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75º Encontro 15/10/22 24ªAdmoesta. - Da verdadeira dileção

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    Frei
  • 16 de out. de 2022
  • 8 min de leitura



Da verdadeira dileção


1ª parte



Já vimos que Francisco trata da virtude da dileção em três de suas Admoestações, embora não sucessivamente. Já meditamos a primeira, intitulada, simplesmente “Da Dileção” (Admoestação IX). Hoje vamos nos debruçar sobre a segunda, a XXIV, a mais breve de todas elas. Apenas uma frase. Até nisso Francisco faz questão de imitar o Mestre, pois, como ele mesmo explicara e estabelecera na Regra os Irmãos, em suas pregações, devem ser breves porque o Senhor usou de palavra breve sobre a terra (RB 9,4). Se na anterior sua atenção maior fora a dileção para com o inimigo, agora será para com o Irmão enfermo. Vejamos o texto.



Da verdadeira dileção


Bem-aventurado o servo que ama tanto seu Irmão enfermo, quando não o pode satisfazer, como quando está sadio e pode satisfazê-lo.



1. Título


Já no título, Francisco procura despertar nossa atenção para dois tipos de dileção: uma verdadeira e outra falsa e que nos dediquemos à primeira e nos cuidemos da segunda. Ele gosta muito do adjetivo verdadeiro. Já vimos isso quando refletimos a Admoestação III “Da perfeita obediência”. Aqui, ele volta ao emprego desse adjetivo, agora em referência à dileção.


Podemos supor que, como em todos os seus escritos, também aqui, antes do aspecto moral (uma pessoa que ama corretamente, sem defeitos), o termo “verdadeira” esteja relacionado à dimensão da gratuidade do enamoramento. Por isso, mais que para a nossa dileção ou amor, a preocupação de Francisco é que nós, frades, na observância desse grande mandamento, estejamos sempre atentos e ligados ao amor de quem nos amou por primeiro.


O que é, então, a verdadeira dileção? Ou, quando é que estamos diante de alguém que ama na verdade pura e originária da dileção? No mundo das realidades materiais dizemos, por exemplo, que verdadeiro é o vinho que não tem mistura, que seja tão somente vinho. E se, por acaso, constatamos que este vinho contém água dizemos: “Este vinho é falso, não é verdadeiro!” Ora, o mesmo princípio pode e deve-se aplicar ao nosso tema. Ou seja, a dileção ou caridade para que seja verdadeira é preciso que seja tão somente dileção. E, convenhamos, a tarefa não é apenas muito difícil, mas impossível, pois, como diz o Bem aventurado Frei Egídio só o Criador é aquele que verdadeiramente ama a criatura com dileção; e o amor da criatura é nada em vista do amor do Criador” (DE 3). Realmente,


O aproximar do amigo ao amigo é sempre furtivo, isto é, é um aproximar que, ao mesmo tempo, se retira, se distancia. Nesta aproximação e distanciamento, o amigo leva do amigo algo consigo. Certamente, ele doa algo de si ao amigo, que também leva consigo isso que ele doa. Mas sempre permanece um hiato, uma cisão, um vazio, entre amigo e amigo. Nenhuma criatura é para a outra criatura a plenitude do amor. A criatura fica sempre em falta com a criatura. Nisso está a "culpa" - isto é, a dívida - que é inerente ao amor de criatura para criatura. Assim, na amizade espiritual (cristã, no discipulado), o relacionamento entre amigo e amigo só pode ser erigido e bem direcionado se passar pelo amor ao Amigo comum: o Mestre, que é humano e divino, o único que ama com um amor que é plenitude superabundante, e que preenche todos os vazios que ficam nos relacionamentos criaturais.


Assim, enquanto as criaturas se doam umas às outras, inteiramente e no vigor da pura gratuidade, sem nenhum outro interesse, nós humanos sempre estamos às voltas com nossos interesses particulares, por vezes, até espúrios, distanciados, portanto, do bem do outro, na pureza da doação originária. Por isso, também e por outras vezes, a vivemos na dinâmica da sacrifícação e não no vigor de sua origem, que é a alegria que nasce da gratuidade, do bem querer do encontro, ou como diz nosso Papa: da Alegria do Evangelho (EG).



2. A modo de servo bem aventurado


Francisco, ao iniciar essa sua Admoestação com um “Bem aventurado” nos remete para o coração do Evangelho, da Boa Nova de Jesus, revelado no famoso “Sermão da Montanha” ou das Bem-aventuranças. Como novo Moisés, Jesus sobe a montanha, isto é, vai para junto de Deus e de lá, isto é, a partir de Deus, o Bem, o sumo Bem, o Bem aventurado por excelência, faz o anúncio da procedência da verdadeira felicidade, da verdadeira alegria, da verdadeira beatitude do homem.


Ao termo “bem aventurado”, Francisco logo acrescenta “servo”, como para dizer que Deus é bem-aventurado porque serve. Aliás esse é o nome de sua identidade que mais Ele mesmo mais aprecia em toda a Sagrada Escritura. É como diz uma poetisa:


Deus, que dá o fruto e a luz, serve.

Poder-se-ia chama-lo assim; aquele que serve.

E Ele que tem os olhos em nossas mãos, nos pergunta todo dia:

Serviste hoje? À árvore, a teu amigo, à tua mãe? (Gabriela Mistral)


Enfim, se nós quisermos ver e conhecer como é o servir de Deus, olhemos para Jesus Cristo, o Bem aventurado dos bem aventurados e Servo dos servos. Por isso, nessa admoestação, como em todos os seus Escritos, Francisco está falando de servo não no sentido sociológico, mas religioso. É nesse sentido que devemos entender, também, o verbo satisfazer. Ou seja, Francisco está falando do seguidor de Cristo, cuja satisfação não está em mais nada senão em ir atrás Dele procurando seguir suas pegadas, ouvir e observar suas palavras, “copiar” seus exemplos e atitudes, tanto em relação aos seus amigos como inimigos.


Satisfação ou satisfeito indica o estado de quem, depois de muito procurar e trabalhar, se sente realizado, pleno e sem carências. Assim é que, depois de uma boa refeição, se diz: “Muito obrigado! Estou satisfeito”; ou, depois de uma boa palestra, ou de um trabalho bem realizado se diz: “Agora sim, ficou tudo esclarecido! Estou satisfeito!” Ou, finalmente e melhor, como Cristo na Cruz: “Agora tudo - o amor-doação - está consumado, pleno, cumprido!” A pergunta que surge, então: quando é que o seguidor de Cristo está plenamente realizado, satisfeito em relação ao grande mandamento do amor? Quando é que se pode dizer que estamos amando com toda diligência, na dinâmica da pureza originária desse mandamento? Francisco responde: bem aventurado é o servo que ama tanto seu Irmão enfermo, quando não o pode satisfazer, como quando está sadio e pode satisfazê-lo.


Para melhor compreender essa admoestação tomemos um dos famosos Fioretti de São Francisco: A cura de um leproso na alma e no corpo. Numa de suas viagens pelo mundo, tendo Francisco encontrado um leproso, destacou dois frades para que cuidassem dele. No entanto, esse leproso era tão pestilento, impaciente e descarado que, por mais que os frades se esforçassem para atendê-lo da melhor maneira possível, maiores eram as injúrias e as agressões que lhes infligia. Tudo isso eles suportavam com paciência, mas, quando o malfadado leproso começou a blasfemar contra Deus e a Virgem Maria, o abandonaram. Pois, além de não aguentar tão despudorado insulto também temiam que, se continuassem, poderiam estar sendo coniventes com tantas perversidades.


Francisco, então, reconhecendo através do Espírito Santo que aquele leproso estava sendo atormentado por um espírito maligno, depois de rezar fervorosamente a Deus, apresentou-se ao leproso... e cuidou tão bem dele que ficou todo lavado e sarado por fora e, também, perfeitamente ungido e sarado por dentro.


O Bem-aventurado Francisco, porém, vendo tão notável milagre, dando graças a Deus, afastou-se dali e retirou-se para regiões muito distantes. E isto, para não acontecer que o povo, tomando conhecimento do milagre, acorresse para ele. E isso, o próprio Santo, por causa da humildade, evitava quanto podia. E, ao contrário, como servo fiel e prudente, empenhava-se em restituir glória e honra a Deus e, entre os homens, procurar para si o descrédito e a ignomínia (I Fioretti 25, Atos 28).


Nós, hoje, porém temos muita dificuldade para agir como São Francisco. Suponhamos que um colega ou vizinho necessite seguidamente de meus serviços. Certamente, como bom seguidor de Cristo, vou procurar servi-lo com toda a atenção e diligência possível. E toda a vez que isso acontece ele se desdobra em mil e um agradecimentos. É evidente que, diante de tanta gratidão e reconhecimento, sentir-me-ei cada vez mais disposto e animado em servi-lo.


Mas, digamos que, ao lado dele, haja outro vizinho ou colega que também precisa de mim e de meus cuidados. Só que esse, ao contrário do primeiro, é duplamente doente. Doente no corpo e na alma. Por isso, por mais que eu me esmere em bons cuidados ele reclama, xinga, me destrata tanto como aquele leproso dos Fioretti. E então é que vem a sentença de São Francisco: Você será um servo bom, bem-aventurado, isto é bem sucedido, realizado, satisfeito, tarimbado se cuidar desse enfermo com a mesma e até maior dileção com a qual cuida do primeiro. Pois, assim é o amor de Deus que ama sem por que nem para que. Ama simplesmente por amar sem esperar nenhuma recompensa ou satisfação própria, pois se isso pensasse ou fizesse já não seria mais amor, mas negócio: amo para ser amado. Eis a dileção verdadeira, sem mistura ou outros interesses.


Como pano de fundo está, evidentemente, o testemunho de Jesus Cristo crucificado. Aquele que exortava seus discípulos a não praticar as boas obras diante dos homens, só para serem vistos. Pois, nesse caso já receberam sua recompensa: os aplausos dos homens, do mundo. O bem só é verdadeiro, bom e puro, quando não espera nada em troca. Do contrário seria comércio e não amor.


Amo porque amo, amo para amar O amor basta-se a si mesmo, em si e por sua causa encontra satisfação. É seu mérito, seu próprio prêmio. Além de si mesmo, o amor não exige motivo nem fruto. Seu fruto é o próprio ato de amar. Amo porque amo, amo para amar. Grande coisa é o amor, contanto que vá a seu princípio, volte à sua origem, mergulhe em sua fonte, sempre beba donde corre sem cessar. De todos os movimentos da alma, sentidos e afeições, o amor é o único com que pode a criatura, embora não condignamente, responder ao criador e, por sua vez, dar-lhe outro tanto. Pois, quando Deus ama não quer outra coisa senão ser amado; porque bem sabe que serão felizes pelo amor aqueles que O amarem [1].



Da verdadeira dileção, hoje


Um importante documento da Igreja sobre a Vida fraterna em Comunidade começa com toda ênfase com este princípio evangélico: Quem nos congregou no UM é o amor de Cristo. E, mais adiante, diz com muita clareza que a Comunidade cristã, mais que confraternização é lugar de “fraternização”, isto é, tarefa de construir fraternidade, de fazer-se irmão e irmã um do outro. Mas, para isso, diz ainda, é preciso que sempre contemplemos bem, com alegria e gratidão, a comunidade cristã uma vez que é uma comunhão que vem de Deus, comunicada a pobres criaturas e que, por isso, necessita, sempre, de muito esforço para torna-la visível (Cfr. A Vida Fraterna em Comunidade, Congr. para os Institutos de Vida Consagrada, 1994, pág. 25).

Nosso Papa Francisco, no dia 12/03/2016, falou do amor, tomando como exemplo o caso de uma mulher que lhe escrevera pedindo-lhe que rezasse por ela. Precisava de ajuda na difícil tarefa de cuidar de sua mãe, idosa e doente, e de seu irmão, deficiente. "A vida dessa pessoa é servir, ajudar", disse o Papa. "Isto é amor: esquecer de si mesmo e pensar nos demais”. E, concluiu o Papa: “O amor é um ato de humildade, realizado em silêncio e dissimuladamente, como o próprio Jesus disse: Quando deres esmola, não saiba a vossa mão esquerda o que faz a direita, a fim de que a esmola fique em segredo e o vosso Pai que vê o que se passa em segredo, recompensará" (Cfr. Mt 6,1-4).


[1] São Bernardo, Ofício das Leituras, 20 de agosto. Outra passagem que merece nossa meditação é a exortação à Caridade em 1Jo 4,7-14; 19-21.




Para pensar e compartilhar:

1. Por que Frei Egídio diz que nós sempre nos aproximamos do amigo de modo fraudulento?

2. Por que São Francisco após o milagre da cura do leproso, se retira para longe das multidões?



Paz e Bem!

Fraternalmente,


Frei Dorvalino Fassini, OFM e Marcos Aurélio Fernandes




Continue bebendo do espírito deste tema:


- indo ao texto-fonte: 75º Encontro - 24ª Admoestação - Da verdadeira dileção

- 1ª parte


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