80º Encontro - 19/11/22 - 10ª Admoes - Do castigo do corpo - 3ª parte
- Frei
- 19 de nov. de 2022
- 13 min de leitura
Do castigo do corpo
Voltamos, mais uma vez, nesse Encontro, a tratar da décima Admoestação, mas agora com um novo enfoque ou título:
São Francisco e o caminho da limpidez do corpo-eu
Recordemos mais uma vez o texto:
Muitos são os que, quando pecam ou recebem injúria frequentemente lançam a culpa sobre o inimigo ou sobre o próximo. Mas não é assim: porque cada um tem o inimigo em seu poder, a saber, o corpo, pelo qual peca. Por isso, feliz aquele servo (Mt 24,46) que sempre mantiver preso em seu poder tal inimigo e dele sabiamente se guardar; porque, enquanto fizer isso, nenhum outro inimigo, visível ou invisível, poderá fazer-lhe mal.
Introdução
Na IX Admoestação, Francisco tinha tratado da dileção ao inimigo. O amor-gratuidade, com sua benevolência, deve não discriminar nem excluir ninguém, nem mesmo aquele que poderia ser tomado como um inimigo, por se relacionar comigo com ódio, por ser perseguidor e caluniador. Naquela Admoestação, ele exorta o discípulo de Cristo, isto é, aquele que O segue, a imitá-Lo e a Ele se conformar; a não se doer da injúria que recebe, mas que, por amor de Deus, se doa do pecado que o outro comete e que lhe danifica a alma; enfim, que veja que este que se passa por um inimigo é um irmão, é filho amado do Pai celeste, alguém pelo qual Jesus Cristo se doou na sua oferenda da cruz.
1. Não temos, mas somos corpo
Nesta X Admoestação, por sua vez, São Francisco vai mais longe: ensina que o verdadeiro inimigo do ser humano não é o outro, mas é seu corpo, pelo qual ele peca. E conclui declarando bem-aventurado aquele que custodia sabiamente este inimigo, tendo-o sempre cativo e mantendo-o sob sua guarda e sob seu poder. Entretanto, convém aclarar, aqui, o que significa corpo, e, ainda, em que sentido é que o corpo se torna o inimigo que há de ser mantido em guarda.
Primeiramente, é preciso considerar que nosso corpo não é uma coisa sobre a qual podemos falar, como se fosse um objeto. O meu corpo não é um algo que está na minha frente como uma coisa-objeto. Da mesma forma, o corpo do outro, embora se passe por uma coisa-objeto, na verdade não o é. Pois, já no relacionar com o corpo do outro nós o compreendemos de modo todo próprio. Todos sabemos por experiência que tocar o corpo do outro num aperto de mão, num abraço, num afago, é bem diverso de tocar em uma máquina, em um utensílio, em uma pedra.
Falar a partir do corpo significa dizer, mostrar, desvelar uma experiência originária do que somos. Nós não temos um corpo, mas somos corpo. No ter vigora uma relação exterior: eu tenho o meu relógio, não sou o meu relógio. No que diz respeito ao corpo não se trata de uma mera relação de ter, mas de uma experiência de ser; uma experiência muito íntima, pessoal; uma experiência da existência, isto é, da abertura primordial de nosso ser-no-mundo. Não podemos, de fato, nos distanciar de nosso corpo. Aonde vamos, a todo o momento, trazemos nosso corpo conosco e somos determinados por ele. Por isso, antes de um mero organismo vivente, nosso corpo é uma dimensão, um horizonte, uma totalidade de nosso modo de ser, de nosso ser-no-mundo.
2. Corpo, uma experiência espiritual de nossa imanência e transcendência
Deste modo, nosso corpo é uma experiência espiritual, ou seja, uma experiência de liberdade; uma experiência que nos leva a participar da nossa imanência e de nossa transcendência. Ou seja, nosso corpo não é só corpo. É corpo e espírito, espírito e corpo.
Mas, o que caracteriza este modo de ser de nossa existência chamado corporeidade? A característica fundamental da corporeidade é o ser-em-situação. Uma situação não é meramente algo objetivamente dado, nem é meramente algo subjetivo. Em sua facticidade ela é real, mais real que todo objeto. Nós vivemos, a cada vez, em determinada situação, que é fática (de fato), real, que nos condiciona deste ou daquele modo. E, no entanto, esta situação fática é mais do que as meras conexões objetivas dos fatos. Uma situação é, certamente, algo que nos circunda como uma circunstância, e se nos opõe, oferece resistência a nós, etc. Uma situação real é bem diversa de uma situação imaginária, possível, que se dá no plano do “como se”. Corpo diz, assim, o modo como nós ocupamos um sítio, o mundo, o ambiente, insistindo numa situação da existência. Corpo é, a cada vez, o como da nossa insistência no ser-em-situação; é a experiência da imposição da situação. O corpo revela que estamos sempre rodeados pelo anel da faticidade da vida real.
Entretanto, nosso corpo é uma experiência espiritual. Isto quer dizer: nosso corpo é uma tarefa de nossa liberdade. Contudo, liberdade não é, aqui, ficar livre da imposição da vida real. É, pelo contrário, assumir esta imposição, responsabilizando-se por ela e colocando-a dentro de um destino, de um sentido da vida. A liberdade é, assim, o exercício de responsabilidade para com nosso corpo e para com as implicações que as diversas situações da vida nos oferecem. Esse assumir é um encarnar-se, é um incorporar no projeto de nossa existência nossos poderes e nossas limitações. De acordo com o modo como, nas várias vicissitudes da nossa história, vamos nos encarnando em nossa finitude, é que vai dando a cada um uma configuração, uma fisionomia singular. Trata-se do processo de individuação espiritual, de pessoalização. O anel da faticidade da vida vai nos apertando e o nosso livre medir-se com ele vai criando em nós uma abertura para dentro, para o fundo, para a raiz de nossa humanidade. Começamos, assim, a entrar em contato com o fundo-abismo de nosso ser, escuro, misterioso, o fundo-abismo de nossa alma, de nosso coração.
Sendo o corpo uma experiência da imanência e transcendência da existência, isto é, uma experiência de liberdade, espiritual pode afinar ou desafinar com o todo. No corpo e como corpo nós sentimos a experiência de nossa indigência cotidiana: precisamos refazer nossas forças pela comida, pela bebida, pelo sono, pelo descanso etc. Nosso corpo abre uma esfera de necessidades vitais. Nela e com ela surgem experiências de dor e de prazer, de falta e de satisfação. Na passagem do peso da necessidade para o alívio da satisfação está sempre em jogo nossa liberdade. Por sermos seres de liberdade, esta passagem se estrutura como encruzilhada. Na linguagem cristã se fala em tentação e no Novo Testamento “tentação da carne” (cf. 1 Jo 2, 15-17). Ser tentado significa ser posto à prova, ser examinado, quanto à disposição de nossa liberdade. Há sempre o perigo de sucumbirmos à insidia da concupiscência, isto é, da cobiça, da voluptuosidade.
A cupidez do prazer e da comodidade tem uma dinâmica e uma lógica egocêntrica. O eu, ao se pôr como centro de todo o interesse, e ao querer absorver tudo segundo seus projetos e enfoques de autossatisfação, pode se tornar arbitrário. O eu arbitrário, por sua vez, avança em busca do seu bem cômodo particular; ignora as imposições da situação, os direitos dos outros, as imposições da vida fática, da vida real. Este eu, que se dispersa em suas cobiças, que põe o seu deleite e sua comodidade como o que unicamente ou sobremaneira importa, que é arbitrário e parcial na vida, ele deflui, isto é, cai no abismo de sua ruína espiritual, tornando-se escravo de seus próprios caprichos. É a este eu que São Francisco chama de o corpo, pelo qual o ser humano peca.
São Francisco não despreza o corpo, nem o tem por um mal. Lembremo-nos o que ele diz na Admoestação V, ou seja, que nós fomos criados à imagem do Filho segundo o corpo. Com isso está nos indicando o caminho que nossa encarnação e incorporação devem seguir: a dinâmica de humanização que o seguimento de Jesus Cristo nos abre e possibilita. A tradição cristã chama de “continência” a contenção do corpo, de suas energias, instintos e afetos, assumindo-o de tal maneira que ele seja incorporado na dinâmica da libertação para a liberdade do amor-gratuidade (seguimento de Cristo). A continência é o contrário da dispersão. A continência é concentração e elevação. A dispersão é um perder-se nas múltiplas corridas por satisfação, um decair-se e arruinar-se a si mesmo.
A dinâmica egocêntrica dessa dispersão põe a perder o nosso verdadeiro “si-mesmo”, o Eu verdadeiro, crístico, a nossa verdadeira identidade, ou seja, põe a perder a nossa liberdade de filhos de Deus. Ela não nos abre para o fundo da vida. Ela nos deixa na superfície. Ela não nos liberta para o amor-gratuidade, para a dileção e sua universalidade. Ela nos prende em nossa parcialidade e arbitrariedade. O “eu” desta experiência é a negação do “si-mesmo” da liberdade. Este “eu” é um complexo que precisa ser dissolvido. Vivendo a partir deste complexo, nós nos enrolamos em torno de nossas cobiças, nós nos complicamos com a vida real e implicamos de modo inapropriado com os outros em nossos relacionamentos com eles. Este “eu” é um tirano que ocupou o lugar do Rei em nossas almas. Ele precisa ser, pois, deposto, para que o reino de Deus, que é o reino do amor-gratuidade, da oblatividade, da misericórdia, aconteça, e nós possamos aparecer em nossa dignidade e liberdade de filhos de Deus, à imagem do Filho segundo o corpo.
3. Combater o bom combate, caminho da limpidez do nosso corpo-eu
São Paulo reconheceu que nossa vida é marcada pela luta entre a “carne” e suas concupiscências e o espírito e suas aspirações (Gl 5, 17). Ele conhecia muito bem o caráter agonístico de nosso viver. A vida é um agón, isto é, um combate. Viver bem é combater este bom combate. Quem o vence, aparece como livre, quem o perde, aparece como escravo.
São Francisco, com sua espiritualidade de cavaleiro, conhecia também muito bem este caráter de combate de nossa vida. E, nesta Admoestação X ele chama a nossa atenção para isso: o genuíno inimigo que precisamos combater não é o outro ser humano, mas é este “eu” tirano, que nos priva da liberdade dos filhos de Deus. A boa notícia que nos dá São Francisco é a de que este inimigo está sob nosso poder. Não precisamos ser escravos dele. Trazendo em nós a centelha divina, a imagem de Deus, nós podemos vencer este inimigo. É pelo caminho da continência que esta vitória vai sendo alcançada. Quem segue neste caminho, porém, é como um cavaleiro que leva o inimigo cativo junto consigo. Carece de ser sempre vigilante em relação a ele. É que este inimigo pode insurgir-se sempre de novo e nos subjugar com suas pretensões tirânicas. São Francisco, como bom lutador, diz que quem vencer este inimigo não precisa temer nada nem nenhum inimigo visível ou invisível. Um dos maiores samurais do Japão medieval disse: “Eu não conheço o caminho para derrotar os outros, apenas o caminho da minha própria derrota” [1]. São Francisco, verdadeiro samurai na luta da vida do espírito, sabia muito bem que era preciso conhecer o caminho da própria derrota, e, que, se isso fosse sabido, ele não precisaria temer nada nem ninguém que se lhe opusesse no caminho da libertação para a liberdade dos filhos de Deus.
Esse eu tirânico, que se faz passar pelo nosso “si-mesmo” mais próprio, que São Francisco identifica com corpo-pelo-qual-o-homem-peca, com esse corpo-egocêntrico e egoísta, não oblativo, tem uma estrutura vindicativa, justiceira, ressentida. Ele se justifica a si mesmo e inculpa o outro pelas suas frustrações e pelos “crimes de lesa majestade” que os outros cometem contra si. Ele se acha imaculado e toda a mácula ele atribui aos outros. O pecado consiste, aqui, na sua autojustificação, que ocorre com base no esquecimento de Deus, isto é, do Deus-caridade, o Pai de Jesus Cristo. O seu amor próprio egoístico, porém, camufla o ódio, o impulso de autodestruição e de destruição do outro. O seu amor-próprio camufla o impulso de morte, que se volta contra si e contra os outros.
Se o ser humano deixa reinar em si esta dinâmica de ressentimento e de morte ele se arruína a si e aos outros. É preciso que a energia deste eu seja liberada para o amor-gratuidade, para o amor-oblatividade, para a dileção. O amor diz: quero que sejas. O amor ativa a dinâmica de liberdade e de vida. O mandamento de amar ao próximo como a si mesmo é o caminho para esta libertação para a liberdade dos filhos de Deus. O corpo, em sua dinâmica de corporar e de incorporação das forças da vida, precisa ser assumido, guardado e mantido na dinâmica da encarnação. Essa é a dinâmica da gratuidade. Frei Harada, depois de falar que Francisco entende a verdadeira força de Deus como gratuidade, escreve:
No entanto em nós há um "inimigo" que não permite entender isso, porque um Deus assim é pobre demais, humilde demais, vil demais. Por isso São Francisco diz: "Ponha esse eu sob controle; não o deixe levantar a cabeça, porque se não o fizer, por mais humano que pareça, no fundo estará atuando como imagem e semelhança de super-homem e não a imagem e semelhança do Deus de Jesus Cristo. Nosso estilo, diz São Francisco, é ser 'menor' (este é o nome que deu a seus frades - Frades Menores)".
O caminho da libertação não é o caminho da prepotência e sim o caminho da humildade, do ser irmão e do ser menor, o caminho da encarnação segundo a dinâmica do amor-gratuidade. Isso significa realizar a excelência de ter-sido criado à imagem do Filho segundo o corpo, segundo a proposta da Admoestação V. Trata-se de entrar cada vez mais na finitude e experimentar esta entrada como transformação e essencialização, como libertação para a liberdade dos filhos de Deus. Esta tarefa nada tem a ver com desprezo e repressão do corpo em si. Não é uma ascese cega, mas antes, um exercício sapiente, como o próprio São Francisco dá a entender ao usar o advérbio “sapienter” (sapientemente) aplicado ao verbo “custodire”, custodiar, guardar.
Este caminho, este método, de se responsabilizar pelo próprio corpo-eu, colocando suas energias a serviço da libertação no seguimento de Jesus Cristo, é o que o título dado à Admoestação X chama de “castigatio” (castigação). Castigar, aqui, não pertence ao mundo ou à lógica da justiça punitiva, mas da pedagogia restaurativa, isto é, de conduzir à regência da liberdade. O homem precisa se educar, isto é, se reconduzir, sempre de novo, para levar o seu corpo a estar em forma, a saber, a estar na forma da liberdade e do amor-gratuidade. Este é o verdadeiro exercício espiritual da ascese cristã. Como o guerreiro precisa manter seu corpo em forma para a guerra, como o atleta precisa manter o seu corpo em forma para a competição, assim também o homem espiritual precisa manter o seu corpo em forma para a liberdade e o amo-gratuidade. “Castigar” é tornar o corpo casto, isto é, é dispô-lo para a limpidez do afeto do amor-gratuidade e colocá-lo em forma para a liberdade dos filhos de Deus. Como lembra Bonhoeffer, a disciplina é a primeira estação no caminho da liberdade:
Se partes em busca da liberdade, aprende primeiro / a ter disciplina para os sentidos e para a alma / a fim de não seres levado por tuas cobiças, sem rumo / de um lado para o outro. Procura ter mente e corpo bem castos, / sob teu controle e domínio, e sempre obedientes / a fim de seguirem para onde se encontra a meta. / Ninguém chegará ao segredo da liberdade, a não ser que / com perseverança se exercite na sã disciplina.
Sã é esta disciplina à medida que ela não é ditada pelo desprezo, mas sim pelo apreço ao corpo; não pela vindicação e pelo ódio, mas sim pela abertura à força maior do amor de Deus e do próprio. Esse caminho de limpidez do corpo, que nada tem a ver com puritanismo, é assim descrito por frei Harada:
Desde a antiguidade a humanidade veio sempre dizendo: "Conhece-te a ti mesmo". São Francisco em vez disso diz: "A realidade é essa: que cada um pode ter sob o seu domínio o inimigo, este seu próprio corpo, por meio do qual peca; portanto tome cuidado, mantenha-o sob vigilância e acautele-se dele; não deixe seu eu disparar pelo lado do ensimesmamento; pule para o caminho bom, que consiste em ter o seu eu, seu 'corpo' sob custódia". Com isso São Francisco supera a estrutura do eu que se defende, se ofende, se ressente e propõe a conquista de uma abertura diferente, mais alegre: encaminhar o eu para o crescimento; crescimento que é capaz, por ex., de escutar com maturidade o outro que ofendeu: "Seu tom está muito agressivo, mas o que você diz acho que está certo". Desse jeito você criou um eu verdadeiro, um eu imenso, muito semelhante a Deus.
É muito interessante encarar a si mesmo não para se desprezar ou censurar, mas para conhecer seja nossas manhas como nossa boa vontade, a manha que surge até na boa vontade, as tentativas de escapar do real, a tentativa de se firmar no desânimo, de esconder a agressão na própria mansidão... conhecer cada vez mais a si, sem ficar chateado, conhecer para ter a si mesmo sob vigilância, por que em tudo isso está sendo continuamente oferecida outra possibilidade maior.
O ensinamento de São Francisco, portanto, é uma verdadeira terapêutica do cuidado de si e um verdadeiro caminho do conhecimento de si. A Admoestação X é uma lição de exercício espiritual. São Francisco propõe uma autêntica psicoterapia dentro da dinâmica da espiritualidade no seguimento de Jesus Cristo, o Deus encarnado na finitude de nossa condição humana. O seu método é exigente, mas é, ao mesmo tempo, suave. Nesse método não é preciso o ser humano se infligir mortificações artificiais. Basta que o ser humano não se esquive do corpo a corpo da existência, deixe que os embates da vida possam ir se tornando ocasiões de libertação do corpo-eu tirânico. O princípio de realidade da vida fática mesmo vai fazendo este eu “cair na real” e isto significa: humildade. As injúrias e as frustrações que nos vêm dos outros passam a concorrer para a libertação deste nosso próprio eu-tirânico.
Conclusão
Terminemos com um comentário de frei Harada a respeito deste caminho ou método de libertação:
É a nitidez metódica de São Francisco. Não há demônio, doença, desgraça, não há opressão, injúria que possa fazer mal. É nesse sentido que São Paulo diz: "Para quem ama, todas as coisas revertem para o bem".
O eu é algo preciso, mas não como está, pois ele se chateia a toda hora por qualquer ofensa pretensa ou real. Mas é bem neste momento de chateação que se deve acordar e trabalhar para não deixá-lo correr em direção ao ressentimento, e encaminhá-lo para pular do lado de sua libertação. E se daqui a pouco me ofender de novo, cuidar de novo, pois é outra chance de libertação; se não consigo pular para o lado bom, deixo correr e fico chateado por ter deixado correr, e estou chateado de novo: outra chance. Pois o eu está continuamente na encruzilhada: ou se liberta ou decai.
No fenômeno humano do "corpo-eu" aparece nossa fraqueza. Esse eu você tem que carregar todo dia como sua cruz, mas não como cruz pesada e dolorida, e sim como coisa preciosa, como bandeira que provoca você a trabalhar sempre de novo até o fim. São Francisco diz: "Aqui está a nossa chance, a chance de carregar de boa vontade, com disposição, todo dia essa fraqueza, que assim se torna a nossa glória ". Não se trata portanto de desprezar, mas agarrar com duas mãos esse nosso eu, porque é tudo o que temos, e todo dia trabalhar nele. Fazer isso é aprender a "disciplina do corpo".
Carregar a cruz é, assim, suportar de boa vontade este trabalho de tornar leve o peso do próprio eu. Ou o eu sucumbe sob a força da gravidade do pecado, isto é, do desamor e do ódio, do esquecimento do Deus-amor, ou ele se liberta para a identidade da liberdade dos filhos de Deus. Neste caminho, pode ser que o egoísmo que vige em nós nunca seja definitivamente e totalmente extirpado, mas o Deus-misericórdia não vai estar nem aí para isso. Ele apenas esperará de nós a boa vontade de, sempre de novo, nos dispormos para a libertação para a liberdade que, afinal, só se deixará reconhecer plenamente em sua própria face.
[1] Tsunetomo, Yamamoto. Hagakure: o livro do samurai. São Paulo: Conrad, 2004, p. 10.
Para pensar e compartilhar:
1. Por que ou no que nosso corpo se diferencia dos demais seres criados?
2. Por que São Franciso insiste tanto que devemos “castigar” nosso corpo e em que consiste esse trabalho ou exercício?
Paz e Bem! Fraternalmente,
Frei Dorvalino Fassini, OFM e Marcos Aurélio Fernandes
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