84º Encontro - 17/12/22 - 12ª Admoes - Como conhecer o Espírito do Senhor - 1ª parte
- Frei
- 18 de dez. de 2022
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Como conhecer o Espírito do Senhor
Introdução
Na Admoestação anterior Francisco exortava seus Irmãos para que se precavessem da corrupção que vem de fora: do pecado e mau exemplo dos outros. Nesta, vai tratar da mesma questão, mas, agora, mostrando que o perigo ou inimigo não vem de fora, mas, de dentro, de si mesmo.
Para Francisco, manter-se unido ao Espírito do seu Senhor é tudo, é a salvação. Fora dele a perdição. Por isso, nas próximas Admoestações, indica, ao servo de Deus, isto é, aquele que é tomado por Deus para servi-Lo, sinais ou sentimentos que revelam essa sua pertença ou ligação. Nesta, a XII, é a experiência acerca da grandeza de Deus que, pelo contraste, faz nascer o sentimento da minoridade; na XIII será a paciência nas contrariedades vindas dos irmãos e na XIV o despojamento do próprio “eu”.
Vamos ao texto:
É assim que se pode conhecer se o servo de Deus tem do espírito do Senhor: Se, quando o Senhor opera algum bem por ele, nisso sua carne não se exalta - porque ela sempre é adversa a todo o bem - mas, se, pelo contrário, ante seus olhos, se tem por mais vil e se estima o menor de todos os homens.
1ª PARTE: DO TÍTULO E DE SUA IMPORTÂNCIA
A ordenação do texto é muito simples. Primeiramente, apresenta o assunto ou a questão: como saber ou conhecer se o servo de Deus tem do Espírito do Senhor. E, em seguida, a resposta com duas sentenças: se sua carne não se exaltar e se, pelo contrário, se mantiver por mais vil e menor de todos.
1. Da grandeza e da santidade de Deus a pequenez e a pobreza do homem
Segundo Francisco duas atitudes interiores revelam ao servo de Deus se ele está ligado ao Espírito do Senhor. A primeira se dá quando ele é levado a perceber e sentir com espanto que Deus é o sumo e único Bem e, por consequência, que todo e qualquer bem vem Dele e a Ele deve ser restituído em forma de louvor. Como consequência dessa intuição contemplativa acerca da desmedida grandeza e santidade de Deus nasce o profundo sentimento da própria pequenez e da pobreza humana que, na verdade, o faz sentir o menor de todos os demais homens. Recorde-se a resposta de Francisco à pergunta de Frei Pacífico o qual lhe perguntara: “Que pensas de ti mesmo, Irmão?” Respondeu o Bem aventurado Francisco: “Eu penso que sou o maior pecador que qualquer homem deste mundo” (CAs 65) (Francesco d’Assisi, Scritti, Quaracchi, Grott aferrata, 2009,pág, 367).
O tema é de suma importância e utilidade porque nenhum cristão pode viver com outro espírito, outra alma senão o espírito, a alma de seu Senhor. Quando olhamos para os primeiros cristãos e franciscanos notamos que para eles Espírito do Senhor, Espírito de Deus, é a realidade das realidades, o mistério mais profundo, a raiz da qual nascem e florescem todos os seres ou criaturas, em especial as pessoas, tanto individualmente como na Comunidade, na Igreja. A reverência e o desejo de sua presença podem ser sentidos nestas palavras da sequência da Festa de Pentecostes: consolo que acalma, hóspede de alma, doce alívio! No labor descanso, na aflição remanso, no calor aragem, ao sujo lavai, ao ceco regai, curai o doente. Dobrai o que é duro, guiai no escuro, no frio aquecei. Enchei, luz bendita, chama que crepita, o íntimo de nós! Sem a luz que acode, nada o homem pode, nenhum bem há nele!
Enfim, é no Espírito do Senhor que tudo, cada criatura, cada novo acontecimento tem sua origem. Sem Ele nada persiste, nada floresce, nada amadurece, nada chega ao seu fim. Por isso, diante do espanto dos judeus, que viam os feitos desse Dom atuando em e através daqueles primitivos convertidos a Cristo, no dia de Pentecostes, Pedro lhes recordava as palavras o profeta Joel: Nos últimos dias, diz o Senhor, derramarei do meu Espírito sobre os povos e os seus filhos e as suas filhas profetizarão, os jovens terão visões, os velhos terão sonhos. Sobre os meus servos e minhas servas derramarei do meu Espírito, naqueles dias, e eles profetizarão (At 2,17-18).
Da mesma forma, mais tarde, também Francisco e os primeiros companheiros, provaram, como poucos, a força da presença e da atuação desse dom divino. De Francisco, se diz, por exemplo, que preparado e confirmado pelo Espírito Santo, seguiu o ímpeto sagrado do espírito (1C 8) e que, todos os dias se enchia da consolação e da graça do Sagrado Espírito Santo (1C 26). Ele mesmo chegou a afirmar que o Espirito Santo é o Ministro Geral da Ordem. Quis, até, que se pusesse isso na Regra, mas foi impossível porque já havia sido aprovada pelo Papa (1C 193). É por isso, também, que a Igreja, hoje, ao falar dos diversos formadores na vida cristã e consagrada dá a primazia ao Espírito de Deus e diz que é Deus mesmo que chama à Vida consagrada no seio da Igreja. É Ele que ao longo de toda a vida do religioso conserva a iniciativa... que é o Espírito da Verdade que “ensina”, “chama” e “guia”. Ele é a “unção” que “faz gostar” apreciar, julgar, optar (OFIR 19).
Aplica-se, aqui, a dinâmica da parábola dos ramos da videira. Como os ramos da videira só podem sobreviver se permanecerem unidos ao tronco, também um seguidor de Cristo, só pode ser e chamar-se tal se estiver unido a Ele pelo seu Espírito. São Paulo proclamava: “Meu viver é Cristo!” Por isso, comungar de seu Espírito ou, como diz o texto: ter do Espírito do Senhor, é questão de vida ou morte.
Talvez estranhemos que Francisco diga ter do Espírito e não ter o Espírito. Francisco via e contemplava com tanta clareza e comoção o distanciamento entre a magnanimidade e a sumidade desse Dom e sua pequenez que, segundo ele, nós ou qualquer outra criatura só podemos ter do ou seja um ”quê”, um pouco do seu Espírito, jamais o Espírito. Para ter o Espírito só se fossemos outro Espírito pelo menos igual ou maior que Ele. Por isso, a nós, pobres criaturas, só é dado ter do ou de seu Espírito, jamais o seu Espírito.
2. Do “como” e do “assim” conhecer
No título e no início da primeira frase, Francisco fala em como e assim. Começando com esses dois advérbios mostra que seu interesse maior é apontar para o caminho que vai levar o servo a saber se tem ou se está comungando do Espírito do Senhor. Como bom pai, quer que seus filhos jamais se enganem na busca dessa que é a resposta essencial ao maior de todos os benefícios recebidos e que estão recebendo do glorioso Pai das misericórdias: a vocação (Santa Clara, Testamento). Nesse assim e nesse como está, pois o segredo, o modo, o caminho da permanência da fidelidade do servo à fidelidade do Espírito do Senhor.
Quando se fala em como ou assim, logo se pensa em trabalho, obra, operação, empenho, dedicação. Por isso, a tradição da Ordem vê nesses dois advérbios, um dos princípios mais marcantes da pedagogia ou formação de Francisco: a operação, a obra e não a instrução, a informação; está a graça da iluminação, da evidência que nascem da experiência, isto é, do contato imediato e direto com a realidade, no caso, com o chamado de Cristo e sua resposta. Ou seja, é na ou da experiência, no ou do confronto com a própria graça do encontro que o servo de Deus vai encontrar a ciência, a luz que devem ser acolhidas e seguidas e dos passos que devem ser dados. Por isso, como ou, assim, aqui, não aponta para a informação de um conjunto de medidas, estratégias, meios, recursos, etc. mas, algo bem mais fundamental: a alma ou espírito, a graça que se deve cultivar a fim de que se possa alcançar e realizar, em nosso caso, o seguimento de Cristo: o espírito da vileza, da humildade, da minoridade.
Ora, esse espírito, por ser graça, não se conquista, não se merece, mas se recebe. E isso só é possível porque Ele já veio de ou ao meu encontro. Já se doou, já me deu de seu Espírito e em abundância, em plenitude e em toda a profundidade através do mistério de sua Encanação-Morte-Ressurreição. Falando de como se dá a graça dessa iluminação, assim fala Frei Harada:
Em outras palavras, o Deus de Jesus Cristo, o Pai, só compreendo se me tornar Ele, isto é, seu filho em Jesus Cristo, no seguimento Dele, na observância de seu Evangelho, no encontro corpo a corpo, na busca engajada, humilde e devotada da sua imitação... Mas, todo esse empenho não é outra coisa senão a possibilidade, gratuitamente a mim concedida, da acolhida amorosa do Pai e da acolhida humilde, da minha parte, desse amor primeiro. E assim, nesse encontro, não sou eu quem tem o Espírito do Senhor, mas é o Espírito do Senhor que tem a mim como seu filho muito amado no seu Filho Jesus Cristo (Cf. HH).
Vem, então a pergunta fundamental: Como saber se tenho do seu espírito? A resposta é dada nas duas sentenças que seguem e que veremos na 2ª. parte dessa reflexão.
Para pensar e compartilhar:
1. Qual a importância dada por São Francisco e pelos primeiros franciscanos à presença e atuação do Espírito Santo?
2. Por que São Francisco fala em ter “do Espírito” e não em “ter o Espírito” de Deus?
Paz e Bem!
Fraternalmente,
Frei Dorvalino Fassini, OFM e Marcos Aurélio Fernandes
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