70º Encontro 10/9/22 8ª Admoestação Do pecado de inveja que se deve evitar 1ª parte - Estar ...
- Frei
- 11 de set. de 2022
- 11 min de leitura
Do pecado de inveja que se deve evitar
1ª parte
Estar atento à operação do Espírito
Nas admoestações anteriores, Francisco tratou de convocar os Irmãos para a importância da fidelidade às origens de seu gênero de vida. A partir desta, começa a exortá-los para as condutas próprias - virtudes - e adverti-los acerca das impróprias - vícios e pecados - muito frequentes e comuns, no seu dia a dia de seguidores de Cristo pobre e crucificado. Começa com um dos vícios ou pecados capitais: a inveja.
Vejamos o texto:
Afirma o Apóstolo: Ninguém pode dizer: Senhor Jesus, a não ser no Espírito Santo (1Cor 12,3); e: Não há quem faça o bem, não há um sequer (Rm 3,12; Sl 3,13). Portanto, todo aquele que inveja seu Irmão pelo bem que o Senhor diz e faz nele incorre no pecado de blasfêmia, porque inveja o próprio Altíssimo que diz e faz todo o bem.
1ª Parte
Estar atento à operação do Espírito
1. Título
Comecemos pelo título, pois nele encontramos o rumo que devemos perseguir e o tom que devemos auscultar para melhor sintonizar-nos com mais esta exortação de Francisco. Como de costume, também aqui, o texto nos soa um tanto estranho. Nós começaríamos em tom de definição, através de um artigo, como, por exemplo: o pecado da inveja ou, pura e simplesmente, a inveja. Começando com a ablativo “do”, Francisco mostra que não está querendo falar de modo descritivo, narrativo ou informativo, mas experiencial, isto é, de como se dá a experiência desse pecado no dia a dia da vida de seguidores de Cristo pobre e crucificado.
2. Só o Senhor é bom
Francisco, como bom seguidor de Cristo, gosta de, como Ele, partir das origens. Ora, Cristo não veio para destruir o pecador, mas o pecado que acabava com o pecador. Por isso, ao ser convocado pelo Senhor para reconstruir sua igreja, não demoliu a igrejinha de São Damião, mas procurou devolver-lhe o brilho e o vigor de sua originalidade. Fez o mesmo em relação ao dom da Vida cristã. Nada inventou, mas, tão somente, procurou seguir Jesus Cristo na pobreza da Vida evangélica. Nesta Admoestação o faz com duas citações de São Paulo.
Sob o ponto de vista do seguimento de Cristo, Paulo e Francisco são duas almas gêmeas. Já na origem de sua vocação ambos foram derrubados do cavalo, isto é, do poder da soberba do próprio eu pelo poder do “não-poder” da humildade do Cristo pobre e crucificado. Por isso, também, ambos, chegaram a tal grau de identificação com Cristo que mereceram carregar em seu Corpo as marcas de sua crucificação.
Além do mais, Paulo é importante, também, para compreender a gravidade da inveja como pecado contra o Espírito Santo. Isso, primeiramente, porque ele é o cristão que, como poucos, experimentou a “violência” do Espírito. Pois, sem essa violência jamais teria sido derrubado do poderio da carne, isto é, do merecimento da Lei pela Lei, passando de perseguidor a um dos maiores anunciadores e testemunhas de Cristo e de sua Igreja.
Desse modo, assim como Cristo na Cruz, despojado inteiramente de si mesmo, provou o poder do Pai, também Paulo, tomado pelo vigor do Espírito do Crucificado-Ressuscitado, pôde deleitar-se nas fraquezas, nas injúrias, nas necessidades, nas perseguições, nas angústias, chegando a afirmar que era em sua fraqueza que se sentia forte (Cfr. 2Cor 12, 9-10). Além do mais, Paulo foi o Apóstolo que mais de perto viu e experimentou nas primeiras comunidades cristãs os benefícios do poder do Espírito, com seus inumeráveis e admiráveis dons e, ao mesmo tempo, os malefícios do pecado da inveja.
A experiência de Paulo acerca do poder do Espírito é tão clara e forte que chega a proclamar que ninguém pode dizer: “Maldito seja Jesus” e ninguém pode dizer: “Jesus é Senhor” a não ser no Espírito Santo (1Cor 12,3). No contexto, e como fundamento da frase citada por Francisco, está, pois, a grande manifestação do Espírito em Paulo e na Comunidade de Corinto. Uma comunidade profundamente carismática, enriquecida com uma abundante variedade de dons, mas também com os sérios problemas da formação de grupos que substituíam Jesus Cristo, o Evangelho pelo cultivo do personalismo e da individualidade, criando sérios e graves problemas de comunhão e participação eclesial. A gravidade da situação levou Paulo a fazer-lhes este sério questionamento: Irmãos, não lhes pude falar como a espirituais, mas como a carnais, como a crianças em Cristo. Dei-lhes leite, e não alimento sólido, pois vocês não estavam em condições de recebê-lo. De fato, vocês ainda não estão em condições porque ainda são carnais. Isso porque há inveja e divisão entre vocês. Por acaso, não estão sendo carnais e agindo como mundanos? Pois, quando alguém diz: "Eu sou de Paulo", e outro: "Eu sou de Apolo", não estão sendo mundanos? (1Cor 3,1-4)
Parece paradoxal que num ambiente de tanta manifestação do Espírito imperasse, também, tanto espírito do mundo. E, para Paulo, a causa é clara: porque há inveja entre vocês. Diante dessa situação precisa dar àqueles fiéis um critério seguro e um fundamento sólido a fim de não se desviarem do cultivo dos dons do Espírito e de sua vocação cristã. Esse dom não podia ser soterrado pelo cultivo do espírito que vem do mundo e da meritocracia do legalismo judaico. Este critério é a fé em Jesus. Que todos, portanto, digam, proclamem que Jesus é o único Senhor. Fora Dele, nem a Lei e nem os ídolos pagãos têm qualquer poder, pois não passam de uma falácia, uma ilusão. Eles não são, não existem, são nada! E construir uma vida, uma comunidade, uma Igreja em cima do nada será como construir uma casa sobre a areia: um desastre!
Assim, Francisco, para conduzir seus Irmãos, sua Fraternidade a um combate seguro do pecado da inveja, parte do testemunho de uma Comunidade cristã nascente, bem próxima daqueles homens e mulheres que viram, ouviram e tocaram no Senhor Jesus. Com essa memória, Francisco quer pôr seus Irmãos, sua Ordem em comunhão com eles e, através deles, em comunhão com o Pai e com seu Filho Jesus Cristo (1Jo 1,3). Só assim, pensa Francisco, poderá preservá-los do perigo da divisão e da discórdia, oriundas da inveja. De fato, como já dissemos, Paulo, como ninguém, é o testemunho da potência do Espírito de Jesus. Pois, a partir de sua conversão tudo o que fala e faz acontece no e pelo vigor do Espírito Daquele que o chamou; Daquele que o derrubou não apenas do cavalo no caminho de Damasco, mas também do pseudo poder da Lei e das tradições judaicas. Pelo encontro com o poder do Espírito do Senhor ressuscitado morreu o Saulo, perseguidor de Jesus e dos cristãos e nasceu o pregador de Jesus e de seu Evangelho. Parece que “Paulus” era um nome de família que significava, em latim, pequeno, baixo, fraco. Agora, pelo poder Dele passou a viver não mais da Lei e para a Lei, mas do e para seu novo Senhor a ponto de proclamar: Agora estou crucificado com Cristo; e vivo, não mais eu, mas Cristo vive em mim; e a vida que agora vivo na carne, vivo-a na fé no filho de Deus, o qual me amou e se entregou a si mesmo por mim (Gl 2,20).
Quem, mais tarde, repete essa aventura de Paulo é Francisco. Também a vida dele vem toda pautada pela ação e pela força do Espírito que o arranca do espírito das vaidades deste mundo para convertê-lo e transformá-lo num outro Cristo, num Cristo redivivo.
Assim, quem, a exemplo desses dois grandes mestres, quiser imitar expressamente em tudo a forma da Igreja primitiva e a vida dos Apóstolos (Jacques de Vitry), vivendo como Irmãos Menores, deve fazê-lo partindo da luz e do impulso do Espírito, do poder e do fogo da graça e do amor do encontro com Cristo e seu Evangelho. Nessa forma de vida nada se faz, nada se diz, nada se sabe, nada se quer e nada se pode senão o que vier do Espirito, Daquele que o ama. A pessoa possuída pelo Espírito ou pelo amor, nem mesmo pode dizer para seu Senhor ou para seu amado que ela o ama, porquanto, se o fizesse estaria contradizendo a própria natureza do amor. Pois, no mundo do Espirito e do amor, nós sempre chegamos tarde, atrasados, depois. Se amamos é porque Ele nos amou por primeiro (1Jo 4,9). Por isso, de Francisco, dizem as Legendas: Quem poderá descrever suficientemente a caridade ardente, em que se consumia Francisco, o amigo do Esposo? Pois, parecia todo absorto, como um carvão abrasado pela chama do amor divino. É que, ao ouvir, de repente, falar do amor do Senhor, ficava empolgado, comovido e inflamado, como se as cordas interiores do coração fossem tocadas pelo arco da voz exterior. Por isso, dizia que Aquele que muito nos amou, deve ser muito amado (1B IX,1).
Do mesmo modo, por mais generosa e fervorosa que seja a resposta, a pessoa que se sente amada sempre dirá que está em dívida, como se reza na versão original do Pai Nosso: Perdoai-nos as nossas dívidas. Nesse sentido, dizer, por exemplo: “eu te amei” é sempre, de certa forma, uma mentira ou roubo. Ao contrário, o homem movido pelo Amor, o homem espiritual, a exemplo de Pedro, após a pesca milagrosa, dirá sempre: “Afasta-te de mim, Senhor, porque sou pecador” ou como os demais apóstolos, diante do sermão da necessidade de se perdoar sempre: ”Aumenta, Senhor, a nossa fé” (Lc 17,5). Dessa experiência brotou esta conhecida regra ou exortação de Francisco: Mas, atentem para que, acima de tudo, devem desejar ter o Espírito do Senhor e seu santo modo de operar; orar sempre a Ele com o coração puro; ter humildade e paciência na perseguição e na enfermidade; amar aqueles que nos perseguem, repreendem e acusam, pois, diz o Senhor: Amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem e caluniam. Felizes os que padecem perseguição por causa da justiça, porque deles é o Reino dos Céus. Quem perseverar até o fim, este será salvo (RB 10,9).
Eis, pois o segredo sobre o qual se deve fundamentar todo empenho para se evitar toda e qualquer inveja. Mas, havia ou se manifestava esse pecado na primitiva Fraternidade de Francisco a ponto de ele fazer essa exortação? O testemunho das Legendas diz que os primitivos frades eram muito zelosos em atender ao que o mestre estabelecera na Regra, isto é, eram muito cuidadosos para evitar toda soberba, vanglória, inveja, avareza,, cuidado e solicitude deste século, detração e murmuração (RB 10.8). Francisco, porém, bom mestre, sabia muito bem que, invejoso de suas virtudes, o pai de toda inveja planeja cortar a árvore que já estava tocando os céus e arrancar a coroa de suas mãos (2C 32). Por isso não cessava de alertá-los com sua paternal sabedoria e experiência. Mesmo assim, por vezes, aqueles santos homens eram levados a invejar e desejar para si as virtudes e os bens dos outros religiosos, esquecendo de cultivar aqueles que o Senhor lhes tinha dado, em especial a altíssima pobreza. Foi o que aconteceu no famoso Capítulo das Esteiras quando muitos frades, sábios e doutos na ciência, invejando o esplendor de outros religiosos, queriam que Francisco lhes permitisse seguir, de tempos e em tempos, também a sabedoria e as virtudes das Regras das gloriosas Ordens dos beneditinos, basilianos, agostinianos etc. (Cfr. CAs 18).
3. Só o Senhor faz o bem
Assim, da mesma forma, podemos compreender o segundo dito, também de Paulo, mas agora da Carta aos Romanos. A tonalidade é a mesma, com a diferença que, se na primeira a impossibilidade se referia ao dizer ou falar e pregar, agora o que está em jogo é fazer o bem: Não há quem faça o bem, não há um sequer (Rm 3,12; Sl 13,3; 52,4).
Paulo, ao falar aos cristãos de Roma acerca da universalidade do pecado, causada pela desobediência originária de Adão, faz a memória do salmista que lamenta a corrupção universal da humanidade. É através dela que todos andam transviados, todos estão unidos no vício, não há um que pratique o bem, não há nenhum sequer (Sl 13,3).
Portanto, se há algum bem nascendo ou florescendo, seja onde for ou em quem quer que seja, não pode, jamais, ser do homem. Isso fere nossa mentalidade farisaico-humanista, toda centrada no espírito do merecimento. Pois, a toda hora pensamos e falamos, orgulhosamente, de “nossas” conquistas, de “nossas” caridades, “nossos” feitos apostólicos, “nossas” pastorais, “nossas” orações, etc. Lembremos o conhecido ensinamento de Francisco acerca da Perfeita Alegria: “disso tudo, (isto é, todas aquelas obras maravilhosas, sumamente benéficas e elogiáveis, diz Francisco a Frei Leão) nada é nosso!” Portanto, todo aquele que inveja seu Irmão pelo bem que o Senhor diz e faz nele incorre no pecado de blasfêmia, porque inveja o próprio Altíssimo que diz e faz todo o bem.
Blasfêmia é falar mal de Deus, atribuir a Ele - que é o Santo, o bom, o único bom - o mal. É o pior pecado que se possa fazer. Num exemplo ainda distante: é o filho falar mal da mãe que o gerou e lhe deu a vida. Por isso, Jesus diz que todos os pecados são perdoados, mas quem blasfemar contra o Espírito Santo, nunca obterá perdão, mas será réu do eterno juízo (Mc 3,28-29). Mas, porque a inveja é uma blasfêmia se diz respeito a um irmão e não a Deus? É que Francisco, seguindo a mensagem evangélica, vê Deus tão encarnado no homem que tudo o que se faz a esse é feito também a Ele. Por isso, toda inveja é sempre uma ofensa a Deus, uma blasfêmia e o invejoso um grande cego. Cego porque é incapaz de ver que o outro é alguém da mesma família, do mesmo sangue, um irmão, nascido e movido pelo mesmo Espírito. Logo, os bens do irmão são bens também dele e, por isso, em vez de invejá-los e querer eliminá-los deveria alegrar-se com eles e dar o melhor de si para promove-los em si e no outro.
O pecado da inveja, hoje
O Papa Francisco, em 17 de Fevereiro de 2022, na abertura do Simpósio Internacional sobre o Sacerdócio, depois de falar da virtude da paciência, que deve reinar entre os clérigos, assim se expressou acerca do pecado da inveja:
O contrário da paciência é a indiferença, a distância que construímos entre nós e os outros para não nos sentir envolvidos com sua vida. Em muitos presbíteros, vai-se consumando o drama da solidão, de se sentirem sozinhos. Sentimo-nos não dignos de paciência, de consideração; antes, parece que do outro nos venha o julgamento, não o bem, nem a benignidade. O outro é incapaz de se alegrar com o bem que nos acontece na vida, ou então sou eu que me sinto incapaz de me alegrar quando vejo o bem na vida dos outros. Esta incapacidade de se alegrar com o bem alheio, dos outros é a inveja - quero destacar isto –, que tanto faz tribular os nossos ambientes e que constitui uma dura luta na pedagogia do amor, e não simplesmente um pecado a confessar. O pecado é a última coisa, é a atitude que é invejosa.
A inveja está muito presente nas comunidades sacerdotais. E a Palavra de Deus diz-nos que é a atitude destrutiva: por inveja do diabo, entrou o pecado no mundo (Cf. Sab 2, 24). É a porta, a porta para a destruição. E sobre isso devemos falar claramente: em nossos presbitérios, há inveja. Nem todos são invejosos. Isso não! Mas a tentação da inveja está sempre à espreita. Tenhamos cuidado. E, da inveja, provem a murmuração.
Para nos sentir parte da comunidade, do «nós», não é preciso usar máscaras que deem, de nós mesmos, apenas uma imagem vencedora. Ou seja, não precisamos de nos “vangloriarmos”, e menos ainda de nos “orgulharmos” ou, pior, assumir atitudes violentas, “faltando ao respeito” com quem nos rodeia. Há também formas clericais de “bullying”. Com efeito, se um sacerdote tem algo de que gloriar-se, é a misericórdia do Senhor; conhece o seu pecado, a sua miséria e os seus limites, mas experimentou que, onde abundou o pecado, superabundou o amor (cf. Rm 5, 20); e esta é sua primeira boa nova. Um sacerdote que tenha isto presente, não é invejoso, não pode ser invejoso.
Para pensar e partilhar:
1. Porque ao falar do pecado da inveja, Francisco começa com a frase de São Paulo: Ninguém pode dizer: Senhor Jesus, a não ser no Espírito Santo (1Cor 12,3);
2. Por que Francisco chama o pecado de inveja de blasfêmia?
Paz e Bem! Fraternalmente, Frei Dorvalino Fassini, OFM e Marcos Aurélio Fernandes
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