o pecado, tornou impuro o puro, desordenado o ordenado, dividido o uno. Com a Encarnação de seu Filho, porém, mais uma vez, Deus voltou a introduzir e inaugurar um novo princípio ou processo de purificação, de volta ao estado originário de cada criatura: o mistério da redenção, da pureza da gratuidade e da ordem. O mundo voltou a ser mundo, limpo, puro, originário. É o que nos ensina a conhecida visão de Pedro em Jope. Pedro estava com fome e, numa visão, foram-lhe apresentados animais, répteis e aves do céu, todos considerados impuros pela tradição judaica. Uma voz, porém, lhe dizia: “Levanta-te, Pedro, mata e come!” - “Nunca, Senhor!”, declarou Pedro. “Jamais comi, na minha vida, qualquer coisa que fosse impura ou imunda.” Vem, então, a voz do Céu: “Não consideres impuro o que Deus tornou limpo!” (At 10,9-15).


É por causa dessa pureza originária, primeva que, desde os primórdios de sua conversão, a experiência espiritual de Francisco se dá através do encontro e da contemplação amorosa do mistério Trinitário. Mistério esse que transparece, não apenas nas celebrações litúrgicas (Cf. CO) e na Igreja (Cf. Test), mas, também na Criação (Cf. CSol; Ad XVIII), na História da Salvação (Cf. RNB 22) e em todo o bem que sempre opera e faz em todos e em tudo (Cf. Ad VIII). Por isso, as realidades desprezadas pelos puros de coração, aqui, nesta Admoestação, não podem ser, evidentemente, as coisas visíveis, mas todo modo de ser, pensar e agir estranho e contrário à pureza originária de seu Criador e Redentor.


Além de pureza, merece nossa atenção também o termo coração. Na Sagrada Escritura, coração aponta para aquele núcleo central do homem do qual nascem todos os seus sentimentos, pensamentos, desejos, intenções e ações. É sua verdade maior e primeira, o resumo, o compêndio, a fonte de todo seu ser; aquilo que Santo Agostinho chamava de “O íntimo que me é mais íntimo do que o meu íntimo”, o olho que vê, conhece e compreende todas as coisas. Assim, se este núcleo central – coração ou olho - for limpo, puro, todas as coisas serão limpas, puras. Por isso, dizia Jesus: «Nada há fora do homem que, entrando nele, o possa tornar impuro. Mas o que sai do homem, isso é que o torna impuro. (…). Porque é do interior do coração dos homens que saem os maus pensamentos, as prostituições, roubos, assassínios, adultérios, ambições, perversidade, má-fé, devassidão, inveja, maledicência, orgulho, desvarios» (Mc 7, 15.21-22).



2. Só os puros de coração verão a Deus


O início da Admoestação é tirado, mais uma vez, das Bem-aventuranças evangélicas, mais precisamente, de Mt 5,8. E, novamente, o texto começa com um “bem aventurado”. Francisco faz eco ao grande sermão de Jesus na Montanha com o qual faz a abertura de seu ministério evangelizador, isto é, do início da Religião da graça em substituição à Religião do mérito. Por nove vezes, como no realce e insistência de um refrão, Ele vai anunciando: felizes” ou bem-aventurados!” É um anúncio, mas também um convite para que se ajuntem a Ele a fim de que, unidos, possam percorrer o caminho da verdadeira felicidade, no meio de todos os desafios e contrariedades da vida.


Assim, Francisco vai alertando seus companheiros para que acordem e se acordem com aquilo que seu (nosso) coração mais deseja e aspira: a plenitude da felicidade, da realização humana; aquilo que nosso coração em seu íntimo mais profundo mais precisa, deseja e procura: estar junto de seu Criador e Pai, de poder vê-lo e contemplá-lo face a face. Eis o objetivo dessa Admoestação.


Como em todas as Bem-aventuranças, com exceção da primeira, também nessa propõe a felicidade ou plenitude do bem estar para o futuro: verão a Deus. Esse futuro, porém, não é cronológico, mas existencial ou, melhor ainda, escatológico. Ou seja, se o coração for puro terá como fruto a visão de Deus, isto é, o ver a Deus será proporcional, já aqui e agora, ao grau de pureza do coração. Coração impuro, isso é, tomado por outros interesses ou amores, não poderá jamais ver a Deus porque estará sempre ocupado e vendo tão somente seus amores ou ídolos. Se alguém vai comungar somente para ser visto, receber aplauso ou favores, em vez do Senhor estará comungando, vendo apenas esses seus interesses, aplausos ou favores. Enfim, está tão tomado por seus amores que lhe será impossível ver e acolher o amor dos amores. É, como diz Paulo: o devasso, o impuro, o avarento – que é um idólatra – são excluídos da herança (visão) do Reino de Deus (Ef 4,5).


Esta forma de falar – verão - está indicando, portanto, um princípio ou, melhor, uma tarefa, um caminho, um programa de vida: que nosso humano, isto é, nosso coração, nosso querer, semelhantemente à terra agreste e imunda, precisa ser transformada em terra habitável para Deus e para os homens. Invertendo a reflexão devemos dizer que, com uma vontade selvátiva, voluntariosa, cheia de rebeldias, carências, orgulhos, vaidades, soberbas e amores próprios, jamais haveremos de ver a Deus e os outros porque estaremos sempre e tão somente vendo a nós mesmos. Verão a Deus, significa que retornaremos àquele estado de felicidade paradisíaca nascida da perfeita comunhão com Deus, com os outros, com a natureza, com nós mesmos. Neste estado de pureza original, não existiam «máscaras», subterfúgios, motivos para se esconderem uns dos outros. Tudo era puro e claro. (Papa Francisco).


Frei Harada explica esse modo de olhar com um fato que envolveu Hideyo Noguschi, importante e famoso médico japonês. Quando começou seu estudo de bacteriologista nos Estados Unidos o primeiro exercício que o professor lhe pediu foi de observar os peixes no aquário. Depois de uma semana o professor pediu-lhe que descrevesse o que vira. Feita a descrição o professor, vendo que não olhara bem e direito, disse-lhe: “Você não viu nada. Vá olhar de novo”. Hideyo percebeu então que não olhara e não vira os peixes porque andava muito preocupado consigo mesmo, com seu futuro. Por ser muito pobre vivia angustiado com sua sobrevivência. Assim, em vez de olhar para os peixes ficara o tempo todo olhando para si mesmo. Os peixes não haviam ainda se tornado o objeto de seu interesse e amor. Voltou, então, para o aquário e começou seu longo caminho de pesquisador que, depois, jamais abandonou em toda sua vida. A partir dessa experiência veio a tornar-se um grande investigador e descobridor das causas da sífilis, vindo a falecer de febre amarela contraída em meio a suas investigações na África.


Então, quando Nosso Senhor diz verão a Deus está se referindo a uma busca cheia de afeição; uma busca que olha, que vê tão somente e nada mais e nada menos aquilo que passou a ser o sentido de sua vida. Assim, seu coração de imundo não apenas vai ficando “mundo”, isto é, limpo, mas também unificado e transparente, fazendo surgir uma nova identidade, uma nova criação. No caso, um novo Adão, um outro filho de Deus, um outro Cristo. Belo exemplo dessa experiência vemos no processo de conversão de Francisco. À medida que se deixava tocar e afeiçoar pelas misteriosas visitas de Deus e largava os amores que antes perseguia começa a ver Deus com toda a nitidez. Cria-se, assim, um círculo cada vez mais virtuoso: à medida em que vê Deus nessa mesma medida o coração se purifica e na medida em que o coração se purifica nessa mesma medida vê o Senhor Deus vivo e verdadeiro, de ânimo generoso e de coração puro.


Em Francisco todo esse processo de ver Deus, culmina no Monte Alverne com o mistério da estigmatizarão.


Há, portanto, em nosso coração um olho feito e destinado para ver Deus, diz Francisco, repetindo o Mestre. Não se trata de algo simbólico, mas da realidade mais real do nosso humano porque indica nossa busca mais profunda, nosso desejo mais ardente, nosso amor mais intenso, nossa paixão mais sagrada, nossa felicidade plena, nosso bem maior: último e primeiro. Mas, quando entregue a si mesmo, à sua própria vontade ou capricho, a luz desse coração torna-se trevas, a claridade desse olho se obscurece e sua busca torna-se confusa, desgarrada e seus passos inseguros. É a desgraça que nasce do fascínio de inúmeros interesses alheios ao seguimento de Cristo.



Para pensar e partilhar


1. Como São Francisco entende a pureza de coração?

2. Por que só os puros de coração verão a Deus e por que só no futuro e não no presente?


Paz e Bem! Fraternalmente, Frei Dorvalino Fassini, OFM e Marcos Aurélio Fernandes

Continue bebendo do espírito deste tema: - indo ao texto-fonte: 94º Encontro - 14ª Admoestação - Da pureza de coração

- 1ª parte - postando seus comentários; - ouvindo no YouTube: Frei Dorvalino - 94º Encontro - 16ª Admoestação - Da pureza de coração - 1ª parte Inscreva-se e curta nossos vídeos



Próximo Encontro: 95º Encontro - 16ª Admoestação - Da Pureza de coração - 2ª parte - Desprezar as coisas terrestres e buscar as celestes #espiritofranciscano #estudosfranciscanos #fontesfranciscanas #freidorvalino #freidorvalinofassini #professormarcosfernandes

Posts recentes

Ver tudo

Comments


RECEBA AS NOVIDADES

  • Black Facebook Icon
  • Black Pinterest Icon
  • Black Twitter Icon
  • Black Instagram Icon

@2018 - Site Franciscano by Frei Dorvalino e Eneida

bottom of page