88º Encontro - 04/03/23 - 13ª Admoes - Da Paciência - 2ª parte
- Frei
- 3 de mar. de 2023
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DA PACIÊNCIA
2ª. Parte: Jesus Cristo crucificado, Raiz da Paciência
Introdução
Vamos retomar a Admoestação da Paciência (XIII), com o intuito de deter-nos mais demoradamente à sua origem, fonte ou raiz, já assinaladas na reflexão anterior. Comecemos olhando de novo o texto:
”Bem-aventurados os pacíficos, porque serão chamados filhos de Deus” (Mt 5,9). O servo de Deus não pode saber quanta paciência e humildade tem em si, enquanto está satisfeito consigo. Quando, porém, chegar o tempo em que os que deveriam satisfazê-lo, fazem-lhe o contrário, quanta paciência e humildade aí tiver, tanta tem e nada mais.
1. Condenado pelos homens e abandonado pelo Pai
Em verdade, para o servo de Deus, isto é, para quem está na experiência de ser amado, privação, pobreza, injustiças e contrariedades, em vez de carências ou desgraças, sempre são vistas e acolhidas como desafios, provocações, riquezas, graças e bênçãos; é nelas e por elas que lhe é oferecida a ocasião de poder identificar-se com o Mestre que aprendeu a obedecer pelo sofrimento, isto é, que, para além da ignomínia, na Encarnação e, principalmente, na Cruz soube descobrir e ver a glória do bem querer do Pai, essência do nosso verdadeiro humano.
Assim, a paciência cristã e franciscana tem seu enraizamento e expressão maior e mais profunda no mistério da Cruz. Mas, em que sentido? No sentido que o próprio Cristo dá no alto do Calvário.Sim, Jesus sustentou, carregou, padeceu, suportou a vida de filho do homem e de Filho de Deus, condenado pelos homens, abandonado pelos próprios companheiros e pelo próprio Pai, isto é, por aqueles que deviam satisfazê-lo. Ele, que não conheceu pecado, foi feito pecado, amaldiçoado. Mas, bem no interior mais profundo desse abandono, no outro lado do grito “Meu Deus, meu Deus porque me abandonaste?” ouvimos outro grito: “Não se faça, porém, o que eu quero, mas o que tu queres! Pai, nas tuas mãos entrego o meu espirito!”
Assim, o padecimento, a paciência de Cristo na Cruz é, essencialmente, uma experiência de unidade com o Pai. Aparece, então, em sua paradoxal verdade: o Criador obedecendo à sua criatura. É o que canta o hino da Carta aos Filipenses: Foi obediente até à morte e morte de cruz! (Fl 1,8). Cristo torna-se, assim, a paciência, o padecimento da vontade, do bem querer do Pai em pessoa. Com Ele, Nele e por Ele, não há mais nada, ninguém que separe Deus do homem e o homem de Deus, como expressa muito bem São Paulo: Quem nos separará do amor de Cristo? A tribulação, ou a angústia, ou a perseguição, ou a fome, ou a nudez, ou o perigo, ou a espada? Como está escrito: Por amor de ti somos entregues à morte todo o dia: fomos reputados como ovelhas para o matadouro. Mas em todas estas coisas somos mais do que vencedores, por aquele que nos amou (Rm 8,35-36).
Assim, seguindo esse exemplo, uma pessoa que nas adversidades cresce na dinâmica do padecimento vai sendo enriquecida e plenificada pela riqueza do diferente e mesmo do adverso. À medida que se dispuser a acolher pacificamente alegrias e tristezas, saúde e doenças, sucessos e fracassos, amigos e inimigos, santos e pecadores, justos e injustos, bons e maus, isto é, à medida que se dispuser a conviver com eles a modo de irmão e familiar, verá seu coração tornar-se cada vez mais amplo, aberto, magnânimo e generoso como amplo, aberto, magnânimo e generoso é o coração do Pai do Céu que abraça, acolhe, ama e se satisfaz com justos e injustos, santos e pecadores, bons e maus. Verá aparecer sua vida de cristão, franciscano; verá realizar-se a promessa: na paciência possuireis, alcançareis vossa vida, vossa alma, vossa identidade.
2. Paciência, a Perfeita Alegria
Francisco, depois, no famoso ensinamento a Frei Leão, dado ao longo da caminhada de Perúgia à Porciúncula, em dia de muita chuva, lama, frio e neve, vai chamar essa virtude evangélica de “Perfeita alegria” (Atos 7; Fi 8). Trata-se na verdade, de uma réplica da caminhada, da vida, da Cruz do próprio Cristo. O porteiro, filho do próprio Francisco, e que aqui representa Deus, não só expulsa, mas o enxota e o envia para o meio dos Crucíferos, isto é, dos leprosos, onde teve a graça da origem de sua conversão. É o Cristo mandado ao Calvário da Cruz pelo próprio Pai, através dos seus consanguíneos. Vem, então, o grande ensinamento:
Oh, Frei Leão, escreve: Se nós suportarmos tantos males, tantas injúrias e açoites com alegria, pensando que devemos carregar as penas do Cristo bendito, ó Frei Leão, escreve que aí está a perfeita alegria. Porque, ouve a conclusão, ó Frei Leão: Entre todos os carismas do Espírito Santo, que Cristo concedeu e concede aos seus amigos, está o de vencer-se a si mesmo e sustentar opróbrios de boa vontade por causa de Cristo e da caridade de Deus. Pois, de todas as maravilhas acima mencionadas, nós não podemos nos gloriar, porque não são nossas, mas, de Deus. “O que, pois, tens que não recebeste? Se, porém, recebeste por que te glorias como se não o tivesses recebido”? Mas, na cruz da tribulação e da aflição podemos nos gloriar, porque isto é nosso. Por isso, diz o Apóstolo: “Longe de mim, pois, gloriar-me, a não ser na cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo”, ao qual seja o louvor pelos séculos dos séculos. Amém (Atos do Bem aventurado Francisco... 7)
Deus é Deus, o bem, o sumo bem, o bem inteiro e universal não porque esteja acima do bem e do mal, mas porque ama, aceita e acolhe todos, também os diferentes e inimigos, deixando-os ser diferentes e inimigos, até mesmo compadecendo-se de cada um deles[1] e, por mais inaudito que pareça, permitindo-lhes que condenem e levem à morte de Cruz seu Filho amado. Eis a Boa Nova, a notícia inaudita que Cristo veio trazer aos homens, filhos queridos de seu Pai; boa nova que regenera, salva e faz surgir um novo humano no homem, uma nova humanidade na humanidade, uma nova história na história.
Sobre esse mistério, assim se expressou Frei Harada:
Portanto, a experiência do afastamento de Deus, o tormento o desespero dos condenados pelos pecados, o inferno dos que foram abandonados por Deus, tudo isso e mais, Jesus, o Filho de Deus, enviado pelo Pai, ele, o Inocente, sem pecado, o predileto do Pai, carrega sobre si, carrega a culpa, o castigo, o abandono pelo Pai, a expiação pelos pecados do mundo. Pela sua Paixão e morte, todos nós fomos e estamos salvos. E depois dessa inaudita obra de salvação, todas as dores, sofrimentos, humilhações e opróbrios da humanidade recebem um sentido: o de ser participação nos sofrimentos de Jesus Cristo Crucificado e assim colaborar para a realização escatológica do reino de Deus (Em Comentando I Fioretti¸ Hermógenes Harada, 189).
Eis o quanto de paciência e de humildade deveria ter o servo de Deus a fim de realmente merecer-se a dignidade e a honra desse nome.
DA PACIÊNCIA, HOJE
Coragem de ser covarde
Mas, para que não nos transviemos para uma compreensão heroica e grã fina de paciência, leiamos uma reflexão de Frei Harada. Em seu livro Em Comentando “I Fioretti” tem um breve capítulo intitulado Coragem de ser covarde. Nele encontramos um comentário acerca do filme Os Sete Samurais. Segundo esse filme, os moradores de uma pequena e pobre aldeia contrataram 7 valorosos guerreiros para que os libertassem de bandoleiros e saqueadores que, impiedosamente, todos os anos, por ocasião da ceifa, saqueavam suas casas e lavouras. Na cena final, os dois samurais sobreviventes, em silêncio... escutam, de longe, a canção ritmada dos camponeses que voltaram a plantar seu arroz. O samurai mais velho, então, faz cair essa pesada observação: Nós, os guerreiros passamos pela terra qual vendaval. Quem, porém, permanece, na labuta da terra, são os camponeses.
Enquanto isso, os meninos da aldeia haviam se entusiasmado com os samurais, com suas habilidades no manejo das armas, com a valentia e a coragem demonstradas em suas lutas. Mas, alguns dentre eles estavam envergonhados e indignados porque seus pais, por temerem futuras represálias por parte dos bandidos invasores, não haviam colaborado com os samurais, como a maioria dos aldeões. Houve, então este diálogo:
Menino: “Estou com vergonha. Meu pai é um covarde!”
Bernardo (samurai): “Não, não digas isso! Teu pai não é covarde. Pensas que sou corajoso porque carrego essa arma? Teu pai carrega a ti, a teus irmãos, a tua mãe... Responsabilidade pesada, como uma pedra de toneladas que o esmaga e o mata. E ele fez aquilo e quer fazê-lo porque te ama e toda a tua família. Eu nunca tive essa coragem... Trabalhar como mula, todos os dias... sem garantia de resultado: Isso é coragem! Nunca tentei começar uma vida assim... Por isso virei pistoleiro”. (Em Comentando I Fioretti, pág. 61).
Mas, agora, vem o comentário mais significativa do nosso mestre:
Ele, o guerreiro, não tem filhos nem mulher para cuidar. Por isso, pode dar-se ao luxo de se arriscar, pôr a vida em jogo, sentir a sensação de poder, coragem, nobreza, grandeza de ser um herói e ser admirado por todos. Se ele, o valente na morte, fosse mais corajoso ainda, como os pais “covardes” desses meninos, teria se casado, teria gerado vidas, teria assumido toda a humilhação de ser saqueado pelos bandidos, ser ameaçado por eles, sim, não teria medo de ser chamado de “covarde” pelos outros; enfrentaria a tristeza de ser desprezado por todos, até mesmo por seus filhos, para poder dar de comer aos seus, de os vestir, de os assistir nas doenças, a todo o custo. E se tudo isso se tornar impossível pelas circunstâncias que dele não dependem, faria tudo para, ao menos, poder estar junto deles, para ajudar no que fosse possível. Pois, por mais difícil que seja morrer, passando qual vendaval pela vida, é mais fácil do que continuar a viver e permanecer, tentando todos os dias, no suor de seu trabalho, amassar a terra para os grãos finitos e apoucados da sobrevivência. É mais fácil morrer do que viver a morte de cada dia, de reerguer-se para a vida, para amar sempre novo e de novo, tenaz e humildemente, sem recompensa, sem heroísmo, porque tem a responsabilidade inalienável de amar (idem).
Podemos concluir com outro testemunho que acena para a virtude da paciência pode ser visto na conhecida obra de Saint Exupéry. Em seu O Pequeno Príncipe encontramos uma passagem que pode ser considerada como uma exemplificação do dito de Jesus: In patientia, possidebitis animas vestras.
O pequeno príncipe está deitado de barriga para baixo sobre um gramado com muitas flores vermelhas em volta dele... E, assim deitado na relva, ele chora. Vem, então este diálogo da sábia raposa com o Pequeno Príncipe:
- Foi o tempo que perdeste com tua rosa que a fez tão importante.
- Foi o tempo que eu perdi com a minha rosa... - repetiu ele, para não se esquecer.
- Os homens esqueceram essa verdade - disse ainda a raposa.
- Mas tu não a deves esquecer. Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas. Tu és responsável pela tua rosa...
- Eu sou responsável pela minha rosa... - repetiu o principezinho, para não se esquecer.
Para pensar e compartilhar:
1. Por que Jesus Cristo crucificado é o princípio da paciência?
2. O que a lenda Os sete Samurais nos ensina a respeito da paciência?
Paz e Bem!
Fraternalmente,
Frei Dorvalino Fassini, OFM e Marcos Aurélio Fernandes
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