81º Encontro - 26/11/22 - 11ª Admoes - Que ninguém se corrompa pelo mau exemplo de outrem - 1ª parte
- Frei
- 27 de nov. de 2022
- 6 min de leitura
Que ninguém se corrompa pelo mau exemplo de outrem
Introdução
Depois da exortação acerca da importância e da necessidade de cada um manter em seu poder seu único inimigo, o próprio corpo, o próprio eu, nesta Admoestação Francisco vai exortar-nos para que não nos corrompamos com o pecado e o mau exemplo do outro. Leiamos o texto:
Que ninguém se corrompa pelo mau exemplo de outre
Nada deve desagradar ao servo de Deus senão o pecado. E se uma pessoa pecar, seja qual for o modo e, se por esta razão e não por caridade, o servo de Deus se perturbar e se irritar entesoura culpa para si (Cf. Rm 2,5). Vive retamente, sem nada de próprio, aquele servo de Deus que não se irrita nem se conturba diante de alguém. E feliz é quem não retém algo para si, dando a César o que é de César e a Deus o que é de Deus.
1ª. Parte
Da corrupção, origem e efeitos
Pelo título, o centro desta Admoestação está na necessidade de precaver-se da corrupção, incitada pelo mal que vem do mau exemplo e do pecado do outro. Mas, que realidade será essa - a corrupção – principalmente dentro do seguimento de Cristo, a ponto de merecer uma admoestação por parte de nosso seráfico pai? Como se manifesta e quais as consequências?
1. O vigor da graça da Comunhão
O verbo corromper aponta para um fenômeno de rompimento, de ruptura com algo que é comum: “co+romper”, isto é, romper com. Trata-se da quebra dos laços de solidariedade e familiaridade que criam, formam e unem os membros de uma Comunidade bem como dos laços de comunhão com uma realidade que é anterior e da qual todos, como brotos da mesma raiz, nascem e crescem. Vai falar, portanto, de um pecado que desenraiza os membros de uma Comunidade de sua força originária, que costumamos chamar de carisma fundacional. Na Sagrada Escritura, principalmente no Antigo Testamento, fala-se muito em quebra da aliança, quebra da fidelidade do Povo de Deus, como nesta passagem: O Senhor falou a Moisés: “Vai, desce, pois corrompeu-se o teu povo, que tiraste do Egito. Bem depressa desviaram-se do caminho que lhes prescrevi. Fizeram para si um bezerro de ouro fundido, inclinaram-se em adoração diante dele e ofereceram-lhe sacrifícios, dizendo: ‘estes são os teus deuses..." (Ex 32,7-8).
Se não houvesse essa pertença comum não haveria corrupção ou rompimento e nem mesmo pecado. Entre estranhos não há o que romper-se. Uma criança sempre deve obediência ao seu pai, mas a um estranho não. Também Santa Clara faz uma exortação semelhante quando pede às suas Irmãs que não esqueçam jamais o ponto de partida, isto é, o princípio a partir do qual todas elas se tornam Irmãs, Fraternidade e seguidoras de Cristo.
Na origem da vida cristã e vida franciscana, está a graça de um encontro com Jesus Cristo e, em nosso caso, com São Francisco, que vêm a nós, de modo misterioso, oculto, através da fé e da vida de pessoas, como os pais, padrinhos e demais familiares, animadores vocacionais ou através de algum acontecimento enigmático que diz respeito àquelas pessoas, etc. Na raiz dessa experiência, está, pois a graça da provocação ou encantamento, às vezes muito viva, ocasionada pelo jeito ou modo de viver que brilha e transcende numa pessoa ou grupo de pessoas. De Santa Clara, por exemplo, diz a Legenda: Ouvindo o nome do, então, célebre Francisco, que, como homem novo, renovava, através de novas virtudes, a esquecida via da perfeição, imediatamente deseja ouvi-lo e vê-lo, persuadindo-lhe isso o próprio pai dos Espíritos, do qual já ambos, embora de modo diferente, tinham recebido os primeiros impulsos (LCL 5,1). Isso já acontecera com os primeiros discípulos de Jesus e com os primeiros seguidores de Francisco. Assim, uma realidade nova começa a ser engendrada na pura inocência, no coração do discípulo, sem nenhuma invenção ou capricho pessoal; uma realidade exaltante que faz surgir o encontro entre almas entusiasmadoras (entusiasmantes) e almas entusiasmadas.
Entusiasmo, entusiasta, entusiasmado, entusiasmador (entusiasmante) são palavras que indicam o modo de ser próprio que se caracteriza como vigor constituinte do relacionamento com o divino. Em grego “én-theos” ou “én-thous” significa cheio de deus ou, talvez melhor, estar “na de deus” (Frei Harada em Leitura Espiritual e Formação Franciscana, Frei Dorvalino Fassini, pág. 28, Vozes).
Isso significa que estamos diante de uma realidade que ultrapassa os fatos, mas que nem por isso não seja real. Pelo contrário, é a realidade que fundamenta e dá sentido a todos os fatos de uma existência religiosa.
Esclarecendo esse mistério, assim se expressa Frei Hermógenes Harada:
O Fenômeno religioso é, antes, uma tarefa, responsabilidade de uma busca, de uma questão. Tarefa de uma questão engajada, sincera e radical, na qual nos devemos abrir incondicionalmente para uma dimensão inteiramente nova. Dimensão que, à primeira vista, nos parece vaga, indeterminada, apenas como que indicando uma direção; não porque seja nada, um vazio, ilusão ou opiniões particulares de mil e um diferentes enfoques e pontos de vista, mas sim, porque se trata de uma realidade anterior a nós, abissalmente mais vasta, mais profunda e mais originária do que todas as nossas possiblidades e medidas. Dimensão que não é objetiva, no sentido de ser passível de nossas objetivações, mesmo que essas objetivações recebam hoje, a conotação sagrada de cientificidade e logicidade. Uma dimensão que é real, realíssima, mais real do que todas as nossas objetividades e subjetividades, por ser a condição da possibilidade do nosso ser e conhecer (idem).
Para entender o problema ou pecado da corrupção vamos olhar um exemplo um tanto simplório. Costuma-se dizer que uma batata podre, aos poucos, contamina e apodrece as demais que estão ao seu redor. Isso acontece, porém, porque elas estão desenraizadas. Nenhuma batata apodreceria se estivesse presa à sua raiz. O mesmo se deve dizer do religioso. Nenhum mau exemplo ou pecado de quem quer que seja o contaminaria ou prejudicaria se estivesse bem unido ao vigor do encantamento, da pureza de sua origem, de seu primeiro amor.
2. Do vigor da desventura da Descomunhão
Todavia, o que acontece é que, cedo ou tarde, começamos a descobrir que a conduta daquelas pessoas que um dia nos encantaram nem sempre é lá tão limpa e pura como parecia no começo. Outras vezes não sabemos distinguir bem entre o que procede do carisma, do Espírito e da subjetividade dos seus seguidores. Além do mais, depois de alguns anos de intensa dedicação aos compromissos religiosos, começa-se a perceber que os resultados nem sempre correspondem às expectativas iniciais. O progresso religioso, as transformações esperadas de si mesmo, da comunidade e da própria Igreja não acontecem. Pelo contrário, à toda hora estamos nos deparando com nossos próprios defeitos que, em vez de diminuírem, aumentam cada vez majs, com escândalos gravíssimos cometidos por pessoas que, por seus cargos e missão dentro da Igreja ou da Ordem, tanto admirávamos e esperávamos.
Assim, todo aquele entusiasmo, aquela fé e boa disposição começam a esmorecer e a se abalar. Já não se crê mais como antes e uma porção de dúvidas e ressentimentos começam a invadir nosso coração. Aquela Vida que tanto nos encantara começa a tornar-se vaga, diluída, sem importância, sem graça. Eis a origem do pecado da corrupção!
A gravidade do pecado da corrupção é fragilizar, e, por vezes, quebrar os laços nascidos com aquela realidade misteriosa, fonte e raiz de toda uma nova vida, vocação e missão, gerando sentimentos e atitudes de indiferença, desconsideração, desleixo e, às vezes, até de repulsa e desprezo para com valores fundamentais do espírito originário do Humano e da Ordem. E, consequentemente, também o laço de comunhão que havia se estabelecido entre os membros daquela Comunidade e aquele gênero de vida, o carisma, pulsante naquelas pessoas, poderá romper-se. A gravidade dessa corrupção aparece nas apostasias. Assim, como ovelha desgarrada, tem de viver balindo porque distanciada de seu rebanho; ou como filho pródigo, longe da casa do Pai, tem de contentar-se com os restos de comida dada aos porcos; ou, melhor ainda, como ramo que se desprende do tronco de sua árvore, enquanto assim persistir, sem a seiva que vem da raiz, seca e morre. Eis o fenômeno da corrupção. Como e o que fazer para que isso não aconteça, é o tema dessa admoestação. Mas, isso veremos no próximo encontro.
Para pensar e compartilhar:
1 - Em que consiste o pecado da corrupção, qual sua consequência e como evitá-lo?
Paz e Bem!
Fraternalmente,
Frei Dorvalino Fassini, OFM e Marcos Aurélio Fernandes
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