top of page

62º Encontro 16/7/22 6ª Admoestação Da imitação do Senhor - 1ª parte - Imitar o Bom Pastor

  • Foto do escritor: Frei
    Frei
  • 17 de jul. de 2022
  • 9 min de leitura


Da imitação do Senhor



Depois de exortar seus irmãos para que tomem consciência e façam jus de sua grandeza, glória e excelência, nesta VI Admoestação, Francisco passa a exortá-los acerca do caminho que devem seguir para concretizar tão precioso dom: a imitação do Senhor. Ou seja, Francisco, agora, vai responder à pergunta: onde está a grandeza, a excelência do ser do ser do homem? E responde: homem, no rigor de sua identidade, grandeza e excelência é aquele que imita Jesus Cristo. Vejamos o texto:



[6. Da imitação do Senhor]


Atendamos, Irmãos, o Bom Pastor, que para salvar suas ovelhas, suportou a Paixão da cruz. As ovelhas do Senhor seguiram-no na tribulação e na perseguição, na vergonha e na fome, na enfermidade e na tentação e em tudo o mais; e disso receberam do Senhor a vida sempiterna. Por isso, é grande vergonha para nós, servos de Deus, que os santos tenham feito obras e nós queiramos receber glória e honra apenas por citá-las.


Vamos dividir nossa reflexão em duas partes ou encontros. Primeiramente, vamos refletir o título e a exortação propriamente dita e, na segunda parte ou encontro, as considerações que o próprio Francisco faz.


1ª. Parte


IMITAR O BOM PASTOR


1. Da imitação e de sua importância


Num primeiro momento, o título, ou mais precisamente, a palavra imitação ou imitar nos deixa um tanto surpresos. Isso porque, para nós modernos, imitar soa como fazer cópia, repetir o que outros fizeram, ser conformado ou, pior ainda, conformista. Enfim, imitação indicaria um modo de ser resignado, submisso, passivo, acomodado, sem iniciativa, sem responsabilidade. Quando isso acontece na arte ou literatura, por exemplo, fala-se em plágio e falsificação. Na formação ou educação de despersonalização, adestramento, fazendo surgir pessoas robotizadas. Por isso, essa maneira de formular o sentido da vida humana, cristã ou religiosa, hoje, em vez de atrair ou encantar, desencadeia certa aversão e uma porção de sentimentos recheados de rejeição, quando não, de certo desprezo.


De fato, tudo o que não é original perde seu valor. Assim, um quadro é falso não quando é atribuído a outro artista, mas quando ele é provado ser uma cópia ou reprodução que se impõe com a pretensão de ser original. Nesse caso, a cópia sempre é vazia, oca. Nela não existe o vigor, a força, o espírito que brota do confronto, da busca, da luta, do empenho para elaborar e concretizar, numa obra, o encanto, a riqueza, o fulgor, a excelência, a paixão da graça do encontro com a inspiração. De fato, quando a palavra imitação se refere a esse modo de ser não serve para indicar a essência da vida humana, cristã e muito menos da vida religiosa.


Mas, o termo imitação conhece, também e principalmente, um sentido muito positivo e rico. Para os medievais, como São Francisco, significa o empenho ou processo de um profundo confronto pessoal com a inspiração originária pulsante num mestre ou numa obra. Dentro dessa compreensão maior, mais rica e profunda, a imitação passa a indicar o trabalho de tornar-se igual ao mestre no empenho de busca e de perseguição do mesmo toque, do mesmo entusiasmo criador que levou o mestre ao auge de sua perfeição. Por isso, Mestre Eckhart fala em ser igual a Deus... O amor iguala aqueles que se amam. Ele põe em pé de igualdade, como na Trindade, as três pessoas que são iguais. Mas essa igualdade mantém a identidade de essência e diferença de pessoa.

Igualdade e semelhança, nesse caso, são categorias diversas. Às vezes se entendia a igualdade como pertencente à categoria da quantidade e a semelhança como pertencente à categoria da qualidade. No entanto, pode-se tomar a igualdade como máxima semelhança. Mas, a igualdade, aí, tem que ser entendida a partir da dinâmica da identificação que se dá na operação do amor, a qual não destrói, mas antes promove a diferença, a singularidade das pessoas.


Nessa aprendizagem, entendida como imitação, a essência está em fazer, realmente, até mesmo nos mínimos detalhes, com rigor e precisão, o que o mestre fez ou faz. Isso porque ele sabe que esses detalhes vêm prenhes da inspiração originária. Ilustremos essa questão com o exemplo de Frei João, o Simples.


Esse frade prometera a si mesmo, quando entrou na Ordem, imitar São Francisco em tudo, até mesmo nos mínimos detalhes. Assim, se Francisco elevava os braços ou os olhos ele fazia o mesmo; se o mestre suspirava ou chorava, ele também suspirava e chorava. O Santo, percebendo o comportamento do irmão, perguntou-lhe porque fazia tudo aquilo. Ele respondeu: Prometi fazer tudo o que fazes. Para mim é perigoso deixar escapar alguma coisa. Vendo aquilo, Francisco alegrou-se muito com a simplicidade do frade, mas proibiu-o de continuar com essa imitação. Todavia, atendamos bem. O que Francisco proibiu não foi a conformidade, isto é, o empenho e o fervor pela imitação, mas o conformismo. Assim, Francisco o convidou para uma imitação mais intensa e melhor, que se move da exterioridade do formato para a interioridade da forma como essência, vigor doador de ser.


Na Idade Média, para caracterizar esse modo todo próprio de aprender a seguir o Senhor começou-se a falar em imitação de Cristo[1]. Eis o tema da 6ª Admoestação. Mas o que é, então e nesse caso, imitação? Ora, quem definiu com magistral precisão e bem resumidamente essa espiritualidade foi o próprio Senhor quando diz a cada um dos seus vocacionados: “Vem e segue-me”. Desde então, a palavra seguimento, passou a significar a essência do caminho e da vida de um cristão: sair, abandonar a tudo e a si mesmo para, tão-somente, ir atrás do Senhor, para procurá-lo, para estar com ele, ser como ele, amando-o sobre todas as coisas e pessoas. A esse percurso ou aprendizado, o medieval chamava de imitação. Assim, a imitação como processo artesanal deve ser entendida no seu sentido de aprendizagem discipular. O artesanal, no pensamento medieval, é subsumido na dinâmica da filiação divina. O per-fazer a si mesmo é assumido no trabalho de tornar-se filho no Filho.



2. O Senhor


A pessoa a ser imitada, no caso, Francisco chama de Senhor, que não é outra senão o próprio Cristo, a Filho de Deus vivo, o humano de todos os homens. Senhor é diferente de chefe, patrão, superior, líder, etc. Ora, Senhor, aqui, está na dinâmica da vida religiosa ou do amor e não social ou política. Enquanto nessas o significado de senhor está sempre relacionado a uma dependência, a uma superioridade, na Sagrada Escritura, como no amor, está referida à graça do encontro. “Senhor” é palavra que brota da experiência de ser visto, visitado, escolhido e amado. Nesse caso o outro será sempre um senhor, seu senhor e ele servo, seu servo. É assim com Abraão, com Nossa Senhora, São Francisco e com todos os demais servos de Deus do Antigo e do Novo Testamento. Assim, no caso de Francisco, Jesus Cristo crucificado, que o visitou na Porciúncula, passa a ser o seu “Senhor”, a essência, a causa, a origem do seu novo humano, da sua nova Vida que, posteriormente e até hoje, se costuma denominar de Vida franciscana ou Franciscanismo. Nesse sentido, não é Francisco quem cria o ser franciscano, o Franciscanismo. Antes desse há uma existência, um modo de ser (espírito, vida) “franciscano” que não é outro senão a existência, o modo de ser, o espírito de Jesus Cristo crucificado. Esse é quem cria Francisco, quem possibilita a ele, Francisco, ser o novo e convertido Francisco, filho do Pai do Céu e não mais de Pedro Bernardone. Nesse sentido, Francisco é apenas o primeiro franciscano, mas não a causa, a origem. Assim, se perguntássemos a São Francisco: o que é ser franciscano ou Franciscanismo, responderia que ele só sabe e conhece Jesus Cristo crucificado. Por isso, Francisco nunca se considera fundador de sua Ordem ou pai dos frades, mas apenas servo e irmão.



3. O Bom Pastor


Assim, uma das características básicas do seguimento, da imitação é que o Senhor, a inspiração será sempre maior e melhor que o discípulo, o servo. Do contrário não seria seu mestre e senhor. E, quanto maior ou mais elevado for o mestre e sua inspiração, sua existência, maior será a exigência que lhe é imposta para engajar-se a partir de si mesmo e, assim, transcender-se, livremente, para além de suas possibilidades. Por isso, Francisco inicia essa sua admoestação, novamente, com um atendamos, irmãos. É como a conclamação do sacerdote aos fiéis no início da prece eucarística: Sursum corda!”, isto é, Corações ao alto! Ou seja, para seguir Jesus Cristo precisamos olhar para cima, para além do humano de nossa subjetividade. Só assim vislumbraremos nosso verdadeiro humano que floresceu no humano de Cristo crucificado, aqui chamado de Bom Pastor.


Jesus mesmo é quem se intitula de “bom pastor”. Pastor significa cuidador, protetor, condutor. O texto grego diz, literalmente: ho poimén, ho kalós– “o pastor, o belo”. Para a língua grega, kalós é tanto “bom” quanto “belo”. O belo é, aqui, o esplendor, o brilho da auto manifestação, da verdade do ser. Jesus é o belo pastor, pois nele brilha o esplendor da verdade, da essência do ser pastor. Bom é aquilo que é segundo o Todo. Jesus, portanto, é o bom pastor porque é segundo o todo, segundo Aquele Bom originário; isto é, Àquele que, em sua benignidade difusiva, comunica todo o bem aos seres, Deus Pai, proclamado por São Francisco como todo o bem, o sumo bem, o bem inteiro, o único bom (LH 11) ou, simplesmente: “Meu Deus e Tudo!” (Atos 1).


Segundo a parábola do Evangelho, o bom (belo) pastor põe sua alma por suas ovelhas. Isto é: ele se expõe à morte em favor delas. Ou seja, por serem elas o sentido, o amor, o tesouro, o bem querer de sua vida, Ele, se despoja de si mesmo, de sua vida. Por isso, amá-las, cuidar delas até a morte e morte de Cruz é sua honra, glória, grandeza, dignidade, alegria e felicidade. Enfim, o pastor se torna Cordeiro imolado, alimento, comida e bebida, para a vida de suas ovelhas, as criaturas todas.


Entretanto, nota Santo Agostinho: se Jesus podia fazer de sua vida um sacrifício sem precisar de nós, nós não podemos fazê-lo sem Ele. Sem mim, nada podeis fazer...” (Jo 15,5). Sem a caridade, o amor-gratuidade, que vem de Cristo ou que é Cristo, todo sacrifício de si é vão (Cf. 1Cor 13,3), todo martírio é “falso testemunho”.


Agora, fica claro que, segundo Francisco, a compreensão de imitação, aqui, longe de levar-nos ao comodismo indolente, exige, ao contrário, o máximo de engajamento, comprometimento e trabalho livres, na dinâmica da aprendizagem discipular, sempre atentos aos mínimos gestos e inesperados movimentos do Mestre dos mestres, Senhor dos senhores. É o que nos ensina a parábola das virgens prudentes, sempre prontas para ouvir o inesperado aviso da chegada do noivo. Mas, o que significa imitar, seguir, corpo a corpo, “full contatc”, quando se trata de Deus e suas “coisas espirituais”? Que se possa entrar em contato real, corpo a corpo, com o irmão que vive ao meu lado compreende-se facilmente, mas como será com Jesus Cristo, com o Deus de Jesus Cristo, cuja presença não é física, nem factual? O próprio Francisco já respondeu essa questão na Admoestação I, mas irá retomá-la no seguimento dessa Admoestação e nós a abordaremos no próximo Encontro.



Imitação de Cristo, o Bom Pastor, hoje


Segundo o Papa Francisco, Jesus ao usar a figura do pastor para designar sua vocação-missão, nos exorta a sair de nossa zona de conforto, de nossa própria comodidade e ter a coragem de alcançar todas as periferias que precisam da luz do Evangelho (EG 20); de ser evangelizadores que contraem o cheiro de suas ovelhas, pois só assim essas escutarão sua voz (idem).


Foi a partir desse princípio evangélico que o mesmo Papa, em 19 de setembro de 2013, falando a um grupo de Bispos ousava chamar-lhes a atenção para que evitassem o escândalo de serem “Bispos de aeroporto!”, isto é, amando mais as viagens e as reuniões do que a presença cuidadosa, cuidadora e compassiva no meio de suas ovelhas. Sejam, antes, dizia, pastores acolhedores em caminho com o vosso povo, com afeto, com misericórdia, com doçura e firmeza paterna, com humildade e discrição, capazes de olhar também para seus limites e de ter uma dose de bom humor.


Precisamos recordar, ainda, que todo o homem foi criado para ser pastor – isto é – cuidador de si e de toda a criação. Essa foi sua primeira vocação-missão, recebida já no paraíso através de Adão: Enchei a terra e cuidai dela (Gn 1,28). Nunca, talvez, como hoje, se faz tão necessária a recordação dessa vocação, pois o ambiente natural e social está cheio de chagas, causadas pelo nosso comportamento irresponsável (LS 6). Cada criatura é uma ovelha pela qual seu Senhor, o Bom Pastor, nos exorta a que, com Ele e como Ele, dispensemos nossos cuidados e, a seu exemplo, demos nossa vida para que ela, nossa vida, tenha vida e a tenha em abundância.


[1] No século XV, o alemão Tomás de Kempis escreveu todo um tratado sobre esse tema. Sua Imitação de Cristo, serviu de manual de vida espiritual para muitos religiosos e leigos.



Para pensar e compartilhar:


1. Por que Francisco propõe aos seus companheiros como mestre o Bom Pastor?

2. Segundo nosso Papa Francisco, como hoje, podemos imitar o Bom Pastor?


Paz e Bem!

Fraternalmente,


Frei Dorvalino Fassini, OFM e Marcos Aurélio Fernandes



Continue bebendo do espírito deste tema:


- indo ao texto-fonte: 62º Encontro - 6ª Admoestação - Da imitação do Senhor

- 1ª parte - Imitar o Bom Pastor


- postando seus comentários;


- ouvindo no YouTube: Frei Dorvalino - 62º Encontro - 6ª Admoestação - Da imitação do Senhor - 1ª parte - Imitar o Bom Pastor


Inscreva-se e curta nossos vídeos




Próximo Encontro: 63º Encontro - 6ª Admoestação: Da imitação do Senhor - 2ª parte - Como imitar o Senhor


Posts recentes

Ver tudo

Comments


RECEBA AS NOVIDADES

  • Black Facebook Icon
  • Black Pinterest Icon
  • Black Twitter Icon
  • Black Instagram Icon

@2018 - Site Franciscano by Frei Dorvalino e Eneida

bottom of page