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67º Encontro 20/8/22 7ª Admoestação Que a boa operação siga a ciência - 3ª parte - A Ciência da ...

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    Frei
  • 22 de ago. de 2022
  • 13 min de leitura



Que a boa operação siga a ciência


3ª parte: A Ciência da boa operação


Diz o Apóstolo: A letra mata, mas o espírito vivifica. São mortos pela letra os que cobiçam saber só as palavras, a fim de serem tidos mais sábios entre os outros e poderem adquirir grandes riquezas, para dá-las aos parentes e amigos. E são mortos pela letra aqueles religiosos que não querem seguir o espírito da letra divina, mas só cobiçam saber mais palavras e interpretá-las para os outros. E são vivificados pelo espírito da letra divina os que não atribuem a si toda a letra que sabem e cobiçam saber. Mas, pela palavra e pelo exemplo, devolvem-na ao altíssimo Senhor Deus, de quem é todo o bem.



I. A CIÊNCIA E A SAPIÊNCIA DA CRUZ


1. Na Caridade que é Deus, a verdadeira ciência


A VIIª Admoestação de São Francisco retoma, de certo modo, o que já refletimos na VIª. Nesta última Admoestação, que tratava da imitação ou conformidade de Jesus Cristo crucificado, Francisco opunha o real seguimento pela “boa operação”, à mera recitação dos feitos de Cristo e dos santos e à busca de glória e honra por esta capacidade de narração. A diferença entre quem realmente se engaja no corpo a corpo do seguimento e quem apenas se dedica à recitação ou narração dos feitos de Cristo e dos santos é como a diferença entre os grandes cavaleiros e aqueles que contam e cantam os seus feitos. Na obra das Fontes Franciscanas intitulada “Compilação de Assis” vemos ecoar a lição desta VIª Admoestação e, neste eco, aparece um vínculo com o tema da ciência. A um noviço que morava em um eremitério e que pediu a São Francisco a permissão para ter um saltério, Francisco responde:


“O Imperador Carlos, Rolando e Olivério e todos os paladinos e os robustos varões, que foram poderosos no combate, perseguindo os infiéis com muito suor e trabalho até à morte, obtiveram gloriosa e memorável vitória sobre eles; e, por fim, os próprios santos mártires morreram em combate pela fé de Cristo. E são muitos os que querem receber honra e louvor humano só com a narração dos feitos que aqueles fizeram”. E, por causa disto, escreveu o significado destas palavras em suas Admoestações, onde diz: “Os santos fizeram obras, e nós, com recita‑las e prega‑las, queremos receber daí honra e glória”. Como se dissesse: a ciência incha, a caridade, porém, edifica[1].


Nesta passagem, a ciência que incha, isto é, que provoca um crescimento falso ou doentio, é oposta à caridade. Para os medievais, a “caridade” é o sentido de ser de tudo o que é. Todo o ser e todo o saber é regido pela “ordem da caridade”. A caridade é “ato puro”, presença, vigência que mantém e consuma o sentido de ser de tudo o que é. Deus mesmo é, essencialmente, caridade. A caridade é o âmago, o coração, melhor, as vísceras de Deus. Há um provérbio que diz: “fazer das tripas coração”. Deus fez das tripas coração para nos revelar este seu ser, que é caridade. A caridade é, assim, a plenitude do ser. Ela abre a imensidão, profundidade, originariedade do ser de tudo o que é. Ela abraça todos os entes, dos mais supremos aos ínfimos. Mestre Eckhart usava a palavra “Minne” para evocar a caridade. Esta palavra dizia, originariamente, amor misericordioso, de diligente cuidado, de benevolência tu a tu. Com esta palavra, no mundo germânico, se chamava o amor esponsal e, a partir do século XII, o “fino amor” do cavaleiro para com a dama, que ele tinha por sua Senhora. Trazendo à fala o sentido ontológico da caridade, da “Minne”, frei Harada, no glossário dos Sermões Alemães escreve:


A presença da pura e límpida doação total da Minne no todo, na totalidade do ente, do que é e pode ser, atua como imensidão, como profundidade, e como originariedade. Como imensidão Minne abraça e asssume todos os entes, desde os supremos até aos ínfimos, não deixando de fora nenhum ente, nem sequer o próprio nada. É a largueza da generosidade. Como profundidade, atravessa e impregna de cima a baixo todas as dimensões e ordenações do ente, de tal sorte que desce do céu até ao inferno, subsume, suporta, faz seus todos os altos e todos os abismos, todas as positividades e todas as negatividades do ente, penetra nos seus mais obscuros e ocultos recantos da maldade, para ali buscar, por mínimos que sejam, vestígios de igualdade com o seu ser-Minne, nos fundos dos mais variegados níveis da intensidade de ser. Como originariedade, Minne é como que o in-stante do ponto de salto de todo o ente, i. é, de cada ente, cada vez na novidade da primeira e última chance da possibilidade da acolhida do ser, se oferecendo sempre nova e de novo, como fonte, livre e solta na gratuidade da geração do ente, fazendo-o sua cria, seu filho, como a refundação de si, sem mais nem menos, na igualdade de condição.


Isso nos faz voltar a recordar o princípio de nossa leitura das Admoestações, pronunciado por frei Hermógenes Harada:


Quando, como cristãos, lemos as Admoestações de São Francisco, já estamos na idéia que do fundo e de antemão ilumina o todo e cada articulação das Admoestações. É a "idéia cristã" que São Francisco chama na RNB de "doutrina e pegadas de Jesus Cristo". Esta idéia cha­ve, esta "intuição" fundamental originária cristã pode ser resumida assim: Deus é charitas, isto é, amor-misericórdia, amor do Deus anun­ciado por Jesus Cristo e testemunhado até a morte na cruz, doa­ção que se torna Eucaristia, visualização "mate­rial" de como é esse Deus. Este é o chão fértil do qual brotam as Admoestações de São Francisco.


Há, portanto, uma ciência que não produz real e salutar crescimento da identidade humana. É a ciência que se encontra desvinculada do corpo a corpo do real combate da existência, que está alienada da vida fática e seu engajamento, daquilo que São Francisco chama de boa operação. A ciência, sem a caridade, não traz real crescimento da identidade humana. Essa compreensão de ciência apareceu já na Admoestação Vª.


O texto que estamos estudando é nitidamente um eco do belo hino à Caridade, de São Paulo. Recordemo-lo:

Se falar as línguas dos homens e anjos, mas não tiver a caridade, sou como bronze que soa ou tímpano que retine. E se possuir o dom da profecia e conhecer todos os mistérios e toda a ciência e alcançar tanta fé que chegue a transportar montanhas, mas não tiver caridade, nada sou (...). A caridade nunca acabará; as profecias? Terão um fim; as línguas? Cessarão; a ciência? Terminará. Pois nosso conhecimento é imperfeito e assim também a profecia. Mas quando chegar a consumação, desaparecerá o imperfeito (...) No presente vemos por um espelho e obscuramente; então veremos face a face. No presente conheço só em parte; então conhecerei como sou conhecido. No presente permanecem estas três: fé, esperança e caridade; delas, porém, a mais excelente é a caridade (1 Cor. 13, 1-2. 8-10. 12b-13).


Assim, para o cristão todos os valores mais sublimes do espírito humano nada são sem a caridade. Todos os valores se reduzem ao valor da caridade, isto é, ao valor: amor de Deus, “ amor-misericórdia, amor do Deus anun­ciado por Jesus Cristo e testemunhado até a morte na cruz”. A própria ciência, sem a caridade, nada vale. Ela se torna a ciência que incha, isto é, que produz um crescimento irreal, falso, e doentio da identidade humana. Foi em vista disso que São Paulo dizia, na mesma carta aos Coríntios que ele, depois de ter passado por Atenas e, quase totalmente em vão, ter pregado aos filósofos, ao chegar a Corinto adotou a seguinte atitude:


[...] resolvi entre vós não saber coisa alguma, senão Jesus Cristo, e este crucificado. Além disso apresentei-me a vós cheio de fraqueza, temor e tremor; minha palavra e minha pregação se revelaram, não em discursos persuasivos de sabedoria humana, mas na manifestação e no poder do Espírito, para que a vossa fé não se apoiasse na sabedoria dos homens, mas sim no poder de Deus (1 Cor. 2, 2-5).



2. Na Cruz de Cristo, o sumo da Caridade e da Ciência


Na mesma carta em que Paulo evoca a caridade que edifica (1Cor 8, 1) como a essência da identidade do ser-cristão (1Cor 13), ele adverte contra a “ciência que incha” (1Cor 8, 1) e opõe a “palavra da cruz” e sua “loucura” à “sabedoria dos sábios” e “prudência dos prudentes”, lembrando que “o sábio”, o “letrado”, o “pesquisador das coisas deste mundo” (1Cor. 1, 19-20) não têm acesso ao sentido da mensagem da “palavra da cruz”. Desta mensagem eles não têm a ciência, mas apenas a nesciência, a ignorância. São tomados por uma espécie de cegueira em referência à dimensão da “palavra da cruz” e sua mensagem. A verdade da fé lhes é inacessível. Não são pobres de espírito o bastante para se deixarem tocar pela palavra da cruz. É que, na dimensão transcendental da verdade da gratuidade e da gratuidade da verdade da fé, melhor dizendo, da caridade, a única maneira de conhecer é receber, e eles não se dão no empenho de receber, a única maneira de saber é experimentar e saborear, e eles não são bastante vulneráveis para isso. Por isso, a “sabedoria deste mundo” foi transformada em “loucura” (1Cor 1, 20). Trata-se da sabedoria do “homem animal”, do homem “carnal”, isto é, abandonado à mercê das possibilidades meramente humanas. Os “sábios segundo a carne” (1Cor 26), assim, se quiserem abrir-se a esta dimensão da verdade da gratuidade da fé-caridade, ou melhor, a esta dimensão da gratuidade da verdade da fé-caridade, precisam atentar para isso: “o que o mundo julga estulto, Deus escolheu para confundir os sábios... o que não é nada, Deus escolheu para destruir o que é” (1Cor 1, 28). A ciência e a sabedoria “deste mundo”, “segundo a carne”, é, para Paulo, a do “homem animal”, que “não percebe as coisas do Espírito de Deus” (1Cor 2, 14). Com efeito, estas coisas “são para ele loucura, e não pode entendê-las, porque é preciso julgá-las espiritualmente” (1Cor 2, 14). Paulo resume o modo de agir de Deus assim: “Uma vez que na sabedoria de Deus o mundo não o reconheceu pela sabedoria, aprouve a Deus servir-se da loucura da pregação para salvar os que creem” (1Cor. 1, 21). Assim, realiza-se uma eversão e uma transvaloração dos valores: o que nada vale, o que é vil e desprezado, traz, agora, a marca da distinção e da nobreza. A Mensagem cristã tem uma valência ôntica e onto-lógica: o que não é, é escolhido para reduzir a nada o que é. Estranho niilismo este! O não-ser traz consigo um novo e radical outro sentido de ser!


São Paulo e São Francisco têm uma única preocupação: “que não se desvirtue a cruz de Cristo” (1Cor 1, 17). Ambos reconduzem, assim, todos os valores, inclusive o valor da ciência, a esta nadificação. Somente a partir da pobreza do espírito, isto é, do nada do saber, da nesciência da fé, é que o ser humano pode se abrir a esta dimensão da “palavra da cruz” e da mensagem do Evangelho, melhor, a este mundo de verdade e de iluminação da fé-caridade, onde o único valor, melhor, o valor de todos os valores, o bem de todos os bens, é a gratuidade e graciosidade do dom, chamado “caridade”, “amor de Deus”, “ amor-misericórdia, amor do Deus anun­ciado por Jesus Cristo e testemunhado até a morte na cruz”.


Entretanto, Paulo, em sua primeira carta aos Coríntios, diz que, aos que creem, abre-se o acesso à sabedoria de Deus: “o que se julga loucura de Deus é mais sábio do que os homens”. Afirma que Cristo veio a ser para os que nele se encontram “sabedoria da parte de Deus”. Por isso, entre os “perfeitos”, isto é, entre os homens não carnais, fala-se “uma sabedoria que não é deste mundo, nem dos príncipes deste mundo, que perecem”, mas “uma sabedoria divina, misteriosa, escondida”, que tem sua origem em Deus. Ela excede as meras possibilidades humanas. Ela nasce da impossibilidade possível, da irrupção da gratuidade da verdade da fé. É uma sabedoria do mistério, uma sabedoria hermética, que guarda o que “nem olho viu, nem ouvido ouviu, nem jamais penetrou no coração do homem” (1Cor 2, 9). Trata-se de uma sabedoria revelada pelo Espírito: “A nós, porém, Deus revelou pelo Espírito. Pois o Espírito esquadrinha tudo, até as profundezas de Deus...” (1Cor 2, 11). Ela oferece o conhecimento dos “dons que Deus nos concedeu”, diz Paulo (1Cor 2, 12). A linguagem que comunica esta sabedoria não consiste em “discursos persuasivos da sabedoria humana”, mas na “manifestação e no poder do Espírito”. Dos dons de Deus não se há de falar “com estudadas palavras de sabedoria humana”, mas “com palavras aprendidas do Espírito, adaptando aos espirituais os ensinamentos espirituais” (1Cor. 2, 13). São Paulo ainda diz que há um julgamento diverso do julgamento do homem carnal, do homem animal, um julgamento que tem como critério os valores e as verdades tornadas acessíveis pelo Espírito de Deus. Trata-se de um julgamento superior, supremo: “o espiritual julga tudo, mas a ele ninguém pode julgar” (1Cor 2, 15). Esta sabedoria é a revelação do “pensamento de Cristo” (1Cor 2, 4).


Do mesmo modo, São Francisco descobriu na “loucura da cruz” uma ciência rara e sublime. Por isso, certa vez, num Capítulo Geral, ele afirmou: “O Senhor me disse que queria que eu fosse um novo louco no mundo. E Deus não quis conduzir‑nos por outro caminho, a não ser por essa ciência. Mas, por vossa ciência e sabedoria, Deus vos confundirá. Eu, porém, confio nos esbirros do Senhor, que vos castigará através deles, e ainda, voltareis ao vosso estado, para vossa vergonha, quer queirais quer não”[2].


Francisco aparece na história como um homem novo, portador de uma radical novidade. Ele é novo, como o Evangelho. Por e para deixar-ser esta novidade, o discurso de Francisco se faz duro e contundente. O discurso de Francisco brota do meio dessa dureza. Expressa-a. Esta dureza aparece como simplicidade e humildade, como pobreza, numa palavra, como a minoridade do “ser menor”. Esta dureza ressoa como liberdade para o Evangelho. A pobreza, como caminho do “ser-livre-para-o-Evangelho” tem um certo quê de selvagem, de indomável[3]. A forma de vida que Francisco toma como propósito se realiza como uma prontidão, uma disposição e uma disponibilidade, para a Boa Nova de Jesus Cristo, e “este crucificado” (1Cor. 2,2). Trata-se de uma postura de liberdade, de “abertura, prontidão, entrega e dedicação (Hingabe) para a boa-notícia de Jesus Cristo”[4].



3. Na “exinanitio” (esvaziamento) e na “kénosis” (aniquilação) de Cristo, a Ciência abraçada e seguida por Francisco


Mas, em que consiste a novidade do Evangelho? A “identidade” de Deus e Homem em Jesus Cristo. O tornar-se homem de Deus. “A vida, a ‘forma’ da existência franciscana é o Evangelho. Evangelho é a presença do Deus tornado homem no meio de nós”[5]. O propósito de Francisco é ser livre para a liberdade do Evangelho. O que está em jogo no Evangelho, a “Altíssima Pobreza”, é “a presença do amor de Cristo no meio de nós, em sua profundidade, vastidão, em sua largueza e altura, presença do evangelho, a boa-notícia do Deus humanado”[6]. O que está em jogo, pois, para ele, é seguir Jesus Cristo em sua “exinanitio”, em sua “kénosis”, esvaziamento, aniquilação. Ser-Menor é realizar junto com Jesus Cristo sua niilidade. A forma de vida abraçada por Francisco, o Evangelho, é ôntica e ontológica. Em seu caráter ontológico se sobressai a “niilidade” (nadidade). A “ciência” de Francisco é esta. Ele precisa defendê-la de uma “ciência e sabedoria” que atenua a radicalidade desta “ciência” que poderíamos chamar de “ciência” da cruz, ou de “ciência” da encarnação. A “ciência” de Francisco consiste em salvaguardar a verdade do Evangelho. Conhecer esta ciência é transformar-se por ela. É co-nascer com ela. É abraçar a fraqueza e a loucura do Cristo crucificado como poder e sabedoria de Deus.


Na raiz da minoritas jaz um conhecimento que não é mais um conhecimento no sentido usual da palavra, mas é o próprio ser e a própria vida: o conhecimento do nada. Francisco foi um homem radical. Seu conhecimento era tão simples e radical que alcançava sempre até a raiz de todas as coisas: e a raiz de todos os entes é em si e por si o nada[7].


Este niilismo nada tem de negativismo, de pessimismo. É que o negativismo, o pessimismo, não são radicais. O conhecimento do nada não é conhecimento de coisa alguma, não é conhecimento que se dá segundo o esquema sujeito-objeto. É co-nascimento com o nada – com aquele nada do qual todas as coisas surgem. Francisco, em seguindo Jesus, o Cristo da encarnação, o Cristo crucificado, nadificou-se, sempre de novo.


Francisco é radicalmente nada. Ele não tem substância, não tem peso, nenhum fundamento, nenhuma tradição, nenhum mérito, constantemente, a cada in-stante é vazio e abertamente nada. Esse ser-nada é o mais radical tomar ciência e acolher do ser-criatura...[8]


No não-poder da fraqueza e no não-saber da loucura da cruz vige este nada. A transparência com qual Francisco guarda este nada tem algo de contundente. No entanto, este nada não destrói, não aniquila, não desertifica. Pelo contrário, dá vigor, frescor, alegria de ser a tudo. Na luz deste nada tudo aparece na riqueza de sua identidade e diferença! “E uma vez que na luz do in-stante nadificante (nichtiges) tudo é si mesmo, tudo e qualquer coisa está presente de modo unicitariamente necessário, novo e com frescor! Esse estar-aí é graça e gratidão”[9]. A liberdade acontece, então, como uma abertura para tudo, desde o nada. Pobreza no espírito, pobreza de ser, essencial, é não carecer de outra coisa do que da liberdade. Ela abre o acesso à riqueza de ser, riqueza essencial (o tesouro do Reino de Deus). No nada do “sem próprio”, deixa-ser o próprio de todo o ente (de tudo o que é), deixa ser a propriedade do ser. A pobreza, ontologicamente falando, se realiza como finitude agraciada e agradecida. Finitude significa, aqui, depender de outro para ser. Por si e em si nada ser. A ciência (o saber como salvaguarda da verdade) e a sapiência (o saber como saborear) desta finitude é o segredo de Francisco. Ela concede uma serenidade jovial e uma jovialidade serena. Isso nos lembra o que dizia o poeta Hölderlin: “Pouco saber, mas muita jovialidade é dada aos mortais”.


Frei Hermógenes Harada, num texto sobre a espiritualidade franciscana, chamava a abertura do não-saber como “clareira, permeabilidade ao mistério”. Terminemos nossa reflexão com seu comentário, que diz:


O ad-vento dessa clareira, o dom da permeabilidade ao mistério, no entanto, exige o abandono radical do saber, do saber como poder de dominação, e com isso exige o abandono da pretensão da imortalidade, exige a acolhida da pobreza e da mortalidade.


Talvez essa mortalidade do pouco saber é o natal e a revelação da jovialidade, que é a inocência, a nascividade da Vida ‘divina’, livre da reinvindicação, isto é, do poder vindicativo da objetividade.


Somente tal saber da ‘indocta ignorantia’ consegue gostar, isto é, degustar, saber a Terra dos Homens, fazendo-a habitável aos mortais no Mistério da Jovialidade, sem soterrá-la sob a asfixiante e monótona uniformidade organizada de uma civilização científico-tecnológica de igualdade universal.


Talvez então consigamos ver a árvore florida enquanto árvore florida na sua maravilhosa singeleza, sem nos perdermos nas malhas complicadas das infindas interpretações. Pois, “Pouco saber, mas muita jovialidade, é dado aos mortais (Hölderlin).


[1] Compilação de Assis, n. 103, FF p. 792-793. [2] Compilação de Assis (n. 18). In: Fassini, Dorvalino e Oliveira, Aloísio Antônio de (coord.). Fontes Franciscanas. Santo André: Ed. “O Mensageiro de Santo Antônio”, 2020², p. 708-709. [3] Harada, Hermógenes. “A ideia do franciscanismo”. In: Scintilla – Revista de Filosofia e Mística Medieval. Vol. 11, n. 2, Jul./Dez. 2014, p. 111. [4] Idem, p. 114. [5] Idem, p. 127. [6] Idem, p. 128. [7] Idem, p. 131. [8] Idem, p. 132. [9] Idem, p. 135.



Para pensar e compartilhar:


1. Por que, para Francisco, a caridade que é Deus é a verdadeira ciência que se deve seguir?

2. Por que na Cruz de Cristo está o sumo da caridade e da ciência?

3. Por que ou como Francisco entende que o Evangelho é uma ciência?


Paz e Bem! Fraternalmente, Frei Dorvalino Fassini, OFM e Marcos Aurélio Fernandes

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