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69º Encontro 03/9/22 7ª Admoestação Que a boa operação siga a ciência - Espírito e restituição

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    Frei
  • 5 de set. de 2022
  • 14 min de leitura


Que a boa operação siga a ciência


3ª parte: A Ciência da boa operação


3ª parte: Espírito e restituição



A VII Admoestação toca num dos temas mais importantes da Espiritualidade de São Francisco: a Ciência da boa operação. Por isso, vamos retomá-la hoje procurando olhar com mais detalhes o dito do Apóstolo Paulo. Vamos ler de novo o texto:


Que a boa operação siga a ciência


Diz o Apóstolo: A letra mata, mas o espírito vivifica. São mortos pela letra os que cobiçam saber só as palavras, a fim de serem tidos mais sábios entre os outros e poderem adquirir grandes riquezas, para dá-las aos parentes e amigos. E são mortos pela letra aqueles religiosos que não querem seguir o espírito da letra divina, mas só cobiçam saber mais palavras e interpretá-las para os outros. E são vivificados pelo espírito da letra divina os que não atribuem a si toda a letra que sabem e cobiçam saber. Mas, pela palavra e pelo exemplo, devolvem-na ao altíssimo Senhor Deus, de quem é todo o bem.



Introdução


Nossa proposta é entender o ethos da ciência da boa operação ensinada por São Francisco. Ethos significa “morada”, um modo de ser, de viver, de ser no mundo, um modo de se deter, de perdurar sobre a terra, próprio da liberdade humana. Este modo se traduz no “como” das atitudes que regem nossos comportamentos, nossos atos, nossos hábitos e costumes.



1. A boa operação uma ciência do espírito


Nossa proposta, portanto, é tomar o ensinamento de São Francisco nesta Admoestação VII como uma indicação de como podemos cuidar do cultivo desta ciência da boa operação. Esta é uma ciência do espírito. Espírito quer dizer: sopro de vida, vida da vida. Quer dizer também: fogo, paixão que acalenta e ilumina o viver humano. A ciência da boa operação, praticada e ensinada com grande maestria por São Francisco, é uma ciência da experiência da vida real, do corpo a corpo da existência, segundo e seguindo a dinâmica do Espírito. Por isso, esta ciência pode ser chamada de “espiritualidade”. Ela é a cura, isto é, o cuidado do Espírito. Diz, por exemplo, a Legenda, que Francisco, depois de haver negado a esmola a um pobre que lhe pedira em nome de Deus, foi iluminado pela graça divina, repreendeu-se da grande grosseria (LTC 3).


Esta ciência, em São Francisco, se encarna, por sua vez, como seguimento de Jesus Cristo no corpo a corpo da pobreza evangélica, isto é, do desprendimento, da humildade, da minoridade (niilidade). Ela é ciência da Cruz. É o saber que resguarda a clarividência, a iluminação da Cruz. Este saber é, no fim das contas, mais que visão, clarividência, iluminação; é também sapiência, isto é, sabor, gosto, alegria de viver. É jovialidade da caridade.


O sinal de que alguém foi agraciado com esta ciência jovial da caridade são os frutos do espírito que despontam a partir das obras do amor. Esse que põe em obra a verdade, que consuma as obras da caridade, faz frutificar os frutos do Espírito, vai compreender de fato, para valer o Evangelho, as Escrituras. Testemunhos admiráveis dessa floração são os Atos dos Apóstolos e os famosos Igreja Fioretti ou Atos do Bem aventurado Francisco e dos seus Companheiros.


Daí, podemos dizer com frei Hermógenes Harada: “Em referência às Sagradas Escritu­ras, a boa operação é a compreensão bem experimentada e real, que deu frutos em obras. Quando não ficou boa na prática, não teve verdadeira compreensão”. Frei Egídio de Assis, outro grande estudioso, pesquisador e cientista desta ciência, que ele chamava de “ciência útil”, em consonância com isto, dizia: “o sumo de toda a ciência é temer e amar a Deus; estes dois te bastam. O homem tem tanta sabedoria, quanto age bem, e não mais[1].


Assim, a ciência da boa operação, ensinada nas Sagradas Escrituras, só é alcançada realmente quando o discípulo de Jesus é capaz de amar a Deus e ao próximo como Jesus Cristo. A verdade do amor, porém, se dá não em discursos, na dissipação do verbalismo, do palavrório, da falação. A verdade do amor se dá em gestos, em comportamentos, em atos e hábitos, enfim, em obras e em frutos de boas obras. Por isso é que frei Egídio recordava o que dizia o Apóstolo João: “Não amemos em palavra nem em língua, mas em obra e em verdade” (1 Jo 3, 18) [2]. E frei Egídio arrematava: “A Palavra de Deus não é de quem ouve ou fala, mas de quem opera”. Este sentido de ciência como amadurecimento da compreensão e da compreensão como capacidade de ser era muito claro para os antigos e medievais, mas nós hoje vivemos esquecidos dele.


São Francisco era um estudioso que conhecia este nível mais alto da ciência, lá onde a ciência vira nesciência, o saber em não-saber e que os medievais chamavam de “Douta Ignorância” (Nicolau de Cusa). Ele, em seu estudo, se movia no “nível transcendental” da ciência. Sua ciência, virada em nesciência, era pura recepção ao mistério, permeabilidade ao mistério.



2. A boa operação como recepção graciosa e restituição humilde


Vamos, pois, propor interpretar o dito da Admoestação VII a partir desta proposta: a ciência da boa operação é, em seu ápice, recepção e restituição, na dinâmica da gratuidade. É um humilde receber e restituir a iluminação que vem do mistério, do “infindável”. Mais que modéstia, moderação na estima de si, humildade é estar com os pés bem plantados na terra da verdade da finitude humana. Não, porém de uma finitude ressentida, mas e antes, de uma finitude agraciada: uma finitude que se mede com a infinitude do mistério, que dele recebe e, recebendo, devolve, restitui, em gratidão toda a dádiva recebida. A este método São Boaventura chamou de “reductio”, redução. Reduzir não é, aqui, meramente um diminuir, restringir. Redução é devolver à fonte da iluminação tudo o que dela o homem recebe, por estudo ou por inspiração.


Há uma ciência que mata, a ciência da letra. Em grego temos a palavra usada por São Paulo e retomada por São Francisco: gramma. Esta palavra tem vários significados: inscrição, desenho, símbolo, o que está escrito, a letra, a lei, a literatura. Desde tempos imemoriais o ser humano teve o gosto de esculpir, gravar, desenhar e pintar, a fim de fazer chegar sua mensagem por meio de uma conversa interminável. Daí surgiu a escritura, o alfabeto, uma verdadeira revolução na cultura dos povos, algo comparável com o surgimento da imprensa na modernidade e com a tecnologia da informação e da comunicação digital e virtual nos nossos dias. Muito se conquistou.


No entanto, também se introduziu uma esquizofrenia histórica: a dissociação entre vida e trabalho, entre a visão e os outros sentidos, entre palavra (rhema) e coisa ou realidade (prágma), entre pensamento, intuição e sentimento. Tornou-se possível ler sem participar e viver. O homem desenvolve uma mente que se desliga do todo do mundo, da vida.


A partir da letra surgiram os livros e, assim, os escribas, detentores da cultura escrita, letrada, do conhecimento da escritura, da literatura. Na vida política e na vida religiosa dos povos mais antigos, os escribas têm um papel determinante. Mesmo no mundo judaico, os escribas têm uma liderança significativa. Lendo o evangelho, conhecemos a crítica que Jesus faz aos escribas, especialistas nas Sagradas Escrituras: sua falta de humildade (Mt 23.5ss.), seu egoísmo (Mc 12.40a), sua falta de sinceridade (Mc 12.40b) e a falha na prática do que pregam (Lc 11.46). Sua compreensão das Escrituras mesma se perde na casuística e perde de vista o essencial da mensagem divina: a vontade de Deus contida na dupla lei do amor (cf. Mc 7.9ss.). São Paulo, que era ele mesmo um escriba ordenado, lembra como os escribas se fecharam à palavra da Cruz e, nisso, entende que se dava o cumprimento da profecia de Isaías, que diz: “destruirei a sabedoria dos sábios e reprovarei a prudência dos prudentes” (Is 29, 14). E pergunta: “Onde está o sábio? Onde o letrado (escriba = grammateus)?” (1 Cor 1, 20 a).


São Francisco retoma a oposição que São Paulo faz entre “gramma” (letra) e “pneuma” (espírito): “a letra mata, mas o Espírito vivifica” (2 Cor. 3, 6). Esta antítese, que não é absoluta, mas relativa, quer dizer: o que está escrito e prescrito na Escritura não tem, em si e por si, o poder de comunicar a vida. Só Cristo e o Espírito podem vivificar o coração do ser humano. Só a partir do Cristo e do Espírito é que a Escritura tem sentido. E o sentido da Escritura é a mensagem do Deus amor. A aliança nova e definitiva que Deus faz com os seres humanos em Cristo e por Cristo no Espírito é um acordo que se dá no coração e que se concentra na operação gratuita, graciosa e jovial da caridade. Aqui retornamos ao “Hino à caridade”, de São Paulo: se alguém tiver o dom da fé, das línguas, da profecia, do conhecimento, mas se não tiver a caridade, não tem riqueza nenhuma diante de Deus.



3. Mortos pela letra, cultivadores de uma ciência oca


São Francisco realiza uma verdadeira crítica, isto é, um discernimento, da ciência (do saber), a partir da oposição entre os “mortos pela letra” aos “vivificados pelo espírito”.


Primeiramente, São Francisco faz uma advertência contra um cultivo vão, isto é, oco, do saber. Depois ele indica em que consiste o cultivo pleno, genuíno, da ciência, isto é, do saber. Vejamos primeiramente a advertência contra o cultivo vão do saber, que é próprio dos “mortos pela letra”. Estes, os mortos pela letra, são caracterizados em dois planos. Num primeiro plano, São Francisco fala de modo geral, indiscriminado. Num segundo plano, ele fala de “religiosos” (religiosi).


3.1. Para todos de modo geral


Tomemos o primeiro plano, isto é, o indiscriminado. A única coisa que São Francisco diz é que os mortos pela letra, aqui, são o que cobiçam saber palavras, para serem tidos entre os outros por sábios, e para adquirir grandes riquezas e dar aos parentes e amigos. Ao lermos estas palavras de São Francisco parece que ficamos sem saber o que pensar. Parece que ao escutarmos o que São Francisco está dizendo algo não “bate no pino”. Entretanto, se tentarmos ver nestas palavras de São Francisco uma indicação sobre um modo de ser, uma disposição permanente ou uma atitude vã, oca, sem vitalidade e vivacidade, sem fôlego de vida, então talvez possamos intuir algo. Neste modo de ser a ciência não é um relacionamento com a verdade das coisas, com a verdade da vida, mas a cobiça de apenas saber, saber palavras; uma ciência confundida com erudição, sem o desdobramento de uma compreensão amadurecida da experiência da vida.


Esta ciência é chamada por Frei Egídio de “ciência inútil”, dissipação do verbalismo, do bla bla bla. A linguagem do mistério, aqui, não ressoa. O falar humano não condiz com a fala da realidade, não corresponde à consonância quieta do mistério. É mero ruído. Na multidão de palavras não ecoa a força da palavra. Fala-se muito e não se diz nada. Tal fala, por não ser sustentada com o dizer das boas obras do amor, soa vazia. Tal pessoa que se olha a si mesmo e que quer ser visto pelos outros como sabe-tudo é como uma árvore que dá folhas sem dar fruto. Ela é, como dizia Paulo, como “metal que ressoa, um címbalo retumbante”. O seu estudo é mal orientado porque visa valores menores, frívolos: os valores do poder e do ter. O saber, aqui, não é cultivado em vista do crescimento da identidade humana na dinâmica do ser. Ele é cultivado em vista do prestígio social, da vaidade da publicidade, do show, do espetáculo. Quem presume acumular o saber neste direcionamento do estudo, acaba se tornando autoritário, cheio de si, convencido de ser uma autoridade naquele ramo do saber a que ele se dedica. Mas tudo isso é vaidade e estultícia.


O cultivo do saber aqui é cultivado também em vista do ter: ter dinheiro, ter prestígio, ter comodidade, ter a bajulação e a subserviência de parentes e amigos. Ao criticar este modo de ser mal orientado no relacionamento humano com a ciência, São Francisco parece estar advertindo para um cultivo da inteligência e da ciência em que a perspicácia se reduz a mera esperteza e astúcia. É o cultivo da ciência sem espírito. A ciência da inteligência sem espírito vira tecnicismo e vaidade. De São Francisco se poderia dizer o que o professor Emmanuel Carneiro Leão escreve: “os pensadores medievais pareciam intuir a prepotência, com que o poder do conhecimento viria se antecipar às realizações e afirmavam a fé como o real da razão. Sem a fé que anima todos os homens a sabedoria do mundo se torna loucura [3]. Nós poderíamos redizer: sem a caridade, sem a gratuidade do Espírito, a ciência da letra mata.



3.2. Para religiosos


Num segundo plano, São Francisco fala de religiosos. Entre os mortos pela letra se encontram também religiosos. Trata-se daqueles que não querem seguir o espírito da divina letra, mas só cobiçam saber mais palavras e interpretá-las para os outros. A leitura da Sagrada Escritura há que ser feita a partir do Espírito e de Cristo, por e para pôr em obra a vontade do Pai, o amor-gratuidade, a caridade. O teólogo franciscano João Duns Scotus captou isso muito bem. Ao defender que a “teologia” é uma ciência “prática” e não uma ciência “teorética”, ele se atinha a esta compreensão da revelação divina e sua mensagem contida na Sagrada Escritura. Seguir o espírito da letra da Escritura é, no fim das contas, seguir a Jesus Cristo pobre, humilde, crucificado, tendo-o como o modelo supremo a ser imitado. Tal seguimento se concretiza pelas obras do amor. Aqui podemos evocar o que escreveu o pensador dinamarquês Kierkegaard, em seu livro “As obras do amor”. Lá ele evoca “a vida oculta do amor e sua cognoscibilidade pelos frutos”. Ele lembra que “o próprio amor, num certo sentido, mora no oculto e, justamente por isso, só se dá a conhecer pelos frutos que o revelam”. E acrescenta: “toda e qualquer vida, e assim também a do amor, é oculta enquanto tal, porém só se revela em uma outra coisa. A vida da planta é oculta, o fruto é a revelação; a vida do pensamento é oculta, a expressão do discurso é que revela”. A vida do amor, do mesmo modo, deve permanecer oculta em sua origem. A vida oculta do amor é, porém, cognoscível pelos frutos. Uma árvore se deixa conhecer por suas folhas, certamente. Mas, de modo mais essencial ela se deixa conhecer por seus frutos. E recorda o que diz São João: “filhinhos, não amemos com palavras nem com a língua, mas com obras e em verdade” (1 Jo 3, 18). As palavras, a língua, são como que folhas do amor. Mas as obras são como que os frutos. Elas é que mostram de modo essencial se há no ser humano o vigor do amor ou não.


Assim, um saber das Escrituras que se detém em palavras e em interpretações para os outros é um saber superficial, que não segue o espírito das divinas letras. Ele não vai ao coração das Escrituras, mas permanece na periferia. Quem se detém nesta superficialidade e nesta periferia, permanece morto pela letra, isto é, ele não tem o vigor, a vitalidade, a vivacidade da operação do amor; permanece extro-vertido em seu saber, isto é, o seu pretenso saber não o faz voltar para si mesmo, para a sua própria vida, não o leva a corrigir-se e a aperfeiçoar-se a si mesmo no seguimento de Jesus Cristo. Frei Egídio, nos seus ditos a respeito da ciência útil e da ciência inútil, adverte contra a tendência desta extroversão, que é quando alguém quer saber para os outros e não para si mesmo. Ele dizia:


[...] não sejas demasiadamente solícito em ser útil aos outros; mas sê mais solícito em seres útil a ti mesmo. De vez em quando, queremos saber muitas coisas para os outros e poucas para nós... Muitos, não sabendo nadar, entraram nas águas, para ajudar aos que nelas pereciam e com eles pereceram. Antes havia um dano; depois, dois. Se procuras bem a saúde da tua alma, procurarás bem a saúde de todos os teus amigos. Se fazes bem teu feito, fazes bem o feito de todos os teus benevolentes... Bem-aventurado é aquele que dirige os outros por caminho reto, de tal modo que ele mesmo não cesse de caminhar por ele, e convida os outros a correr, de tal modo que ele mesmo não desista de correr. E assim ajuda a outros ficarem ricos, sem com isso ele mesmo tornar-se pobre [4].



4. Vivificados pelo espírito


Por fim, São Francisco fala daqueles que são vivificados pelo espírito das divinas letras. São aqueles que não atribuem a si toda a letra que sabem e cobiçam saber. Mas, pela palavra e pelo exemplo, devolvem-na ao altíssimo Senhor Deus, de quem é todo o bem”. Frei Hermógenes Harada assim elucida:


Os que sabem que nada são por si, mas que tudo sabem a partir do vigor de Deus e, portanto, reconhecem (restituem) seu saber como vindo de Deus, es­tes são vivos; estes se colocam "no espírito", são cheios de vigor, de tal sorte que podem dar frutos. E ao estarem cheios de vida e darem frutos, resti­tuem todo o bem a Deus, a quem todo bem pertence.


A marca, pois, da ciência da boa operação, da ciência do espírito é a restituição. É uma marca da pobreza no espírito. Pobre no espírito é aquele que nada sabe, isto é, aquele que não se apropria de nenhum saber. Para ele conhecer é, fundamentalmente, receber. Todo saber é, assim, dom, dádiva de uma iluminação, que, em última instância, vem do “Alto”. São Boaventura, em seu “Redução das artes à teologia”, uma espécie de discurso inaugural sobre a mística do estudo, diz assim:


"Toda a dádiva preciosa e todo dom perfeito vem de cima, descendo do Pai das luzes”, diz são Tiago (Tg 1, 7). Nessas palavras alude-se à origem de toda iluminação e, ao mesmo tempo, insinua-se com elas a liberalidade com que múltiplas luzes emanam daquela luz primeira, fonte de toda a luz. Embora toda a iluminação do conhecimento seja interna, podemos, contudo, introduzir uma distinção de razão e dizer que há uma “luz exterior” [lumen exterius], a luz da arte mecânica; uma “luz inferior” [lumen inferius], a luz do conhecimento sensitivo; uma “luz interior” [lumen interius], a luz do conhecimento filosófico; e uma “luz superior” [lumen superius], a luz da graça e da Sagrada Escritura. A primeira luz ilumina, no que se refere às figuras ou objetos artificiais; a segunda, no que se refere à forma natural; a terceira, no que se refere à verdade intelectual; e a quarta e última, no que se refere à verdade da salvação [5].


Para São Boaventura, a ciência não é tanto uma questão de dedução, mas sim de redução. Reduzir é levar de volta à sua fonte o saber. O saber é dom do espírito. Espírito é força de vida e de iluminação. Pobre no espírito é aquele que reduz o saber, isto é, que o restitui à sua fonte: a luz fontal, o “Pai das luzes”. São Francisco fala de restituir (dar de volta) tudo o que o homem sabe ou cobiça saber, não atribuindo a ciência ao próprio “corpo”, isto é, à sua própria personalidade, ao seu próprio ego e suas capacidades e habilidades carnais, ou seja, naturais. O pobre no espírito não considera a ciência como resultado de seus méritos, mas sim como dádiva da gratuidade da iluminação divina. Assim, “pela palavra e pelo exemplo”, ele restitui todo o saber “ao altíssimo Senhor Deus, de quem é todo o bem”.


Todo o estudo e toda a ciência, na concepção franciscana de ciência, mais que voltada para a verdade, está voltada para o bem. O bem é o que concede e garante o vigor de ser. O bem é o que resguarda a unidade do todo. Bom é o que é segundo o todo, o que promove a integridade. A ciência da boa operação é a ciência “útil”, isto é, salutar, sadia. É aquela ciência que busca e promove a totalidade da vida e não apenas uma parte. São Francisco foi grande mestre nesta ciência. Ele foi mestre em restituir toda a ciência a Deus, ao sumo bem. Terminemos nossa reflexão com uma indicação de frei Harada a respeito disso:


Bem é uma palavra importante para São Francisco. Mas o que é o bem? O bem é a presença da bondade. Bondade é o vigor que faz algo bom. Algo é bom quando está no ponto. Estar no ponto é estar naquele momento exato da plenitude de ser. A bondade é, portanto, o contí­nuo e sempre novo envio da plenitude de ser, o que mantém o ser na palpitação do momento exato da sua plenitude. Podemos assim dizer que a bondade é a fonte de todo bem. Quem vive a partir dessa bondade, está sempre no ponto; tudo que é, faz, pensa, sabe e sente é o bem, como a obra do vigor divino em cuja flu­ência está. Ser assim é "restituir" tudo a Deus como à fonte de todo o bem.


[1] DE 16, 5. FF, 2020, p. 1154. [2] Idem, ibidem. [3] Apresentação ao livro de Denise Quintão: Seguindo o todo por toda a terra: uma fenomenologia do arcaico nos gregos. Teresópolis: Daimon, 2007, p. 17. [4] FF, p. 1154. [5] Boaventura de Bagnoreggio. Escritos filosófico-teológicos. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1998, p. 351.



Para pensar e compartilhar:


1. O que significa “mortos pela letra” para todos em geral e em especial para os religiosos?

2. O que significa vivificados pelo espírito?


Paz e Bem!

Fraternalmente,


Frei Dorvalino Fassini, OFM e Marcos Aurélio Fernandes




Continue bebendo do espírito deste tema:


- indo ao texto-fonte: 69º Encontro - 7ª Admoestação - Que a boa operação siga a ciência - 3ª parte - A Ciência da boa operação - 3ª parte: Espírito e restituição


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