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85º Encontro - 24/12/22 - 12ª Admoes - Como conhecer o Espírito do Senhor - 2ª parte

  • Foto do escritor: Frei
    Frei
  • 26 de dez. de 2022
  • 9 min de leitura


Como conhecer o Espírito do Senhor



COMO SABER SE SE TEM DO ESPÍRITO DO SENHOR



Na primeira parte dessa nossa reflexão, acerca da XII Admoestação, vimos o quanto de importância e estima dava Francisco à presença e atuação do Espírito o Senhor na vida de cada Irmão e de toda a Ordem, a ponto de afirmar que era Ele o verdadeiro Ministro geral da Ordem. Mas, como é a atuação do Senhor? Nossa resposta tem de ser dada de acordo com sua santa operação... Vejamos de novo o texto:


É assim que se pode conhecer se o servo de Deus tem do espírito do Senhor: Se, quando o Senhor opera algum bem por ele, nisso sua carne não se exalta - porque ela sempre é adversa a todo o bem - mas, se, pelo contrário, ante seus olhos, se tem por mais vil e se estima o menor de todos os homens.



1. Um Deus que mais opera do que faz


Francisco, como todo bom medieval, diferentemente de nós, que damos muita importância ao fazer, fala mais em operar. Ao dizer quando o Senhor opera algum bem está vendo Deus como um grande artesão e o mundo, a criação e a própria história como obra de suas habilidosas mãos, fruto de sua paciente, admirável e diligente dedicação. Como artesão, diferentemente do funcionário, Deus jamais tira as mãos de sua obra, jamais abandona sua criação. Continua junto dela, desde a mais insignificante, como um grãozinho de areia, até a mais elevada do céu, como os anjos e arcanjos, cercando-a, com sua atenção e cuidado, a ponto de Jesus mesmo dizer que Ele e seu Pai trabalham sempre (Cf. Jo 6,17) e que nenhum de nossos cabelos cai sem o seu cuidado (Cf. Lc 12,7).


Nesse sentido, na criação e na história, em cada criatura e acontecimento, podemos ler e encontrar Deus. Não um Deus “poderoso”, “chefe”, “patrão”, mas oculto, amoroso, humilde, serviçal, misericordioso, operando de mil e uma forma para que cada criatura ou acontecimento possam existir e se desenrolar dentro de sua identidade e para o bem do homem.


Por isso, no trabalho, que tem o modo de ser da operação, mais importante que o artesão é a obra e mais importante que a obra é sua inspiração, seu espírito. Dessa forma, Francisco nunca atribuía a si nenhum bem, mas, costumava proclamar que Deus é o sumo Bem, o único Bem ou, ainda, meu Deus e tudo (Atos 1). Ou seja, em tudo e com todos, primeiramente, fundamentalmente, via Deus. O mesmo espírito vemos em Maria. Em seu Magnificat, diz Lutero, nem ousa dizer Eu”, mas a minha alma engrandece o Senhor. É como se quisesse dizer: minha vida, com todos os meus dons, se movimenta no amor de Deus, em louvor e grande alegria. Deixo de ser dona de mim mesma. Antes, sou engrandecida do que exalto a mim mesma para o louvor de Deus. Isso acontece a todos os que são invadidos pela doçura de Deus e por seu Espírito, assim que sentem mais do que conseguem expressar. Pois louvar a Deus não é obra humana. Antes, é um sofrer alegre a obra exclusiva de Deus, que não se pode ensinar com palavras, mas conhecer somente através da experiência própria (Magnificat, o Louvor de Maria, Martin Lutero, Santuário, Sinodal, pág. 27).



2. Que a carne não se exalte

A sentença inicial continua: nisso sua carne não se exalta - porque ela sempre é adversa a todo o bem.


O centro da resposta está na carne que não se exalta diante do bem que nela o Senhor opera. Em outras passagens Francisco fala também em corpo em vez de carne como, por exemplo, da Admoestação X (Do Castigo do corpo). Hoje, em vez de carne ou corpo, se costuma falar em “ego” (eu) ou em nosso pequeno “eu”. Seja qual for o termo que se use, importante é perceber que estamos diante de uma realidade muito concreta e real e, acima de tudo, sempre adversa a todo o bem. Tão adversa a ponto de Francisco dizer que é ela nosso maior e único inimigo porque sempre contrária ao seguimento de Cristo. O espírito da carne, ou do nosso pequeno “eu”, é nosso maior inimigo porque nos mantém presos a nós mesmos e, assim, separados da graça da liberdade, do encontro, do chamado e de sua resposta; é ele que nos separa do Espírito originário da nossa nova vida, do nosso novo “Eu”, do “Eu” crístico. Assim, por causa desse assanhamento de nossa carne (pequeno “eu”), em vez de seguidores de Cristo nos tornamos seguidores de nós mesmos; em vez de amar a Cristo amamos nossos interesses, em vez de observar seu Evangelho preferimos ir atrás de nossos ídolos (fama, aplausos, dinheiro, etc.). É da natureza desse modo de ser atribuir a si tudo o que acontece de bom e ao outro tudo o que acontece de mal. Enfim, a carne sempre pensa, deseja e procura pôr seu pequeno eu como centro, o protagonista de sua vida e não o amor do Senhor e seu caminho: o caminho da perfeita alegria, dos bem aventurados, da Cruz.


Por isso, Frei Egídio, um dos mais fiéis seguidores de Francisco, macerava assiduamente sua carne e a reduzia à servidão do espírito e, assim, conservava sem mácula, o candor da pureza. De vez em quando, dizia: “Nossa carne é como porco que corre avidamente para a lama e se deleita em ficar nela continuamente. Nossa carne é como o escaravelho que deseja revolver o esterco do cavalo. A carne é púgil do inimigo” (VE 17).


Há, pois um pseudo amigo (tudo o que favorece nosso “ego”, nosso “amor-próprio”) que, na verdade, é nosso inimigo e um inimigo (tudo o que fere, maltrata e contraria nosso pequeno “eu”) que, na verdade, é nosso grande e verdadeiro amigo. Por isso, logo em seguida, o mesmo frade arrematava: ”É impossível que o homem chegue à graça de Deus enquanto lhe apraz deleitar-se em coisas carnais. Por isso, vira-te e revira-te, para cima e para baixo, para cá e para lá: não há outra possibilidade a não ser lutar contra a carne, que, dia e noite, quer te entregar. Quem a vence, vence todos os seus inimigos e chega a todo bem(idem).



3. Um “ego” que se tem por mais vil e se estima o menor de todos


Sempre é bom recordar que Francisco está falando a partir do vigor da graça da experiência religiosa, evangélica, isto é, do vigor da gratuidade do encontro, do amor e não do merecimento, da ascese ou da moral. Por isso, aqui, considerar-se vil nada tem a ver com o desprezo psicológico de si mesmo.


Vil indicava, no tempo do império romano, o trabalhador braçal que morava fora da cidade. Era o não cidadão. Mas, por mais paradoxal que pareça, era aquele que por seus serviços mais “baixos” e básicos, garantia a existência da cidade, a vida e o bem estar dos cidadãos.


Poderíamos dizer que vil-menor é o modo de ser de todas as coisas ou criaturas que, dia e noite, estão à disposição e ao alcance de todos. Como diz uma poetisa: Toda a natureza é um serviço. Serve a nuvem, serve o vento, serve a chuva (Gabriela Mistral). Assim, vil, menor, são as mães, as cozinheiras, as lavadeiras, as faxineiras de nossas casas que labutam humildemente e, muitas vezes, ocultamente, a fim de que os pregadores possam anunciar despreocupadamente a Palavra do Senhor; são os garis de nossas cidades que cuidam da limpeza das ruas ou dos hospitais a fim de que as famílias possam viver e crescer sadiamente, os cidadãos andar com segurança e os médicos clinicar seus doentes com tranquilidade.


Vil, menor, nesse sentido, nada tem a ver com pessoa carente, infeliz, privada de dons e qualificações, mas ao contrário, aquele que tem o modo de ser sempre bem disposto a captar e servir ao bem da vida; sempre bem disposto em ser nada para si a fim de ser tudo para os outros; é imitar o Bom ou o Bem que é Deus servindo e se doando a todas as coisas ou criaturas. Com que respeito, reverência e admiração não deveríamos, então, a exemplo de São Francisco, aproximar-nos de cada uma dessas criaturas e acolher cada um dos acontecimentos de nossa vida! Haveríamos, certamente de, como ele, exclamar: Laudato si, mi Signore con tute le tue criature!


Numa carta a uma Irmã que lhe expusera sua dificuldade em ser menor, Frei Harada, depois de dizer-lhe que a psicologia, hoje, imagina a realização do ideal da identidade do religioso como uma Autossuficiência Maior, escreve: Eu pessoalmente acho que é esse ideal de Autossuficiência onipotente que bloqueia a via da Minoridade, frustrando a gente em todas as tentativas de ser grande. Ser menor é não ser grande em nenhum sentido! Nem mesmo na humildade ou santidade. É realmente ser menor, isto é, finito, limitado, fraco, sem virtude, um ninguém, ser nada.


E, mais adiante, continua o mestre Harada:


Ser menor é ser menor mesmo. Mas, quando se diz assim, pensamos logo: ser menor mesmo é ser virtuoso, ser no fundo bem grande como São Francisco. Isso é cair de novo na onipotência. A gente não consegue ser menor, ser nada, ser totalmente vazio. Mas, não porque é muito difícil. É porque a gente não precisa fazer nada. A gente já o é. Com outras palavras, tudo o que temos é Dom de uma graça. Como diz São Francisco, o que temos, o que é nosso, o que somos são tribulações, o nada, o limite, a fraqueza, as dificuldades. Todo problema é ser simplesmente o que se é por si, por natureza: nada. Você dirá: mas eu não consigo ser nada! Ora, esse não conseguir como a gente o queria é o nada.


E, como que num grande sorriso, mui humilde, fraternal e maternalmente, conclui Harada:


Ó mana, não te inquietes por seres menor! Não te inquietes por não seres menor! Pois a própria inquietação é sinal de que és menor, um nada. Onde se viu um nada ficar se queixando que é nada! Não te incomodes contigo, com esse nada. Deixa-o gritando, se inquietando, se queixando, pois a única coisa interessante é sempre de novo ter a boa vontade. Dá sempre de novo um ponta pé, de boa vontade, a esse ensimesmamento no pequeno eu. Não é engraçado esse pequeno eu?! Feinho, mas muito assanhado, querendo se fazer importante, gritando sempre a sua dor. Não o odeies, não queiras fazer-lhe mal. Deixa-o lá onde está e te recolha só nisso: Ter boa vontade. Não tens a vontade de dar uma risada entre as lágrimas e dizer: Há! Há! Há!


A você todo o Bem. Do seu irmão menor!



TER DO ESPÍRITO DO SENHOR, HOJE


Nosso Papa Francisco, encerra sua primeira Exortação Apostólica, Evangelii Gaudium, com um significativo capítulo: Evangelizadores com Espírito. Esse título nos deixa um tanto perplexos, pois, seria possível um evangelizador sem Espírito? Para que falar de algo tão óbvio?! Não é o Evangelho essencialmente “coisa” de Deus, de Jesus Cristo, do Espírito de Deus? Como, então, ser seu anunciador sem Espírito, sem Deus, sem Jesus Cristo? E, por mais paradoxal que pareça, esse é o grande desafio para todo pregador: estar, permanecer somente no Espirito do Senhor. Por isso e para isso diz o mesmo Papa: é preciso que digamos “não ao mundanismo espiritual”. E explica: mundanismo espiritual é buscar a glória humana e o bem estar pessoal. É aquilo que o Senhor censurava aos fariseus: «Como vos é possível acreditar, se andais à procura da glória uns dos outros, e não procurais a glória que vem do Deus único?» (Jo 5,44). É uma maneira subtil de procurar «os próprios interesses, não os interesses de Jesus Cristo» (Fl 2, 21) (EG 93).


E, concluindo, diz:


Evangelizadores com espírito quer dizer evangelizadores que se abrem sem medo à ação do Espírito Santo. No Pentecostes, o Espírito faz os Apóstolos saírem de si mesmos e transforma-os em anunciadores das maravilhas de Deus, que cada um começa a entender na própria língua. Além disso, o Espírito Santo infunde a força para anunciar a novidade do Evangelho com ousadia (parresia), em voz alta e em todo o tempo e lugar, mesmo contra-corrente. Invoquemo-Lo hoje, bem apoiados na oração, sem a qual toda a ação corre o risco de ficar vã e o anúncio, no fim de contas, carece de alma. Jesus quer evangelizadores que anunciem a Boa Nova, não só com palavras mas sobretudo com uma vida transfigurada pela presença de Deus (Idem 260)... Como gostaria de encontrar palavras para encorajar um estado evangelizador mais ardoroso, alegre, generoso, ousado, cheio de amor até ao fim e feito de vida contagiante! Mas sei que nenhuma motivação será suficiente, se não arde nos corações o fogo do Espírito. Em suma, uma evangelização com espírito é uma evangelização com o Espírito Santo, já que Ele é a alma da Igreja evangelizadora (idem, 261).



Para pensar e compartilhar:


1. Porque São Francisco aprecia falar mais em “Deus opera” do que em “Deus faz”?

2. Qual o sentimento de Francisco ao falar em ser vil e menor?

3. Por que o Papa Francisco insiste tanto em sermos evangelizadores “com espírito”?



Paz e Bem!

Fraternalmente,


Frei Dorvalino Fassini, OFM e Marcos Aurélio Fernandes



Continue bebendo do espírito deste tema:

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o Espírito do Senhor - 2ª parte


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