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6º Encontro (13/03/21) - São Francisco, um convertido por excelência

  • Foto do escritor: Frei
    Frei
  • 12 de mar. de 2021
  • 7 min de leitura

Atualizado: 13 de mar. de 2021


2º Estágio (continuação): Da conversão espiritual: São Francisco

na viagem para a Apúlia


No último encontro vimos o 2º estágio da conversão de Francisco: a Conversão espiritual. Hoje vamos retomá-la a fim de ver mais de perto sua graça e sua importância não só para ele, mas também, e principalmente, para todos nós.


No capítulo II da Legenda dos Três Companheiros, lemos como Francisco se comportou na prisão, depois de Assis ter perdido a guerra contra Perusa; como, depois de reestabelecida a paz, procura consumar o propósito de fazer-se cavaleiro. Para isso alista-se no exército de um senhor feudal, e se dirige para participar de uma expedição na Apúlia. Neste ínterim, ele é visitado pelo Senhor. Em forma de sonho vê um palácio ameno, cheio de armas e com uma formosa noiva. Depois, tomado pela sonolência, ele escuta alguém que o interroga: quem te pode fazer melhor? O Senhor ou o servo?”. Francisco responde: O Senhor”. E o primeiro: Por que, então deixas o Senhor pelo servo e o príncipe pelo vassalo?” Ouvindo esta interpelação, vem então a famosa pergunta de Francisco: “Que queres que eu faça, Senhor?” E Aquele que o interpelava: “Volta para Assis e lá te será dito o que deverás fazer”. E acrescenta: “Pois, te é necessário entender de outra maneira a visão que tiveste”.


Esta narrativa não fala apenas de Francisco. Fala da nossa história, da visão de cada um de nós, de todos os seres humanos. Todo homem, todo povo tem sua visão. Por isso, a história da visão singular de São Francisco, em sua exemplaridade, tem sentido universal. Fala da caminhada do ser humano na viagem da experiência em que está em jogo, sempre de novo, o desejo, a visão de libertar-se para a grandeza, para a liberdade da verdade do espírito.


História humana é viagem, é visão que se dá muitas vezes em meio a nossas sonolências, é a dinâmica da via, do caminho. No caminho, na dinâmica de suas vicissitudes e peripécias, o homem é posto à prova, exposto ao perigo de perder-se. Mas, também e por isso, é convocado, sempre de novo, a ganhar-se. Perde-se, quando a libertação para a liberdade se frustra, e o homem sucumbe ao engano, à ilusão, ao erro, à mentira, à inautenticidade. Ganha-se, quando a libertação para a liberdade deslancha, é bem sucedida, resulta feliz, e o homem entra na abertura da verdade, isto é, da revelação e da iluminação, que faz com que o viver passe a brilhar num novo esplendor e a tinir numa nova ressonância, onde reina uma jovialidade serena e uma serenidade jovial, que chamamos “paz”.


A este vigor de vida, de verdade (abertura, iluminação, revelação, claridade) e de liberdade nós chamamos “espírito”. Espírito não é o imaterial, o não corporal, o não concreto. É que o material no universo e o corporal no homem participam da vitalidade do espírito. Espírito, também, não é o subjetivo do homem e no homem, seu intimismo. Espírito é, antes, uma força de vida, de verdade e de liberdade, que transcende o homem. O homem se liberta, à medida que ele se ergue para além de tudo que o circunda, para além de suas necessidades e interesses, de suas cobiças, e desponta para uma dimensão nova, infinita, aberta, acolhedora. Eis o que se chama “espírito”.


E quando o homem aceita, acolhe essa nova dimensão; quando faz a virada, desprendendo-se de seus interesses subjetivos, egocêntricos, para a realidade do espírito, isto é, para o transcendente sopro de vida, verdade e liberdade, é o que nós chamamos de “conversão espiritual”. É o que o Evangelho chama de “pobres de espírito” ou de “pobreza de espírito” ou , ainda, “pobreza no espírito”.

Essa conversão espiritual consuma o estágio ético da vida e prepara o estágio religioso. Na situação descrita no capítulo II da Legenda dos Três Companheiros, São Francisco já tinha alcançado o estágio ético, mas ainda não o estágio religioso da vida. Ele já vivia como um homem nobre em costumes. Em seus gestos e ações aparecia envolvido na leveza e no brilho das virtudes naturais. Sua fortaleza de ânimo era tal que era capaz de enfrentar uma situação deprimente, como a do cárcere, com hilaridade e jucundidade, com alegria. Essa alegria mostrava que ele não se deixava abater pelas adversidades. Além do mais, mostrava-se ser um homem nobre mesmo com quem era vil. Francisco sabia ser um verdadeiro companheiro dos homens; mostrava-se generoso, atencioso com os mais fracos e os mais pobres. Assim, embora social e oficialmente não fizesse parte da nobreza, da cavalaria, aos poucos adquirira o verdadeiro “ethos”, o mundo do cavaleiro, do nobre.


É então que Francisco concebe o projeto de tornar-se, oficial e socialmente, um cavaleiro, alcançar a condição de nobre, a glória de um príncipe. É maravilhoso, então, e digno de nota que o Senhor se aproveite desse impulso e vá ao encontro do desejo de glória de Francisco, de sua cobiça, aliciando-o e seduzindo-o ainda mais para a conquista de glórias ainda maiores. É como se Deus lhe dissesse: “Francisco, o que tu queres e buscas é muito pouco! Deves querer e buscar coisas ainda mais altas!”


Francisco, porém, interpreta tudo do seu jeito, como se a visão fosse presságio de grande prosperidade e ele se tornaria um príncipe deste mundo. Enfim, ele ainda não alcançara a dimensão do espírito. É importante o que o texto latino diz: “saeculariter cogitans, tanquam qui nondum spiritum Deis plene gustaverit”, isto é, cogitando de modo secular, como quem ainda não degustasse plenamente o espírito de Deus. Francisco, tomado de uma alegria insólita, cogitava, isto é, coagitava-se, fervia, em seus pensamentos. Mas, ainda não compreendia o caminho da libertação para a liberdade da verdade. Ainda se deixava iludir pela glória da superficialidade exterior e social. Ainda era “Maria vai com as outras!” Pensava e desejava o que os outros pensavam e desejavam; percorria as estradas batidas dos homens do mundo que seguem, deslumbrados, pelo brilho das aparências, vias da vaidade, que se mostram, ao fim e ao cabo, caminhos de errância.


Este é o “cogitar secular”, a agitação do mundo, que veda ao homem o acesso à verdade de toda existência e de Deus. O homem não pode, aí, nessa agitação, compreender o caminho da liberdade da verdade, e nem pode degustar plenamente o espírito de Deus. A sapiência, que é a experiência espiritual, no sentido do saborear o espírito de Deus, não é dada aos estultos que se consideram inteligentes, sagazes, espertos, segundo o modo de cogitar habitual dos homens.


Era preciso, pois, outra visão! Um ver novo, diferente! É o que acontece na segunda visão. Nessa, através de um intenso interrogatório e de uma audaz interpelação, é revelado a Francisco o descaminho da aparência, do engano, da ilusão em que ele caminhava, na viagem à Apúlia. Aquele que o interpela não extingue o desejo de glória de Francisco. Apenas mostra que há uma glória maior, que ele ainda não consegue alcançar com sua visão, que, na verdade, é uma cegueira. Com seu afã de ser exteriormente bem sucedido, ele ainda estava servindo ao servo e não ao Senhor, ao vassalo e não ao príncipe. Ele precisava retornar a Assis, sua terra natal, para um novo nascimento.


O retorno a Assis marca a conversão espiritual de Francisco. Abandona um caminho, bem conhecido, para buscar outro, ainda desconhecido, oculto. À cogitação (cogitatio) vã irá suceder a inteligência espiritual (intelligere). A inteligência do espírito não é esperteza ou sabedoria deste mundo, mas, antes, capacidade de entre-ler o sentido das coisas da vida e de, assim, se deixar encaminhar de maneira bem sucedida na viagem da libertação para a liberdade da verdade.


O texto diz que, depois da primeira visão, Francisco caminhava por uma via extra-vagante, isto é, uma via que desviava para fora, para o extravio. Ora, a verdade e a liberdade não se encontram nas exterioridades, mas na interioridade, como dizia Santo Agostinho: não vás para fora, entra em ti mesmo; é no homem interior que habita a verdade. Por isso, o texto diz: “in ista collegit intus se totum”, ou seja, nesta visão, se recolhe totalmente em si. Conversão espiritual é intro-versão, centro-versão. É voltar para dentro de si. Não para dentro do eu de sua subjetividade, que levaria para a enfermidade, a insegurança e a tristeza do intimismo, do isolamento. O dentro de si, aqui, é o centro, a raiz, o mais íntimo de si, a fonte onde se encontram e habitam todas as criaturas e o próprio Deus. É o lugar da ceia, da comunhão com Ele e com todos os homens e todas as criaturas. E quando isso acontece o homem encontra o que supera o homem: o divino. Grande era, pois, a força daquela visão. Por isso, Francisco não se cansava de admirá-la e considerá-la diligentemente.


Essa conversão espiritual abre Francisco para a conversão religiosa. E, de fato, o capítulo II da Legenda termina dizendo que, ao retornar a Assis, ele aparecia como outra pessoa: “immutatus iam mente”, isto é, já mudado desde dentro, na mente, desejava conformar-se à vontade divina.


Francisco, assim, movido pela graça desse novo e misterioso encontro, se dispunha a querer o que e como o Senhor quer. Sua boa-vontade irrompia, assim, na dimensão do relacionamento pessoal, do encontro com um novo ou outro Senhor. Não aquele da Apúlia. Ele avançava, assim, na viagem da sua existência, numa nova estação e estágio, que chamamos de religioso-crístico.


No próximo encontro o veremos entrar de cheio nessa dimensão.



Para pensar, conversar e comentar:


1. Como se caracteriza a conversão humano-ética e a conversão espiritual? Qual a importância dessa última para a realização do humano?

2. Como entender a misteriosa visão de Francisco em seu processo de busca da grandeza humana? Será ela um fenômeno particular, individual, só de Francisco ou de todo homem?



Continue bebendo do espírito deste tema:


- indo ao texto-fonte: Da conversão espiritual: São Francisco na

viagem para a Apúlia


- postando seus comentários;


- ouvindo no YouTube: Frei Dorvalino - Da conversão espiritual: São Francisco

na viagem para a Apúlia


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Próximo Encontro: São Francisco, um convertido por excelência: Sua Conversão religiosa, crística – 3º Estágio



 
 
 

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2 Comments


Mariana Coltro
Mariana Coltro
Jun 10, 2021

Acredito que todos nós somos chamados e orientados de uma maneira ou outra pelo Senhor, porém, acho que Francisco foi O escolhido pelo Pai para fazer a mudança na Igreja, onde esta deveria voltar-se ao que realmente queria Jesus, ao seu modo de vida, à sua humildade e dedicação aos pobres.

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silviamfve
silviamfve
Apr 14, 2021

1.A conversão humano- ética se carateriza pela posesao dos valores naturais, de passar do egoísmo ao compartilhar com os outros, de ser alegre na adversidade, de ser gentil e educado.

A conversão espiritual se carateriza pelo encontro com o divino que esta no profundo e no centro da pessoa, com querer fazer a vontade de Deus, passar da superficialidade e os próprios interesses subjetivos a uma profundidade do ser. A importância de esta conversão para a realização do humano e que ajuda a pessoa a ganhar a liberdade e a encontrar sua própria verdade o seja ser libre de tudo para ser plenamente humano e conseguir a paz ( a jovialidade do ser) porque se encontra com Deus, consigo mesm…

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