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87º Encontro - 25/02/23 - 13ª Admoes - Da Paciência - 1ª parte

  • Foto do escritor: Frei
    Frei
  • 26 de fev. de 2023
  • 11 min de leitura


DA PACIÊNCIA



Introdução


Nas Admoestações anteriores, Francisco exorta seus Irmãos para que procurem ter do Espírito do Senhor, pois, fora Dele não há seguimento de Cristo e, consequentemente, não há salvação. Isso porque, nesse caso, segue-se apenas a si próprio, os outros ou o mundo. Todos caminhos de perdição, porque, no fim, caem no vazio, no nada de si mesmo. Mas, como saber se estou procurando o Espírito do Senhor e me guiando por Ele? Primeiramente, diz Francisco, (Ad XII) você poderá reconhecê-lo se tiver o hábito de atribuir ao Senhor todos os bens que Ele opera em você e se souber ter-se como o mais vil e menor de todos os homens. Agora, vai apontar para mais um indicador: a paciência.


Vejamos o texto:


”Bem-aventurados os pacíficos, porque serão chamados filhos de Deus” (Mt 5,9). O servo de Deus não pode saber quanta paciência e humildade tem em si, enquanto está satisfeito consigo. Quando, porém, chegar o tempo em que os que deveriam satisfazê-lo, fazem-lhe o contrário, quanta paciência e humildade aí tiver, tanta tem e nada mais.



1ª. Parte: Paciência, fruto do Espírito e da Paz


Francisco teve a graça de uma profunda, amorosa e atenta escuta da Palavra do Senhor. Para ele, ler ou ouvir as palavras do Evangelho é ouvir e encontrar-se com Jesus Cristo, de modo tão real e vivo como a Virgem Maria e os Apóstolos e tantos outros que tiveram ou têm essa graça. Por isso, diz, seguidamente, que “o Senhor me revelou”, “o Senhor me deu” (Cfr. Test). É de se supor, com toda a razão, que é dessa escuta fervorosa e devota que nasceram seus Escritos e, principalmente, as Admoestações, tanto as primeiras nove, que partem sempre de algum dito ou fato evangélico, bem como as que vão dessa, XIII, até a última, que tratam das principais virtudes evangélicas e que, por isso, todas (com exceção da XXVII) começam com um Bem aventurado... Por essa razão, também, muitos as denominam de “As Bem aventuranças franciscanas”. E, como cabeça de todas, Francisco coloca a paciência.


Bem aventurado, significa, literalmente, aquele que se aventurou bem. Na aventura temos, de um lado, a graça, a ventura ou inspiração e de outro a acolhida que o homem faz dela, doando-se a ela e permanecendo nessa entrega até o fim. A palavra ventura vem do latim e significa as coisas futuras, que virão. Aventura significa, então, a alegria da graça de poder abrir-me e de acolher aquilo que está para chegar e vir ao meu encontro. E quando o discípulo persevera nessa atitude do começo ao fim, temos o “bem aventurado”, o feliz, o realizado. Exemplos transparentes dessa disposição são os santos e, por excelêcia, o próprio Cristo.



1. Paciência, dom da Paz


Poderíamos perguntar por que Francisco começa este conjunto de Admoestações com a bem-aventurança ou virtude da Paz e não, por exemplo, com a pobreza, como faz o próprio Senhor em seu Sermão da Montanha? Ora, recordemos que foi esse o primeiro dom que o Crucificado anunciou e ofertou aos seus discípulos após sua Ressureição, no dia da Páscoa. Jesus sabia que sem paz, isto é, um coração perturbado, desanimado, desconfiado, medroso - desordenado - é como terra árida, espinhenta ou pedregosa; que nele nada germinaria, nada cresceria e nada prosperaria. Era preciso, pois, que aqueles seus discípulos, desorientados e frustrados por causa do final aparentemente desventuroso de seu Mestre, a Crucificação, reordenassem seus corações, recebendo a paz. Não a paz acomodatícia do mundo, mas a paz que vem do acolhimento amoroso da sua Cruz. Era necessário que se reconciliassem com esse mistério de um Deus crucificado; que vissem a Cruz, a compreendessem, amassem e a acolhessem como Ele a viu, compreendeu, amou e acolheu: como dom, graça, do Pai. Como diz o Apóstolo: nossa Paz é por nosso Senhor Jesus Cristo (Rm 5,1). Por isso coloca primeiro a Paz e depois a Pobreza (Admoestação XIV).


Maiores considerações acerca desse dito de Jesus deixamos para mais adiante quando abordaremos a Admoestação XV na qual Francisco retomará essa bem aventurança.


O texto da Admoestação de hoje, após a citação evangélica, compõe-se apenas de duas frases, uma contendo um não e a outra, um sim.



2. O mal da auto satisfação


Francisco, através de um jogo de luzes e sombras, que envolvem a vida diária e interna de sua Fraternidade, gosta de fazer aparecer as virtudes evangélicas, que ele e seus Irmãos devem cultivar. É reflexo da grande acuidade e percepção que sempre teve do mistério da encarnação. Aqui, por exemplo, fala daquele servo que busca satisfazer a si mesmo. Nesse caso, diz ele, não pode saber quanta paciência e humildade tem. Isso porque, movido pela cegueira de sua soberba, entra na desventura do desconhecimento de sua verdadeira identidade de criatura, de servo e não de criador ou senhor. Corrompe-se, deixando de ser “servo do seu Senhor”, a fim de fazer-se “senhor de si mesmo”. Vale, aqui, o dito do próprio Senhor, através de Jeremias: Maldito o homem que confia no homem, e faz da carne seu braço, e aparta seu coração do Senhor! (Jr 17,5).


Quem nos dá uma bela descrição acerca da alma, desse tipo de servo, é o Papa Francisco. Para isso ele se serve da parábola do fariseu e do publicano que subiram ao templo para rezar:


Ambos os protagonistas vão ao templo para orar, mas agem de modos muito diferentes, obtendo êxitos opostos. O fariseu reza «de pé» (v. 11) e usa muitas palavras. A sua é uma prece de ação de graças a Deus, mas na realidade é uma manifestação dos próprios méritos, com sentido de superioridade em relação aos «outros homens», qualificados como «ladrões, injustos, adúlteros», como por exemplo — e indica aquele outro que estava ali — «o publicano» (v. 11). Mas, este é o problema: o fariseu reza a Deus, mas na verdade olha para si mesmo. Ora por si mesmo! Em vez de ter diante dos olhos o Senhor, tem um espelho. Não obstante esteja no templo, não sente a necessidade de se prostrar diante da majestade de Deus; está de pé, sente-se seguro, como se fosse o dono do templo! E enumera as boas obras realizadas: é irrepreensível, observa a Lei mais do que lhe é devido, jejua «duas vezes por semana» e paga o «dízimo» de tudo o que possui. Em síntese, mais do que rezar, o fariseu deleita-se com a sua observância dos preceitos. E no entanto, a sua atitude e as suas palavras estão longe do modo de agir e de falar de Deus, que ama todos os homens, sem desprezar os pecadores. Ao contrário, o fariseu despreza os pecadores, inclusive quando indica o outro ali presente. Em suma, o fariseu que se sente justo descuida o mandamento mais importante: o amor a Deus e ao próximo (Audiência Geral 1/06/2016).


Ao contrário dos homens de Deus de toda a história da salvação, como do próprio São Francisco, nos quais arde o fogo do amor de Deus e do Evangelho, no “servo de si mesmo”, e não “servo de Deus”, arde o gozo do espúrio de uma auto complacência egocêntrica (EG 95). Nesse espírito, jamais provará a paciência e a humildade de Cristo. Jamais terá do Espirito do Senhor. Apenas do espírito de si mesmo.


Esse espírito que, como vimos, na Evangelii Gaudium, o Papa chama de “Mundanismo espiritual” (EG 93ss), descamba facilmente para invejas (Cfr. Ad VIII), discussões, divisões, brigas e guerras. É o que aconteceu e acontece, também e frequentemente, entre membros de nossas comunidades cristãs, já previstas pelo próprio Senhor quando alertava os fariseus que, fechados no amor próprio, não conseguiam e não queriam ver o dedo de Deus nos milagres que realizava: Como vos é possível acreditar, se andais à procura da glória uns dos outros e não procurais a glória que vem do Deus único?” (Jo 5,44).



3. Um critério certeiro para saber o quanto de paciência e humildade se tem


Vem, então, a segunda sentença na ou pela qual o servo de Deus poderá ver se e quanta é a paciência e a humildade que tem: Quando, porém, chegar o tempo em que os que deveriam satisfazê-lo, fazem-lhe o contrário, quanta paciência e humildade aí tiver, tanta tem e nada mais.


Eis a chave de ouro, muito clara e nítida, através da qual o servo de Deus pode saber se tem do Espírito do Senhor e se, portanto, está no seguimento de Cristo. Fundamentado em Cristo e seu Evangelho, Francisco exorta os frades para o caminho da verdadeira satisfação de um servo de Deus: a paciência e a humildade.

Mas, como saber se sou paciente e humilde? Francisco é muito real e concreto. Por isso, logo responde que só há um caminho para saber: examinar bem quanta paciência e quanta humildade demonstra quando tem de enfrentar adversidades, injustiças e contrariedades vindas, não dos seus adversários, mas, justamente, daqueles que deveriam satisfazê-lo. Isso será o quanto de paciência e o quanto de humildade tem. Nada mais e nada menos.


Mas, por que a paciência é tão importante para o cristão? Porque esse é o modo de ser do nosso Deus do qual somos filhos e que, como tais, devemos imitar. Entre as diversas definições que Francisco dá de Deus está, justamente, a paciência: Tu és a Paciência (LDA). De fato, se olharmos a Salvação que Deus opera e oferece ao seu Povo, ela não passa de uma longa História de séculos e séculos de Paciência. Quantas e quantas vezes Deus teve que fazer e refazer sua aliança, provar e renovar sua fidelidade, seu perdão, sua misericórdia. Foi assim que Ele revelou sua identidade, sua alma, conquistando e reconquistando seu Povo. Por isso, também, Jesus proclama que este deve ser o caminho que nos conduzirá à nossa identidade, a nossa vida de seguidores seus: na paciência possuireis vossas almas” (Lc 1,29).


Em vez de possuireis poderia se dizer, também, ireis adquirindo, conquistando, forjando, elaborando vossa identidade, vossa alma, vossa vida. Também e já na vida profissional é assim. Só depois de muitos e muitos anos de dedicação, abnegação aos seus pacientes é que um médico poderá dizer: “Agora sou médico!” ou: “Minha vida, minha alma é a medicina!” Até na vida biológica é assim. Só depois de muitos dias e semanas de labutação, quando a espiga estiver bem madurinha, é que o trigo poderá dizer: “agora sou trigo”. Mas, se de um lado pela paciência possuímos, ganhamos a vida, a alma de cristãos ou de franciscanos, pela impaciência a perdemos.


Paciência, aqui, não se iguala a um dom ou inclinação natural, temperamento, que leva, muitas vezes, a pessoa a ser lerda, passiva, conformada, resignada ou demorada em agir e reagir. Por mais paradoxal que pareça, a paciência é uma virtude. E virtude diz vigor, força. Mas, não a força dos maiorais, poderosos e violentos desse mundo, mas, a força dos pequenos, simples e humilhes que, a exemplo de nossa mãe e irmã terra, tem em Jesus Cristo crucificado seu verdadeiro e único protagonista.


A palavra paciência tem em sua etimologia a mesma raiz do verbo latino patior que, geralmente, se traduz por sofrer. Mas, esse verbo é meio engraçado porque é uma mistura de ativo e passivo. Por isso, é chamado de reflexivo. Isso significa que ele age enquanto e porque sofre a ação. Belo exemplo desse duplo movimento pode-se ver no doente que, no leito do hospital, busca a recuperação de sua saúde. Na verdade, o empenho dele não é tanto em ser o sujeito da ação de recuperação, mas em ser paciente, isto é, aquele que recebe, sofre, suporta, acolhe a ação do médico e dos remédios e, acima de tudo, do próprio corpo. Por isso, se diz que ele é um paciente: aquele que padece. E se por acaso ou quando ele se revolta, não tomando os remédios ou querendo apressar a cura, o chamamos de impaciente. Mas, para nós cristãos, o exemplo clássico, protótipo de todo paciente é Jesus Cristo. Ele é a paciência em pessoa.

Para compreender, pois, essa virtude precisamos ver a paciência de Cristo. Ora, a paciência de Cristo está íntima e radicalmente ligada à vontade do Pai. Cristo passou a vida toda procurando fazer, isto é, suportar, sofrer, carregar, sustentar a vontade do Pai. Seu querer foi sempre querer o que o Pai quer e como quer, carregar, suportar, padecer seu Amor até à morte e morte de cruz. Por isso, chamamos esse seu grande e único desejo de “Paixão”: grande padecimento ou Paciência.


E o que é o cristão senão aquele que, tocado por esse exemplo e mistério, todos os dias, a toda a hora, reza e se empenha em fazer a vontade Dele, assim na terra como no céu (Cf. Oração do Pai Nosso). É por isso, também, que Francisco compôs e rezava todos os dias o Ofício da Paixão, que ele mesmo compôs para a reverência, memória e louvor da Paixão do Senhor (OP). É, enfim, movidos no e pelo mesmo amor, que o Espírito derramou em nossos corações (Rm 5,5), que amamos o Senhor Deus, de todo o coração, de toda a alma e com todas as forças, o próximo e a nós mesmos, sempre e cada vez mais perfeitamente.


Quem descreve com muita clareza como é esse vigor divino é o próprio Francisco. Em sua Paráfrase ao Pai Nosso, ao citar a frase: Faça-se a tua vontade, assim na Terra como no Céu”, faz a seguinte exposição:


Que te amemos de “todo o coração”, sempre pensando em ti, sempre te desejando de toda a alma; “de toda a mente”, dirigindo a ti todas as nossas intenções, em tudo buscando a tua honra e, com “todas as nossas forças”, investindo todas as nossas energias e os sentidos da alma e do corpo, em obséquio do teu amor e em nada mais. E que amemos os nossos próximos como a nós mesmos, atraindo quanto possível todos ao teu amor, alegrando-nos pelos bens dos outros como pelos nossos e nos males deles nos compadecendo, e “a ninguém causando dano algum (EPN).


A paciência evangélica ou franciscana, portanto, nada tem a ver com aquela paciência, muito comum entre nós, segundo a qual vai se agüentando a adversidade porque no momento não há outro jeito. Até certo ponto isso é válido e todos nós o fazemos e temos que fazer, em certas ocasiões. O agricultor sofre, luta para amainar a terra e semear os grãos porque sabe que depois terá a alegria da colheita; o doente toma remédios amarguíssimos ou se submete a uma cirurgia sumamente dolorosa porque sabe que assim, depois, terá uma vida saudável; o estudante dá duro em seus estudos, sofre penúrias sabendo e esperando, porém, que depois levará uma vida de sucessos e realizações. Por vezes, nós cristãos e religiosos seguimos o mesmo espírito: aguentamos e suportamos situações duras e fazemos muitos sacrifícios pensando na felicidade que obteremos depois da morte, no céu. Essa compreensão nasce de outra, anterior e também errônea: compreender a Ressurreição do Senhor como um ato separado da Cruz; um ato que deixa para trás, supera e elimina a Cruz.


Esse modo de pensar e viver a paciência é ainda fruto da mentalidade do cristão funcionário, rico, capitalista e consumista. Na primeira ocasião que puder cai-se fora ou, caso contrário, vai se aguentando e “engolindo” até chegar sua superação. Tudo isso é, até certo ponto, válido e, por vezes, não escapamos de sua busca. Mas, esse não é ainda o espírito da paciência e da humildade evangélica, do humano verdadeiro e originário nascido de Cristo que vê e acolhe a finitude da própria cruz como princípio, fonte de uma nova criatura, cheia de graça e verdade (Jo Pró, 14). Somente esses conservam a paz na alma e no corpo. Cristo não carregou o sagrado peso, o tesouro inefável da Cruz porque iria receber uma recompensa, depois, mas porque ela, a Cruz, era e é o bem querer do Pai e por isso, sua maior recompensa, sua graça, alegria e benefício, sua alma e identidade, sua vida, seu amor. Por isso, após sua Ressurreição, continua crucificado de mil e uma forma, principalmente na Eucaristia e nas pessoas pecadoras, de modo especial nos seus sacerdotes.



Para pensar e compartilhar:


1. Por que Francisco dá tanta importância à virtude da paciência?

2. Como se caracteriza a paciência evangélica?


Paz e Bem!

Fraternalmente,


Frei Dorvalino Fassini, OFM e Marcos Aurélio Fernandes




Continue bebendo do espírito deste tema:


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