65º Encontro 06/8/22 7ª Admoestação Que a boa operação siga a ciência - 1ª parte - Sabedoria, ...
- Frei
- 8 de ago. de 2022
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Que a boa operação siga a ciência
Depois de ter-nos exortado acerca da nossa vocação-missão maior - imitar, seguir Cristo - Francisco, na VII Admoestação, vai nos dizer que essa busca deve dar-se a modo de uma boa operação, isto é, fiel à ciência.
[7. Que a boa operação siga a ciência]
Diz o Apóstolo: A letra mata, mas o espírito vivifica. São mortos pela letra os que cobiçam saber só as palavras, a fim de serem tidos mais sábios entre os outros e poderem adquirir grandes riquezas, para dá-las aos parentes e amigos. E são mortos pela letra aqueles religiosos que não querem seguir o espírito da letra divina, mas só cobiçam saber mais palavras e interpretá-las para os outros. E são vivificados pelo espírito da letra divina os que não atribuem a si toda a letra que sabem e cobiçam saber. Mas, pela palavra e pelo exemplo, devolvem-na ao altíssimo Senhor Deus, de quem é todo o bem.
1ª Parte: SABEDORIA, CAMINHO PARA A BOA OPERAÇÃO
Num primeiro momento, o título, poderia levar-nos a pensar que Francisco esteja falando do nosso conhecido e vulgar problema: “Teoria versus Prática”, desdobrado, muitas vezes, em slogans como “Para fazer é preciso, antes, saber”, “Primeiro aprender para depois fazer”, ou então: “Só estudar não adianta: o que importa mesmo é fazer, praticar, viver” e, enfim: “De teorias estamos cheios, o que precisamos é de ação”.
Mas, olhando melhor percebe-se que o texto não se afina com esses slogans. Francisco, por exemplo, começa falando não em ação, prática, mas, em operação: “Ut bona operatio sequatur scientiam”, diz o latim, isto é: “Que a boa operação siga a ciência”.
1. Viver é operar
Francisco é um artista nato. Gosta muito de termos como obra, operação, ofício. Para ele, o universo com as criaturas, a Igreja com os sacramentos, por exemplo, são obras. Obras de Deus (Cfr. CO 19) e, até mesmo a oração é um Ofício (Obra) divino. Clássica é a frase: mas, atentem para que, acima de tudo, devem desejar o Espírito do Senhor e seu santo modo de operar (RB 10,9). E, em seu Testamento, ao falar da Regra, diz que os frades devem observá-la até o fim em santa operação (Test 39).
Por isso, aqui, operação indica o modo de ser que deve marcar todos os trabalhos próprios do nosso gênero de vida, mesmo os considerados como simples e insignificantes, a exemplo do abrir ou fechar uma porta e, evidentemente, a própria “Vida Franciscana” que prometemos viver; um modo de ser e viver que se conduz pela paciência, pelo amor, sofrimento, num engajamento real e concreto com esse dom, trabalho ou vida.
Francisco está falando para pessoas que, como ele, movidas pela graça do encontro, abandonaram a vida do mundo para abraçar a Vida do Evangelho de Jesus Cristo, a grande e maravilhosa obra de Deus em favor dos homens, muito maior e mais admirável que a primeira criação. Por isso, o seguimento de Cristo, na observância de seu Evangelho, é a vida, a obra ou operação com a qual os frades devem se ocupar. Para os medievais, vida é o ser enquanto tem em si próprio, em sua interioridade, o princípio de seu operar. Por isso, para os primitivos franciscanos todas as suas ações, por mais insignificantes que pudessem parecer, como ajuntar lenha, buscar água deviam ser conduzidas no espirito da operação ou, como escreve Francisco a Santo Antônio: no espírito da devoção e da oração. Ou seja, tudo o que fizessem ou deixassem de fazer deveria ter sempre vivo o ardente desejo do seguimento de Cristo; de querer segui-Lo, imitá-lo. Assim, longe deles toda a busca centrada em seu próprio eu e/ou no seu espetáculo para o público, para o mundo. Assim, Frei Egídio, por exemplo, não se envergonhava de fazer qualquer trabalho vil, contanto que pudesse realizá-lo honestamente. (VE 11). Honestamente, significa no brio, no vigor de sua identidade de seguidor de Jesus Cristo. Por isso, também, sempre iniciava o dia ouvindo e colocando em primeiro lugar a Santa Missa e, cada trabalho, munindo-se com o sinal da santa Cruz (idem). Era assim que se fazia a formação na origem da Ordem! A Vida era sua formação e a formação sua Vida.
Por tudo isso, a vida, entendida como obra ou operação, se desenvolve num longo percurso, com fases de preparação, execução e conservação bem pensadas, planejadas, revisadas e acompanhadas. E, também, cada fase tem seus estágios de nascimento, crescimento e amadurecimento. Por isso, a vida, como toda boa obra conhece e exige um tempo para nascer, um tempo para crescer e um tempo para amadurecer e conservar. Como diz o livro do Eclesiastes: Tudo tem o seu tempo. Há um tempo oportuno para cada empreendimento debaixo do céu. Tempo de nascer e tempo de morrer; tempo de plantar e tempo de colher. São Paulo em sua Carta aos Efésios, por exemplo, fala do Plano de Deus acerca dos homens. Um plano muito bem pensado, muito amado, desejado, que vem de longe, desde a eternidade, lento, e realizado na plenitude dos tempos através da doação de seu Filho único aos homens, até à morte e morte de Cruz; Cristo com sua Encarnação, Morte e Ressureição é o grande mistério, isto é, a grande obra ou operação do Pai que se prolonga através da história até o fim dos tempos.
2. Seguir a ciência
Portanto, para que aconteça um fazer que esteja na dinâmica da operação, um fazer bem pensado, bem planejado e bem executado e bem conservado, diz a Admoestação, é preciso que se siga a ciência. Em outras palavras, para que sejamos bons operadores do nosso projeto franciscano de vida, é necessário seguir o caminho da Obra, do Mistério “franciscano”. Ciência, aqui, tem o sentido de “sabença”, de “saboreação”, de com-preender, de um poder-ser no sentido de ser capaz de levar adiante, de fazer vingar, e de deixar dar frutos em abundância o projeto de ser, no caso, franciscano; uma saber, portanto, que nasce do contato direto e imediato com os atos, os feitos do mistério da vida. É por isso, isto é, por estarem prenhes dessa ciência ou saber, que os Escritos de São Francisco e suas Legendas ou Vidas se tornam tão importantes para seus seguidores. Frei Egídio chama este saber de “ciência útil”. Útil significa que serve, ajuda na busca do ser, no caso, ser seguidor de Cristo pobre crucificado.
Francisco, assim, reconduz todas as ciências ao seu nascedouro primário e originário: o empenho para bem acolher a graça do florescer da Vida. Só então, se abrirá ao homem a graça, o dom da Sabedora maior, a Sabedoria de Deus.
Na Sagrada Escritura, Sabedoria é, acima de tudo, um dom, uma força de Deus, uma luz difundida, infundida, presente e atuante em todo o universo. No coração de cada criatura há um segredo, uma força que a faz existir, que a anima a ser o que é e deve ser. É através deste vigor que o universo inteiro e cada criatura capta e segue o segredo do percurso de sua identidade; é nesta e por esta força nasciva, vinda de Deus e infundida no seu âmago mais profundo que cada criatura, desde os seres mais elevados do céu até os mais ínfimos da terra, segue o caminho, isto é, a boa operação de sua existência. Em outras palavras, é seguindo este “instinto” - Sabedoria divina - nelas infundido, que cada criatura nasce bem, cresce bem e amadurece bem, tornando-se, cada vez mais, obra maravilhosa e encantadora, que leva o homem a exclamar, como os três jovens na fornalha “Obras todas do Senhor, bendizei o Senhor” ou, como Francisco: “Louvado sejas, meu Senhor, com todas as tuas criaturas” (CIS 1). Para Francisco cada criatura é fruto dessa operação amorosa de Deus. Ou melhor, essa operação amorosa de Deus só tem uma causa: seu amor, sua paixão pelo homem. Assim, cada criatura nasce bem pensada, bem querida, bem amada, bem criada e bem conservada e, por isso “saborosa”. Saborosa, tanto no sentido de portadora de saber como de sabor, gosto. Dentro dessa Sabedoria até a cruz se torna um “doce lenho!”
No homem, esta força nasciva, ou Sabedoria, não atua automática e instintivamente como nas demais criaturas terrestres. Em nós ela se faz presente e atuante a modo de liberdade. Por isso, exige nossa colaboração. Exige que participemos de sua atuação com os dons mais elevados e nobres com os quais o Senhor nos dotou: a inteligência, a vontade, a afeição, a sensibilidade, o amor, num engajamento total e completo de todo o nosso ser.
3. Na Regra e demais Escritos de Francisco o espelho da operação franciscana
O título original “que a boa operação siga a ciência” é, portanto, uma convocação para que a busca e o fazer de nossa Vida cristã e franciscana não se realizem de qualquer jeito, nem do jeito de quem quer que seja, mas, antes, sigam e persigam o jeito do bem fazer, da arte; que sigam o segredo, a lei da natureza própria desta Vida que tem como princípio originário, como Regra, Forma de Vida, a grande obra do seguimento de Cristo pobre e crucificado. Toda essa bela e boa operação vem explicitada e testemunhada na Regra, no Testamento e nas conhecidas Fontes Franciscanas. Essa mesma convocação, depois, vem expressa com o convite de “seguir o espírito da divina letra”. Enfim, essa nova Admoestação não passa de um desdobramento da anterior “Da Imitação do Senhor”, pois, se há alguém que sempre, desde seu nascimento até seu último suspiro procurou estar atento à Vontade do Pai, isto é, à sua Sabedoria, sua ciência, seu amor, numa santa e diligente operação, foi Jesus Cristo. Por isso, poderíamos dar-lhe, também, o título: Como tornar-se um bom e competente imitador de Cristo. Francisco responde, com São Paulo, seguindo a Sabedoria de Cristo que não é outra, senão a Cruz, o abaixamento, a humildade, a minoridade. E para abrir-se a essa Sabedoria é necessária uma busca intensa e total de encontro corpo a corpo, com Cristo pobre e humilde.
Sabedoria, caminho para a boa operação, hoje
Enfim, a Ciência de que fala Francisco é a mesma de Santa Tereza de Lisieux, assim descrita pelo Papa Bento XVI:
Teresa é um dos «pequeninos» do Evangelho que se deixam conduzir por Deus às profundezas do seu Mistério. Uma guia para todos, sobretudo para aqueles que, no Povo de Deus, desempenham o ministério de teólogos. Com a humildade e a caridade, a fé e a esperança, Teresa entra continuamente no coração da Sagrada Escritura que encerra o Mistério de Cristo. E esta leitura da Bíblia, alimentada pela ciência do amor, não se opõe à ciência acadêmica. De fato, a ciência dos santos, da qual ela mesma fala na última página da História de uma alma, é a ciência mais nobre: «Todos os santos o compreenderam e de modo mais particular talvez os que encheram o universo com a irradiação da doutrina evangélica. Não é porventura da oração que os Santos Paulo, Agostinho, João da Cruz, Tomás de Aquino, Francisco, Domingos e muitos outros ilustres Amigos de Deus se inspiraram nesta ciência divina que fascina os maiores gênios?» (Ms C, 36r).
Para pensar e compartilhar:
1. Por que Francisco gosta de usar palavras como “operação”, “operar”, etc. quando fala do seguimento de Cristo?
2. Qual é a Ciência de Francisco e de todo franciscano?
Paz e Bem! Fraternalmente, Frei Dorvalino Fassini, OFM e Marcos Aurélio Fernandes
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