71º Encontro 17/9/22 8ª Admoestação Do pecado de inveja que se deve evitar 2ª parte - Da inveja ...
- Frei
- 17 de set. de 2022
- 9 min de leitura
Do pecado de inveja que se deve evitar
2ª parte
Da inveja, sua origem, estrutura e consequências
Na reflexão anterior vimos o quanto Francisco estimava o agir do Espírito na vida de cada Irmão e da Ordem. Por isso, além de considerar uma blasfêmia invejar um Irmão, exortava-os a que estivessem sempre atentos ao Espírito do Senhor e seu santo modo de operar. Por essa razão, vamos, hoje, retomar sua exortação acerca “Da inveja que deve ser evitada”, tentando ver sua origem, estrutura e consequências. Vejamos, de novo, o texto:
Afirma o Apóstolo: Ninguém pode dizer: Senhor Jesus, a não ser no Espírito Santo (1Cor 12,3); e: Não há quem faça o bem, não há um sequer (Rm 3,12; Sl 3,13). Portanto, todo aquele que inveja seu Irmão pelo bem que o Senhor diz e faz nele incorre no pecado de blasfêmia, porque inveja o próprio Altíssimo que diz e faz todo o bem.
1. Da inveja e de sua origem
O Papa Francisco tratou da origem desse pecado em sua homilia, na capela Santa Marta, em 12/11/2019. Lembra, então, a passagem do livro da Sabedoria na qual se diz que por inveja do Diabo é que a morte entrou no mundo e a experimentarão os que pertencem a ele (Sb 2,23). Eis a origem de todo esse pecado.
Mas, inveja de que? De Deus ter divinizado ou deificado o homem, através de seu Filho, Jesus Cristo; de ter dado ao homem uma dignidade que ele, o anjo, não tem: a de ter recriado o homem segundo a imagem de seu Filho primogênito. Enfim, tem inveja de nós porque o Filho de Deus se fez um de nós. E isso ele não pode, não consegue tolerar, lembrou o Papa. E continuou: Aí está a raiz das guerras, da fome, de todas as calamidades no mundo.
A inveja é, pois filha do Soberbo ou da soberba. Levado pelo desejo de ser maior e melhor que os outros, o invejoso não suporta ver o bem progredindo nos outros. Por isso, a inveja sempre está assentada no desejo ou no espírito de grandeza, de orgulho, superioridade e amor próprio. É coisa de gente grande, dos maiorais ou de quem assim o deseja ser. Os pequenos, os menores e simples, como as crianças, os pobres de espírito, a exemplo de Nossa Senhora, não sofrem dessa tentação. Por isso, deveríamos aprender a ser simples, humildes e fraternos como as demais criaturas que existem debaixo do céu. Numa floresta, por exemplo, todas as árvores se sentem bem e em perfeita harmonia umas com as outras. Cada uma está contente e satisfeita consigo mesma, com sua identidade, pois cada qual tem o bastante para se ocupar com sua tarefa e trabalho de vir a ser o que é e deve ser. Por isso, as mais altas não tem como ficar perdendo tempo em invejar as menores que não sofrem as agruras do vento e do sol e nem as menores em ficar se lamentando por não serem tão altas e vistosas como as primeiras. Assim é também a criança! Por isso, Jesus nos exorta a que olhemos e imitemos os lírios do campo, as aves do céu, as crianças! Que sejamos como elas, tão inteira e tão somente ocupados com a tarefa de edificar bem nosso ser, sem preocupar-nos com o dia de amanhã, muito menos com a apreciação que vem dos outros.
A inveja, portanto, nasce porque a pessoa não está bem assentada em sua identidade originária. Da falta desse enraizamento começa a surgir no coração o desejo de possuir algo que não tem e o outro tem para, assim, ela também sentir-se segura, bem assentada, feliz e realizada. Por isso, a inveja é um pecado capital, isto é, um pecado que é cabeça, origem de outros vícios e pecados. É dela, da inveja, que nascem os ciúmes, a tristeza, os descontentamentos, as murmurações, o desdém, o desânimo, as discórdias, o orgulho, a soberba, as brigas, as guerras, etc. Por isso, a consequência maior ou pior, o pecado do pecado da inveja é de ferir a bondade, o amor e a sabedoria do Criador porque imagina que Ele o tenha criado com alguma imperfeição ou deficiência.
Na raiz da inveja está, pois uma grande mentira, uma grande ilusão: é o fariseu de sempre que procura colocar seu eu no lugar de Deus, a criatura no lugar do Criador e que julga ser ele o centro de sua vida e, consequentemente, do seguimento de Cristo, do seu amor a Deus e aos irmãos. O invejoso esquece que, assim como no casamento, o verdadeiro eu do casado não está mais nele, um eu empobrecido e triste por causa de seu isolamento, mas no misterioso eu, ou tu, do cônjuge que lhe veio ao ou de encontro, gratuitamente. Assim, o verdadeiro eu do cristão e do religioso é o que vive mergulhado para dentro do coração do grande e infinito Amor que é Deus, o Pai de Jesus Cristo. Por isso, a exortação de Francisco é um alerta para que acordemos: Sejamos realmente filhos de Deus - o que já somos - e não queiramos ser filhos de nós mesmos, filhos da soberba, da fama, do dinheiro, do consumo, da inveja, etc.
Assim, quando o sussurro da inveja bater à porta de nosso coração, olhemos para os lírios do campo, para as aves do céu; olhemos para o Pai do Céu que vela sobre justos e injustos, que faz chover sobre bons e maus, dispondo tudo o que é e tem, sempre e a toda hora, ao nosso favor; que atendamos ao que diz o apóstolo: tudo é nosso, o mundo, a vida, a morte, o presente e o futuro, mas nós somos de Cristo e Cristo é do Pai (Cfr. 1Cor 2,23). Eis o fundamento de nossa segurança, felicidade e realização. Bastaria fazer como aquela mãe de muitos filhos que, ao tornar-se viúva, desfaz-se de todos os seus pertences e da própria casa para viver feliz na casa de cada um de seus filhos, sem jamais preocupar-se com coisa alguma. Para que vai ela olhar e invejar as casas dos vizinhos e dos outros se tem nos filhos casas em abundância e das melhores?! Para que, pensa Francisco, comprar ou desejar casa própria (querer enriquecer-se a partir de seu próprio eu) se, em toda a parte, temos a melhor, a mais rica e a mais aconchegante de todas as casas: a casa do Amor e da misericórdia do Pai do céu?!
2. A inveja no dia a dia de nossa vida
Atento ao cotidiano da vida dos cristãos, assim fala São João Crisóstomo: Nós nos combatemos mutuamente e é a inveja que nos arma uns contra os outros. Se todos procuram por todos os meios abalar o Corpo de Cristo, onde acabaremos? Nós estamos enfraquecendo o Corpo de Cristo... Declaramo-nos membros de um mesmo organismo e nos devoramos como feras (CIC 2538). Isso acontece porque, em vez de ouvir as inúmeras inspirações do Espírito que é Deus, que foi derramado em nossos corações e que suscita em nós inúmeros sentimentos e pensamentos de bondade, de paz e de concórdia, preferimos seguir as insinuações daquele espirito mau que nos leva à morte.
Recordemos que foi assim que se deu o primeiro fratricídio. Caim começou a ficar enfurecido e com o rosto abatido porque as ofertas do irmão haviam sido bem acolhidas pelo Senhor e as dele não. E, por estar mais atento a essa insinuação do diabo da Soberba do que do sopro do espírito fraterno, deixou que seu coração se embrutecesse até, por fim, agredir e matar seu irmão Abel (Gn 4,8).
A inveja sempre tem um quê de destruição. É por causa dela que as pessoas se armam por dentro e por fora, se fabricam as armas e se travam as guerras. E isso, diz o Papa, acontece no mundo, mas também na minha alma, na sua, na sua através da semente de inveja do diabo, do ódio. Essa é a raiz da inveja: o diabo, o mentiroso, o promotor da discórdia e da divisão. Ele é a raiz de nossos males, das nossas tentações; a raiz da fome, de todas as calamidades no mundo, das guerras, diz o Papa Francisco.
Na inveja sempre há morte. Há morte não apenas quando matamos fisicamente o outro, mas também quando acabamos com ele dentro e fora de nós ou perante a comunidade, por meio de fofocas, maledicências, calúnias que proferimos pela nossa língua. Por isso, já dizia o Apóstolo Tiago: Com a língua bendizemos o Senhor e Pai, com ela amaldiçoamos as pessoas feitas à imagem de Deus. Da mesma boca saem a bênção e a maldição. Não deve ser assim, meus irmãos! (Tg 3,9-10).
A inveja, hoje
O Papa Francisco, em sua homilia de 12/11/21, mostrou como se dá o pecado da inveja e como vencê-lo. Para isso se serviu do conhecido caso da inveja de Saul para com seu melhor amigo e servo Davi.
Tudo começa com um fato muito simples, que, segundo o papa, se apresenta como semente, mas ganha a forma de uma bolha de sabão que, à semelhança de uma bola de neve, vai se avolumando cada vez mais. Após a derrota que Davi infligiu aos filisteus, as jovens saíram cantando: "Saul matou mil, Davi dez mil” (1Sm 18,7). Foi então que o Maligno começou a despertar no coração de Saul a desconfiança e a irritação: “Para mim, as mulheres deram mil, mas para Davi deram dez mil. A única coisa que está faltando agora é ele ser rei!” E desse dia em diante Saul olhava com inveja para Davi (1Sm 18,9-10). No dia seguinte o espírito mau de Deus tomou conta de Saul de modo que ele teve um acesso de fúria e tentou matar Davi com uma lançada (1Sm 18,10).
Segundo o Papa, a inveja é como um verme que te corrói por dentro, mas que não passa de uma bolha de sabão sem nenhuma consistência ou base na realidade. Pura fantasia, imaginação! O que existe de real é apenas a murmuração, a tagarelice conosco mesmos, diz o Papa, mas que é capaz de matar o outro, primeiro dentro e depois fora de nós, radicalmente. Assim, na fantasia de Saul, o ciúme o levou a acreditar que Davi era um inimigo que precisava ser eliminado.
Dessa forma, cego por suas falsas imaginações e maquinações, incapaz de ver a realidade, somente um fato novo, vindo de fora, uma graça, diz o Papa, poderá libertar o invejoso de seu pecado. Foi o que aconteceu no caso. Deus conseguiu que o fogo do amor de Saul por Ele, que havia sido soterrado pela inveja, se reavivasse e que a bolha cheia de veneno, enfim, se rompesse.
O milagre aconteceu em Engadi onde e quando Davi, às ocultas, cortou a ponta do manto de Saul quando esse dormia. Os companheiros de Davi insistiam para que ele aproveitasse a ocasião acabando com a vida do rei. Davi, porém, respondeu-lhes “Deus me livre de fazer uma coisa dessas ao meu soberano, ao ungido do Senhor” (1Sm 24,7). E, já à meia distância, gritou para Saul: “Por que dás ouvido ao falatório de homens que dizem: ‘Cuidado, Davi maquina tua perdição’. Hoje mesmo pudeste ver com teus próprios olhos como o Senhor te entregou na minha mão na caverna... Eu, porém, não estenderei minha mão contra meu soberano já que é o ungido do Senhor”.
Quando Davi terminou de dizer estas palavras Saul começou a chorar em alta voz e disse: “Tu és mais justo que eu, pois tu me fizeste o bem, enquanto eu te fiz o mal” (1Sm 24,10-12) (1Sm 24,18). E, mais adiante, depois de ter caído mais uma vez na tentação da inveja, Saul, enfim, se converte de todo e exclama: Bendito és tu meu filho Davi. Tu serás bem sucedido em tudo o que fizeres (1Sm 26,25).
Assim, Deus fez estourar aquela bolha de sabão que se criara no coração de Saul porque ela não tinha substância. E, finalizando, exorta-nos o Papa a que tenhamos cuidado, pois a inveja é um verme que entra no coração de todos nós - de todos nós! - e leva-nos a julgar mal as pessoas, porque no interior há uma concorrência que nos leva a descartar pessoas, uma concorrência que se transforma em guerra; uma guerra doméstica, uma guerra de bairro, uma guerra de postos de trabalho, uma guerra entre povos. Gostaria que cada um de nós pensasse nisto: por que hoje no mundo se semeia tanto ódio? Nas famílias, nos bairros, nos lugares de trabalho, na política, no esporte, etc.? Não será porque deixamos de combater, de evitar esse pecado capital, a inveja, como nos pede São Francisco?!
Por isso, exorta-nos, ainda, nosso Papa: quando sentimos essa antipatia devemos perguntar-nos: 'Por que eu sinto isso?' E não vamos permitir que esta "murmuração" tome conta de nós e se torne uma bolha de sabão, sem nenhuma consistência, um verme que corrói o melhor de nossa alma, de nosso coração.
E conclui o Papa:
Peçamos ao Senhor a graça de ter um coração transparente como o de Davi... que procura apenas a justiça, a paz. Um coração amigo, um coração que não quer matar ninguém, porque o ciúme e a inveja matam (Missa de 15/06/22).
Para pensar e compartilhar:
1. Onde está origem e qual a natureza do pecado da inveja?
2. Quais as consequências mais graves do pecado da inveja?
3. Qual a melhor maneira para precaver-nos desse peado?
Paz e Bem!
Fraternalmente,
Frei Dorvalino Fassini, OFM e Marcos Aurélio Fernandes
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