63º Encontro 23/7/22 6ª Admoestação Da imitação do Senhor - 2ª parte - Como imitar o Senhor
- Frei
- 23 de jul. de 2022
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Da Imitação do Senhor
Como imitar o Senhor
No encontro anterior nos debruçamos sobre a primeira parte dessa Admoestação na qual São Francisco apresenta o coração da identidade de um cristão e franciscano: imitar Jesus Cristo crucificado. Agora, na segunda parte, procura responder à pergunta: como seguir ou imitar Jesus Cristo, o Bom Pastor? Primeiramente, coloca diante de si e de seus companheiros o exemplo dos primitivos cristãos e santos e depois, termina, com uma chamada de atenção bem forte. Vejamos, de novo, o texto:
[6. Da imitação do Senhor]
Atendamos, Irmãos, o Bom Pastor, que para salvar as suas ovelhas suportou a Paixão da cruz. As ovelhas do Senhor seguiram-no na tribulação e na perseguição, na vergonha e na fome, na enfermidade e na tentação e em tudo o mais; e disso receberam do Senhor a vida sempiterna. Por isso, é grande vergonha para nós, servos de Deus, que os santos tenham feito obras e nós queiramos receber glória e honra apenas por citá-las.
1. O exemplo das ovelhas do Senhor
Francisco coloca como ponto de partida, nesta segunda parte, uma citação de São Paulo aos Romanos, tirada do famoso Hino à potência do Amor de Deus (Rm 8,31-29), para, então, concluir, com o Apóstolo, que as ovelhas do Senhor seguiram-no na tribulação e na perseguição, na vergonha e na fome, na enfermidade e na tentação...
Como já dissemos acima, seguimento ou imitação, aqui, tem um modo de ser todo próprio, sui generis, porque se trata de seguir, imitar não qualquer mestre, mas uma pessoa toda especial, o Filho de Deus Pai, o bom Pastor que, para nos salvar suportou a Paixão da cruz, dando-nos sua vida até à morte e morte de Cruz. Por isso ele é “nosso Senhor”, nosso único Senhor!
Frei Hermógenes Harada, para explicar a importância dessa vocação, começa citando o dito dos antigos chineses: “Se tu estás com muita pressa de aprender, gasta ao menos três anos para procurar um ótimo mestre!” Ora, nós nem precisamos procurar porque já o ganhamos de graça. E, se abrirmos as Sagradas Escrituras, elas nos dizem constantemente que o próprio Deus, Ele mesmo em pessoa, o Espírito Santo, nos ensina todas as coisas! Deveríamos, uma vez, fazer um levantamento, tanto no Novo como no Antigo Testamento, para sentirmos vivamente a grande boa vontade de Deus de nos ensinar! E se fizermos esse levantamento acerca dessa boa vontade de Deus de nos ensinar, considerando-a principalmente nas experiências de iluminação que tiveram os grandes místicos e santos de todos os tempos, ficaremos impressionados ao perceber quão pouco acreditamos em tudo isso, a ponto de, no fundo, sermos indiferentes diante desse Mestre de todos os mestres, ao passo que passamos anos a fio gastando fortunas para fazer cursos e mais cursos com certos professores que são especialistas, por exemplo, em Psicologia, cuja origem não se sabe lá muito bem o que é e de onde vem... (Coisas, velhas e novas, Frei Hermógenes Harada, IFAN, 2006, pág. 320).
A menção às ovelhas, isto é, aos Apóstolos, mártires e confessores de todos os tempos, que seguiram o Mestre na tribulação, é para recordar, primeiramente, que a imitação de Cristo, nosso Mestre, isto é, que a abertura para seu encontro, para sua intimidade e familiaridade, só é possível mediante um grande volume de trabalho. Além do mais, olhando para seu testemunho eles nos incitam a não nos deter no caminho, a não desanimar, mas a perseverar até o fim, guardando o tesouro da fé que recebemos. Como faz bem olhar para tamanha nuvem de testemunhas do Senhor (Hb 12,10), bem como os sinais de heroicidade na prática das virtudes, o sacrifício da vida no martírio e também os casos em que se verificou um oferecimento da própria vida pelos outros, mantido até à morte. Esta doação manifesta uma imitação exemplar de Cristo, e é digna da admiração dos fiéis. Lembremos, por exemplo, a Beata Maria Gabriela Sagheddu, que ofereceu a sua vida pela unidade dos cristãos (GE 5) ou São Maximiliano Kolbe que se ofereceu para morrer no lugar de um companheiro de prisão.
Não esqueçamos, porém, que os santos foram e são homens e mulheres adultos e jovens como nós. São da nossa família, nossos irmãos, amigos, conterrâneos. Podemos dizer que «estamos circundados, conduzidos e guiados pelos amigos de Deus. (...) Não devo carregar sozinho o que, na realidade, nunca poderia carregar sozinho. Os numerosos santos de Deus protegem-me, amparam-me e guiam-me» (GE 4). Eis o rico significado da devoção aos santos, guardado e cultivado pela tradição cristã.
Para acordar-nos acerca desse trabalho de doação e entrega, todo especial, primário e fundamental, de nossa Vida cristã e religiosa, podemos também olhar o exemplo que nos vem das pessoas do mundo. Como, por exemplo, e quanto de sacrifícios se impõem os atletas que vão para os jogos olímpicos! O quanto de tempo e de dinheiro não se despendem só para obter um doutorado, adquirir uma profissão de alta tecnologia ou tornar-se um grande pesquisador. Não é assim que se gastam anos a fio, por vezes até mesmo uma vida inteira, hora por hora, dia após dia, sacrificando, por vezes, coisas sagradas como o convívio de amigos e até mesmo de familiares!? Tudo isso somente por amor a uma competência meramente profissional. Transportemos, agora, esses exemplos para a busca da competência de nossa profissão de seguidores de Cristo, na Vida cristã, religiosa-franciscana! Ora, não aconteceria, então e também conosco o que aconteceu com nossos mestres como Francisco, Clara, Bernardo, Antônio, Boaventura, Junípero, Egídio e tantos outros que deram o melhor de si durante todos os dias e anos de toda a sua vida tão somente para serem competentes e perfeitos nessa profissão evangélica de imitadores de Cristo?!
Se fizermos essa comparação talvez descubramos que, na verdade, nós pouco acreditamos na profissão que fazemos com juramento público e solene; que, no fundo, pouco ligamos para todos esses mestres, tendo-os apenas como simples ídolos e não como luminares a serem imitados de verdade, no rigor da disciplina profissional. Assim, em vez de agarrar-nos com unhas e dentes à sua escola - nossa Ordem com seus manuais de formação, o Evangelho e as Fontes Franciscanas - passamos anos a fio, quando não a vida toda, gastando fortunas e mais fortunas para correr atrás de cursos e mais cursos com professores de certas profissões e escolas cuja competência é duvidosa até mesmo sob o ponto de vista humanista (Cf. HH, idem, pág. 320-321).
2. Exortação final: Deveríamos ter vergonha
É lógica, então a conclusão de Francisco: Por isso, é grande vergonha para nós, servos de Deus, que os santos tenham feito obras e nós queiramos receber glórias e honras apenas por citá-las.
Por tudo o que dissemos acima, quando consideramos ou comparamos o fervor profissional religioso do nosso seguimento de Cristo com os santos e muitos fiéis aí fora no mundo, a exemplo de certas mães ou pais, a conclusão é lógica e cristalina. Eles nos ganham de longe! E ainda por cima, eles o fazem por causa de um ganho passageiro, perecível e nós eterno. Pois, quando Francisco falava em imitação estava olhando para Jesus Cristo: o quanto Ele trabalhou, investigou, estudou e sofreu a fim de intuir o que era a vontade do Pai e segui-la até à morte e morte de Cruz! Olhava para os apóstolos, os mártires, os fundadores de Ordens: o quanto de empenho, investigação despenderam na busca de iluminações, luzes, exercícios e técnicas para fazer o que o Mestre fez, a ponto de se tornarem também eles mestres e fundadores de inúmeras escolas de vida evangélico-cristã!
Portanto, em vez de querer começar onde eles terminaram precisamos, também nós, arregaçar as mangas de nossa boa vontade, inteligência e afeição a fim de retomar nosso amor primeiro, de assumir, num confronto direto e pessoal, dia após dia, aquelas “coisas” próprias de nossa profissão cristã religiosa-franciscana, tão bem e tão simplesmente assinaladas pelos mandamentos, pela nossa Regra e Constituições gerais. Fazer diferente seria, como diz o povo, pôr a carroça na frente dos bois ou o Mestre: construir a casa sobre a areia.
Foi por isso que Francisco, certa vez, quando se fazia a leitura da legenda dos primeiros mártires da Ordem, ordenou que a suspendessem, acrescentando: Que cada um se glorie de seu próprio martírio e não com o martírio dos outros! (JJ 8)
Imitar o Bom Pastor, hoje
O caminho de nossa redenção, ou perfeição e realização, é um caminho de muitas tribulações, perseguições, vergonhas, fidelidades e infidelidades. Às vezes, parece que tudo vai acabar num grande vazio ou fracasso. Até mesmo a cruz entrou nesse rol: “Pai, porque me abandonaste?” O que, porém, parecia morte estava impregnado de Vida; o que parecia uma história de falências, termina na vitória do amor. Não devemos nos esquecer desse caminho, um caminho difícil. Se cada um de nós fizer um exame de consciência, verá quantas e quantas vezes expulsamos os profetas de nossa vida; quantas vezes dissemos a Jesus: “Vai embora!” Quantas vezes quisemos salvar a nós mesmos, quantas vezes pensamos que éramos justos, santos... sem obras, porém!
Portanto, não nos esqueçamos nunca”, diz o Papa Francisco, que é na morte na Cruz do Filho de Deus que se manifesta o amor de Deus ao seu povo. Nos fará bem recordar, lembrar essa história de amor que parece ser um fracasso, mas no final vence. É a história a ser lembrada na história de nossa vida, daquela semente de amor que Deus semeou em nós e fazer o mesmo que Jesus fez por nós: se humilhou”. (Catequese em 03/05/ 2015).
Para pensar e compartilhar:
1. Porque Francisco, ao tratar da imitação de Cristo, menciona as “ovelhas”, isto é, os santos e mártires?
2. Por que, hoje, se fala tão pouco na “imitação de Cristo”?
Paz e Bem! Fraternalmente, Frei Dorvalino Fassini, OFM e Marcos Aurélio Fernandes
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