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92ºEncontro 01/4/23 15ª Admoestação - Da paz

  • Foto do escritor: Frei
    Frei
  • 2 de abr. de 2023
  • 9 min de leitura

Atualizado: 10 de abr. de 2023




DA PAZ



Introdução


Francisco volta, mais uma vez, à sétima Bem aventurança que trata da Paz. Se na XIII Admoestação procura associá-la à paciência aqui vai dizer ou mostrar quando ou como os Irmãos serão verdadeiramente pacíficos. Vejamos o texto:


”Bem-aventurados os pacíficos, porque serão chamados filhos de Deus”. São verdadeiramente pacíficos os que, de tudo quanto padecem neste mundo, conservam a paz na alma e no corpo, por amor de Nosso Senhor Jesus Cristo.



1. Título


Vale e é necessário recordar que, na origem da nova vida de Francisco e do surgimento de sua Ordem, está a experiência da graça do encontro com Cristo, o Crucificado de São Damião e com o Cristo do Evangelho do envio dos Apóstolos. Esses dois encontros foram tão marcantes que levaram Francisco a se tornar, desde o início até o fim, um seguidor fiel e radical de Cristo no espírito, na vida e missão dos Apóstolos. Por isso, não podia fazer ou viver de modo diferente que esses. Assim, ele e seus companheiros, não apenas fizeram da vida dos Apóstolos sua vida, mas, também, a exemplo daqueles, sempre punham como princípio e fundamento de toda sua pregação o anúncio da Paz (Cf. LTC 26). Mas, para isso era necessário que, primeiramente, eles fossem testemunhas vivas dessa graça. Eis a razão dessa Admoestação: exortar os Irmãos a se transformarem em fazedores de paz, à semelhança do seu Mestre que o foi até à morte e morte de Cruz.



2. Filhos de Deus, filhos da paz


Buscar e fazer a paz é uma constante na história dos homens e de cada um de nós. Todos queremos a paz, todos trabalhamos e lutamos pela paz na família, na comunidade, na sociedade, no mundo, no coração de cada um. Para construí-la e promovê-la arregimentam-se pessoas e formam-se exércitos, promovem-se encontros de diálogo e de ecumenismos, fazemos passeatas, orações, vigílias; para senti-la e desfrutá-la em nossos corações nos submetemos a inúmeros exercícios de relax e de serenidade, etc., etc. Mas, e apesar de tudo isso, a história dos homens, em geral e de cada um em particular, revela que a paz continua sendo uma grande utopia. Isso acontece porque, em parte, em toda essa luta nos falta o mais importante: a busca de uma compreensão mais profunda e, para nós cristãos e franciscanos, mais evangélica de paz ou de pacífico. De pouco adianta lutar se nossa compreensão, no fundo, é de uma paz “angelical”, de “santos” e não de humanos pecadores.


Por causa disso muitos e bastante diversificados são os significados de paz que encontramos hoje, até mesmo entre religiosos e homens de Deus. De modo geral, hoje, entendemos paz como ausência de enfrentamentos, de lutas ou conflitos. Por outras vezes, também, pensa-se num estado de serenidade, de harmonia, equilíbrio e tranquilidade interior, calma, sossego e até mesmo de inércia e estagnação.


A história, porém, prova que, com esse princípio, o bom relacionamento entre os homens não apenas não vai longe, mas também está em contínuo alvoroço e conflito uma vez que os interesses e direitos de uns não coincidem com os direitos e os interesses dos outros. A paz de uns não é a paz dos outros. O mesmo diga-se da paz interior: são muito raras, raríssimas as pessoas que conseguem um estado de alma tomado pela paz. Faz-se necessário, pois pôr-se em busca de uma compreensão mais originária de paz. E essa quem no-la dá, diz Francisco, é Jesus Cristo.


Precisamos, pois, revisar não apenas nosso conceito de paz, mas, acima de tudo, os caminhos e empreendimentos de sua busca. Em outras palavras, aprender a ser filhos da Paz, isto é, filhos de Deus, pois Ele é a Paz, ou melhor, aprender a ser filhos de Deus no seu Filho muito amado, o Príncipe da Paz (Is 9,6).



3. Paz de Deus e paz do mundo


Quando nós cristãos falamos em Paz logo pensamos em Jesus Cristo, o Príncipe da Paz. É admirável como a Paz perpassa todo o mistério da sua Encarnação. Na noite do Natal os Anjos anunciam cantado “Glória a Deus nas alturas e Paz na Terra aos homens de boa vontade!”; no início de sua Vida pública, no conhecido envio missionário dos setenta e dois discípulos, Jesus lhes ordena que em qualquer casa onde entrassem dissessem primeiro: A paz esteja nesta casa!”; finalmente, é com o anúncio desse dom que Jesus encerra sua presença mística junto aos discípulos e discípulas após sua Ressurreição: “Deixo-vos a paz, dou-vos a minha paz. Não como o mundo a dá, eu dou a vós” (Jo 14:27). (Cfr. nossa reflexão acerca da Ad XIII).


Estamos, pois diante de duas compreensões de paz. Segundo Jesus, uma vem Dele e outra nasce do mundo. Por isso, para São Francisco, a verdadeira paz não é a que nasce do empenho e desempenho dos homens, mas aquela que é inaugurada por Jesus Cristo crucificado. Na Cruz, aos discípulos que O abandonam e O traem Ele continua amando-os e chamando-os de amigos; aos que o condenam à morte pede-lhes o perdão do céu; ao Pai que O abandona confia-se inteiramente. Por isso, diz Francisco: São verdadeiramente pacíficos os que, de tudo quanto padecem neste mundo, conservam a paz na alma e no corpo, por amor de Nosso Senhor Jesus Cristo. Padecem significa, suportam, carregam assim como a mãe carrega o precioso tesouro de sua vida em seu seio: o filho. Por isso, as penas da gestação e as dores de parto são sua bênção, sua graça e alegria. E por amor de Nosso Senhor Jesus Cristo, significa do seu jeito, como Ele foi pacífico.


Portanto, o filho de Deus deve viver a paz que vem de Deus e não apenas a paz de alguém que é meramente filho do homem. Ora, Deus não é pacífico porque, simplesmente, estaria infinitamente acima de todos os conflitos e carências, um Deus inatingível e alheio a todas as negatividades e adversidades. Essa compreensão não se coaduna em nada com o Deus da História sagrada e muito menos com o Deus revelado por e em Jesus Cristo, pobre encarnado e crucificado. Deus é pacífico não porque seria um Deus super poderoso, capaz de superar todos os conflitos, mas porque seu princípio originário e constitutivo, sua identidade, à semelhança de uma fonte, se move, se faz e refaz, continuamente pela dinâmica da doação, da entrega, do amor-caridade que se expressa de mil e uma forma, principalmente, pela misericórdia, pela compaixão, pelo perdão, pela humildade e paciência.


Por isso, paz, em vez de um estado de tranquilidade e comodidade, indica o vigor, o movimento, o empenho que conduz e reconduz as criaturas para o restabelecimento da alegria do seu convívio, de sua familiaridade ou fraternidade originária. Por isso, Jesus proclama que ele não veio trazer a paz, mas a espada (Mt 10,34), isto é, a luta, o combate, o incansável trabalho de busca da reconciliação de toda a criatura consigo mesma e com sua origem. Nesse sentido, pacífico nada tem a ver com pacifista, mas tudo com fazedor de paz como, aliás, indica muito bem o próprio sentido etimológico. A palavra latina “pacificus” compõe-se de “pax”, paz e “facere”, fazer: aquele que faz paz.


Falando da paz que vem do mundo, dos homens e da paz que vem de Deus, nosso Papa diz que a primeira, geralmente, é buscada por dois caminhos: ou pela derrota de uma das duas partes ou com tratados de paz. No primeiro caso a paz permanece enquanto o inimigo estiver dominado pelo vencedor e no segundo enquanto se conseguir manter o equilíbrio entre os interesses de ambas ou e de todas as partes. Por isso, o Papa logo acrescenta:


No entanto, devemos considerar que a história é uma série infinita de tratados de paz desfeitos por guerras sucessivas ou pela metamorfose dessas mesmas guerras de outras maneiras ou em outros lugares. Mesmo em nosso tempo, uma guerra “em pedaços” é travada em vários cenários e de modos diferentes. Devemos, pelo menos, suspeitar que, no contexto de uma globalização feita, acima de tudo, por interesses econômicos ou financeiros, a “paz” de alguns corresponde à “guerra” de outros. E essa não é a paz de Cristo!



4. Cristo nos dá sua Paz


Vem, então, a pergunta fundamental: Como o Senhor Jesus “dá” sua paz?


E o Papa mesmo responde:


Ouvimos São Paulo dizer que a paz de Cristo é “fazer de dois, um” (cf. Ef 2,14), para assim cancelar a inimizade e reconciliar-se. E o caminho para realizar esse trabalho de paz é o seu corpo. De fato, ele reconcilia todas as coisas e traz paz com o sangue de sua cruz, como o próprio apóstolo diz em outra passagem (cf. Cl 1, 20).


E continua nosso Papa:


O amor, por sua natureza, é criativo – o amor é sempre criativo – e busca a reconciliação a qualquer custo. São chamados filhos de Deus aqueles que aprenderam e exercitam a arte da paz e sabem que não há reconciliação sem o dom da própria vida, e que a paz deve sempre ser buscada. Sempre e de qualquer maneira: não esqueça disso! Deve ser procurada assim. Esta não é uma obra autônoma que é fruto das próprias capacidades, é uma manifestação da graça recebida de Cristo, que é a nossa paz, que nos tornou filhos de Deus. (Cf. Homilia no Sacrário militar de Redipuglia, 13 de setembro de 2014).


E, falando da paz pessoal, assim se expressou o Papa Francisco:


Muitas vezes, é o próprio Senhor quem semeia em nós a inquietude para irmos ao encontro d’Ele, descobri-Lo. Nesse sentido, é um importante momento de crescimento; enquanto que uma tranquilidade interior corresponda a uma consciência domesticada e não a uma verdadeira redenção espiritual. Muitas vezes, o Senhor deve ser um “sinal de contradição” (cf. Lc 2, 34-35), abalando nossa falsa segurança, para levar à salvação. E nesse momento, parece não ter paz, mas é o Senhor que nos coloca nesse caminho para alcançar a paz que Ele mesmo nos oferece. Nesse ponto, devemos lembrar que o Senhor entende sua paz como diferente da humana, a do mundo, quando diz: «Deixo-vos a paz, dou-vos a minha paz. Não como o mundo a dá, eu dou a vós (Jo 14:27) (idem).


Foi assim, que o Senhor, concedeu a paz ao seu servo Jó e a todos os seus santos que, por sua vez se tornaram artesãos da paz, porque construir a paz é uma arte que requer serenidade, criatividade, sensibilidade, destreza (Papa Francisco, GE 89).



DA PAZ, HOJE


O Papa Francisco, logo no início de sua Exortação Apostólica Fratelli Tutti fala em sonhos desfeitos. Diz ele que, por um pouco de tempo, parecia que o mundo tinha aprendido com as guerras e fracassos. Em diversos países e regiões houve tentativas de pacificação e reaproximações que foram bem-sucedidas e outras que pareciam promissoras (FT 10). Mas, logo tem de acrescentar que a história dá sinais de regressão. Reacendem-se conflitos anacrônicos que se consideravam superados, ressurgem nacionalismos fechados, exacerbados, ressentidos e agressivos... Isto lembra-nos que «cada geração deve fazer suas as lutas e as conquistas das gerações anteriores e levá-las a metas ainda mais altas. É o caminho. O bem, como aliás o amor, a justiça e a solidariedade não se alcançam duma vez para sempre; hão de ser conquistados cada dia (idem 11).


Mais adiante o mesmo Papa, depois de mencionar os avanços da agressiva ideologia da globalização, lamenta:


Esta cultura unifica o mundo, mas divide as pessoas e as nações, porque «a sociedade cada vez mais globalizada torna-nos vizinhos, mas não nos faz irmãos». Encontramo-nos mais sozinhos do que nunca neste mundo massificado, que privilegia os interesses individuais e debilita a dimensão comunitária da existência. Em contrapartida, aumentam os mercados, onde as pessoas desempenham funções de consumidores ou de espectadores. O avanço deste globalismo favorece normalmente a identidade dos mais fortes que se protegem a si mesmos, mas procura dissolver as identidades das regiões mais frágeis e pobres, tornando-as mais vulneráveis e dependentes. Desta forma, a política torna-se cada vez mais frágil perante os poderes económicos transnacionais que aplicam o lema «divide e reinarás» (idem 12).


Finalmente, o Papa, depois de falar que mais uma vez São Francisco o inspirou no seu exercício pontifical, fala da paz que esse nosso Santo foi semear no coração do Sultão Malik-al-Kamil, no Egito:


Aquela viagem, num momento histórico marcado pelas Cruzadas, demonstrava ainda mais a grandeza do amor que queria viver, desejoso de abraçar a todos. A fidelidade ao seu Senhor era proporcional ao amor que nutria pelos irmãos e irmãs. Sem ignorar as dificuldades e perigos, São Francisco foi ao encontro do Sultão com a mesma atitude que pedia aos seus discípulos: sem negar a própria identidade,”quando estiverdes «entre sarracenos e outros infiéis (...), não façais litígios nem contendas, mas sede submissos a toda a criatura humana por amor de Deus”. No contexto de então, era um pedido extraordinário. É impressionante que, há oitocentos anos, Francisco recomende evitar toda a forma de agressão ou contenda e também viver uma «submissão» humilde e fraterna, mesmo com quem não partilhasse a sua fé. Não fazia guerra dialética impondo doutrinas, mas comunicava o amor de Deus; compreendera que «Deus é amor, e quem permanece no amor, permanece em Deus» (1 Jo 4, 16). Assim foi pai fecundo que suscitou o sonho duma sociedade fraterna, pois «só o homem que aceita aproximar-se das outras pessoas com o seu próprio movimento, não para retê-las no que é seu, mas para ajudá-las a serem mais elas mesmas, é que se torna realmente pai». Naquele mundo cheio de torreões de vigia e muralhas defensivas, as cidades viviam guerras sangrentas entre famílias poderosas, ao mesmo tempo que cresciam as áreas miseráveis das periferias excluídas. Lá, Francisco recebeu no seu íntimo a verdadeira paz, libertou-se de todo o desejo de domínio sobre os outros, fez-se um dos últimos e procurou viver em harmonia com todos. (FT 3 e 4).



Para pensar e partilhar:


1. Por que Jesus Cristo é chamado de “Príncipe da Paz”?

2. Por que a concretização da paz, em todos os níveis e setores é tão difícil?



Paz e Bem! Fraternalmente, Frei Dorvalino Fassini, OFM e Marcos Aurélio Fernandes

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