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56º Encontro 4/6/22 4ª Admoestação - 2ª parte - Do humano e de sua glória, servir

  • Foto do escritor: Frei
    Frei
  • 5 de jun. de 2022
  • 8 min de leitura


Do humano e de sua maior glória, servir



A primeira frase desta Admoestação, após os dois ditos do Evangelho, reza assim: Os que estão constituídos sobre os outros, gloriem-se tanto dessa superioridade como se estivessem encarregados de lavar os pés dos irmãos (2).



Lavar os pés (servir) a glória maior, superior


Cenas de lavar os pés, embora com significados vários, são muito frequentes na Sagrada Escritura. Há o lava pés do escravo (Cfr. 1Sm 25:41; Lc 7:37-38), mas também o do senhor, ou dono da casa quando acolhe um peregrino ou uma visita (Cfr. Gn 18,4). Mas, Francisco, aqui, refere-se ao lava pés de Jesus na Última Ceia (Cfr. Jo 13,11-17). Uma cena emblemática, cheia de emoção, comoção e rica de significados!


Geralmente, e em primeiro lugar, entendemos esse gesto como um recurso, um exemplo que Jesus usa a fim de inculcar no coração de seus discípulos uma lição bem marcante: que sejam humildes e servos como Ele; que gravem bem esse exemplo pois nele está sua verdadeira glória e superioridade. Por isso, diz gloriem-se tanto dessa superioridade! Esse tanto poderia ser traduzido como “muito”, o “sumo”.


Mas, que glória pode haver num gesto ou serviço, usualmente considerado baixo, humilhante e quase sempre reservado aos escravos, dependentes e súditos?


Primeiramente, é preciso considerar o que vem a ser glória. Usualmente nossa compreensão de glória se atém unicamente à sua aparência externa, pública, social. Apenas com essa compreensão é muito difícil ver a glória no gesto de lavar os pés de outrem, muito menos morrer crucificado com Cristo. Por isso, muitas vezes, pensa-se que a cruz seja apenas um meio, um recurso passageiro para a Ressurreição.


Para ver a glória no lava pés de Jesus, que é uma antecipação da Cruz, é preciso olhar sua natureza: ver de onde nasce, cresce e floresce. Olhando para Jesus, vemos que em tudo o que faz não há outro vigor senão o desejo de buscar nenhuma outra coisa senão a vontade, o bem querer do Pai. Assim, Jesus Cristo, de tanto e tão intensamente buscar a vontade do Pai, na Cruz, tornou-se o Pai em Pessoa. Eis o que aparecia, brilhava, “gloriava” em seu rosto, em sua Pessoa. Por isso, dizia que Ele e o Pai eram um. Na mesma dinâmica está São Francisco. De tanto imitar, amar Jesus Cristo crucificado, no fim, parecia um “outro Cristo”. Glória, portanto, é o brilho do amor, da doação, do serviço. Um exemplo ainda mais simples. Num bom e dedicado médico, de tanto cuidar e servir os doentes, a saúde, com o tempo se poderá ver brilhar nele a glória de ser médico.


Portanto, lavar os pés, diz Francisco, antes de humilhação é um ato de exaltação, de glória porque essa é a vocação-missão incutida em nosso coração pelo próprio Criador. Servir, eis nossa identidade primeira e maior. Além do mais, essa é também a identidade do próprio Senhor que, sendo Senhor, se faz servo, o Servo dos servos. Por isso, sempre que servimos, raios da identidade, da grandeza da pessoa que servimos passam para nós. Eis a glória do servir, do lava pés. Talvez possamos compreender essa dinâmica num exemplo muito simples, dos tempos de outrora. Era muito comum, no interior, na roça, nas famílias, os irmãozinhos “brigarem“ entre si porque cada qual queria ter a honra, a glória de lavar os pés de seus pais quando voltavam do trabalho ou de uma viagem. Sem saber, essas crianças, ao lavar os pés, queriam acolher em si o vigor, a beleza, a alma, a glória do seu pai.


Recordemos, também que, para os antigos, um peregrino ou uma visita, vinha sempre impregnada do brilho, da glória da transcendência, do além, do espírito. Assim, acolher e lavar os pés dessas pessoas era acolher e comungar do vigor, da grandeza, da beleza, enfim, da glória dos anjos, dos santos, dos espíritos celestes, de Deus. Por isso, recebe-los era sempre uma bênção. Na Sagrada Escritura, inúmeros são os relatos de mulheres que deram à luz graças a essas visitas (Cfr. Sara, Rebeca, Raquel, etc.).


Além do mais, no pensamento de Francisco, em tudo o que estiver ao nosso redor, pessoas ou coisas, está presente nosso Pai do céu com a graça, o vigor de seu amor cuidadoso, misericordioso e fecundo. Por isso, cuidar de cada uma dessas criaturas é entrar no cuidado do próprio Pai. Como, então, não perceber e não sentir a honra, a glória, o engrandecimento que nos advém no exercício desse cuidado ou serviço? Daí a grande mensagem de Jesus: Tudo que fizestes a um desses pequeninos, é a mim que os fizestes” (Mt 25,31-46).


Portanto, antes do sentido sociológico e meramente funcional, o texto está nos convocando para um assentamento ontológico: o homem é chamado a cuidar das criaturas como e no lugar do grande Pastor do universo inteiro: o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo. Servir dentro deste ânimo e deste espírito, eis nossa glória. Na espiritualidade de Francisco qualquer criatura, mesmo um vermezinho, é grande porque é de Deus, vem do seu Senhor; nela refulge o brilho de sua beleza e esparge o perfume de sua bondade. Por isso o dito popular: num patinho feio pode esconder-se um cisne real. Daí a exortação de Francisco: gloriem-se! alegrem-se!



Buscar bolsas para si, o maior perigo para nossa alma (3)


Estar na vida, com esse espírito, vendo e sentindo em tudo o que se faz a riqueza, a plenitude de sua identidade de servo do grande Pai, contrasta com a ilusão do falso brilho de quem se atarefa em ajuntar bolsas para si. Assim, se servir, lavar os pés do outro, é a maior glória do humano, ajuntar bolsas para si, isto é, buscar o engraçamento de si, é desonrar-se, desglorificar-se: o maior prejuízo que alguém pode fazer a si mesmo.


O latim usa a palavra “lóculos”, que significa pequenas “bolsinhas”, recheadas de pequeninos e insignificantes tesouros que põem em perigo a identidade da busca e da alma do seguidor de Cristo. Isso porque, nesses casos, ansiosamente, vai atrás de falsos, ilusórios e vãos valores, nascidos da soberba e da publicidade vaidosa do mundo.


Atrás de toda essa questão esconde-se o perigo do franciscano vir a perder seu único tesouro, sua única bolsa: ser senhor no servir, no doar-se ao outro. Quem vive imbuído desse espírito, jamais haverá de revoltar-se se vier a perder ou ter de deixar um cargo, uma nomeação; nunca haverá de lutar para reavê-los. Também não questionará as causas dessa perda. Eis a vocação e missão do homem, o sentido de sua presença no mundo: cuidar, servir sem jamais criticar, ou acusar os outros. Conta-se que, antigamente, havia um frade tão bom no exercício do confessionário que todos os fiéis queriam confessar-se com ele. Terminada a confissão, o penitente, vendo que o frade não de lhe dava a penitência, dizia-lhe: “Padre, e a penitência?” “Essa” respondia-lhe o confessor, “deixa para mim! Você vai, ama a Deus e aos irmãos e não peque mais!”


Jesus é um belo exemplo de quem jamais se importou com “sua caixinha”, sua glória. Sempre, após seus milagres, era taxativo: pedia-lhes que o esquecessem, proibindo-lhes que o divulgassem.


Segundo essa espiritualidade o perigo para o homem não está no fato de ser frágil, limitado ou finito, mas, primeiramente, de cair fora dessa sua grandeza: ser servo-senhor ou senhor-servo, como Cristo se proclama na Última Ceia: Pois eu que sou Senhor estou no meio de vós como aquele que serve. Além do mais, considerar sua finitude ou fragilidade como uma deficiência ou carência não deixaria de ser uma grave ofensa de ingratidão Àquele que tudo fez para nos criar e cuidar da melhor maneira possível. Pois, sendo Pai, como poderia conceder-nos algo de imperfeito ou decadente?


Por isso, movendo-se dentro e a partir da dinâmica do Crucificado de São Damião, servo de Jahvé, humilde e pobre, Francisco em vez de destruir as igrejinhas abandonadas e em ruínas e assim poder construir novas, começa a servi-las, restaurando-lhes o brilho da glória original, dando, assim, início, a uma nova evangelização ou pastoral: a evangelização do servo inútil que mais cuida do que manda, mais acolhe do que afasta, mais faz do que manda fazer.



Hoje, a glória de ser servo e não buscador de engrandecimento de si


Nós, hoje, ocidentais, vivemos mergulhados até o pescoço numa civilização que exalta a competência. Essa, por sua vez, vira competição e a competição, sempre, de uma ou de outra forma, diminui o outro e, por vezes o elimina e exclui. Por isso, São Francisco nos recorda que a primeira e a maior competência do humano é servir; um servir em que, esquecendo-se de si mesmo, faz e dá tudo, do bom e do melhor para que apareça a obra, o outro. Na vida cristã, o sumo desse serviço é a santidade, isto é, o vigor misericordioso de Deus que é capaz de transformar um pecador num filho seu, imagem e semelhança de seu Filho único, o santo, o Servo dos servos por excelência. Assim, santos ou bem-aventurados, são aqueles que se desfazem de sua própria vida para pô-la a serviço dos outros, de Deus.


O Papa Francisco, em sua Exortação Apostólica Gaudete et Exultate, sobre o Chamado à santidade no mundo atual começa falando dos santos que nos encorajam e acompanham. Para sentir mais de perto, como se dá a santidade, nessa nossa reflexão, tomamos a liberdade de trocar santo por servo e santidade por serviço. E assim, o Papa, apoiando-se na 2ª Carta a Timóteo, diz que o número desses santos ou servos na Igreja e no mundo, é imenso, semelhante a uma grande nuvem. E conclui: sua vida, talvez, não tenha sido sempre perfeita, mas, mesmo no meio de imperfeições e quedas, continuaram a caminhar e agradaram ao Senhor (Cfr. GE 3).


Mais adiante, o Papa escreve: Gosto de ver a santidade (o serviço divino) no povo paciente de Deus: nos pais que criam os seus filhos com tanto amor, nos homens e mulheres que trabalham a fim de trazer o pão para casa, nos doentes, nas consagradas idosas que continuam a sorrir. Nesta constância de continuar a caminhar dia após dia, vejo a santidade (o serviço divino) da Igreja militante. Esta é muitas vezes a santidade (o serviço divino) «ao pé da porta», daqueles que vivem perto de nós e são um reflexo da presença de Deus, ou – por outras palavras – da «classe média da santidade» (do serviço divino) (Idem 7). Por isso, a santidade (o serviço divino) é o rosto mais belo da Igreja (idem 9).


E conclui o Papa: Todos somos chamados a ser santos (servos), vivendo com amor e oferecendo o próprio testemunho nas ocupações de cada dia, onde cada um se encontra. És uma consagrada ou um consagrado? Sê santo (servo), vivendo com alegria a tua doação. Estás casado? Sê santo (servo), amando e cuidando do teu marido ou da tua esposa, como Cristo fez com a Igreja. És um trabalhador? Sê santo (servo), cumprindo com honestidade e competência o teu trabalho ao serviço dos irmãos. És progenitor, avó ou avô? Sê santo (servo), ensinando com paciência as crianças a seguirem Jesus. Estás investido em autoridade? Sê santo (servo), lutando pelo bem comum e renunciando aos teus interesses pessoais (idem 14).



Para pensar e compartilhar:


1. Em que consiste a maior glória do homem? Por quê?

2. Por que servir é o sumo da santidade?


Paz e Bem! Fraternalmente, Frei Dorvalino Fassini, OFM e Marcos Aurélio Fernandes

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