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51º Encontro (30/04/22) - 3ª Admoestação - Da perfeita obediência - 2ª parte

  • Foto do escritor: Frei
    Frei
  • 1 de mai. de 2022
  • 7 min de leitura


2ª Parte


Da verdadeira obediência



Depois de termo-nos debruçado sobre os dois ditos do Senhor, que dão início e o tom da 3ª Admoestação, vamos entrar e nos deter na primeira parte que trata da verdadeira obediência, assim descrita:


Abandona tudo quanto possui e perde seu corpo o homem que a si mesmo se oferece todo à obediência nas mãos de seu prelado. E tudo quanto faz e diz, sabendo não ser contra a vontade dele e sendo bom o que faz, é verdadeira obediência.


Comecemos recordando, mais uma vez, que Francisco não está se dirigindo a todos os fiéis ou cristãos, mas, sim e especificamente, àqueles que querem seguir a Cristo na observância radical de seu Evangelho. Por isso, a primeira frase, principalmente com os verbos abandonar e oferecer-se todo, nos transporta para o mundo do enamoramento, do amor esponsal, tão próprio dos consagrados. Como, por exemplo, e então, não ver e sentir aí o fervor e a emoção da essência do ritual próprio da consagração religiosa, em especial a fórmula de sua profissão?! Ritual que dá início a toda uma caminhada de morte do próprio eu do consagrado a fim de poder pôr-se na alegre e fervorosa obediência (leia-se: ob+audiência: escuta atenta e diligente), daquele que o visitou e chamou para, a exemplo dos Apóstolos, segui-Lo mais de perto. Também, não é difícil perceber que, no fundo dessa frase, está o próprio Cristo que se abandou e ofereceu às mãos do Pai até à mote e morte de Cruz. Ele é o homem que entregou tudo quanto possuía, sua humanidade, sua divindade, e perdeu seu corpo todo, inteiro, oferecendo-se, livremente, nas mãos do seu prelado maior, o Pai?! Por isso, o acento desse primeiro parágrafo, isto é, da obediência, está na sua qualificação de “verdadeira”.


Estamos diante de uma palavra, ou experiência crística, muito preciosa e querida. Uma experiência que, para senti-la mais de perto, comecemos olhando o oposto: o mundo da falsidade, da corrupção, da mentira, do vazio, do nada. Pensemos em exemplos como quando, diante de uma pintura original, autêntica, de Portinari, se diz: “Este quadro é um verdadeiro Portinari!” ou, diante de um vinho puro, sem misturas: “Este é um vinho verdadeiro!” ou, melhor ainda, como diz Jesus: “Eu sou o verdadeiro pão do céu...” (Jo 6,32).


Assim, “verdadeira” obediência nos conduz para uma obediência, em cujo coração, vige o vigor de sua origem: pura, sem a mistura de motivos, razões, causas ou interesses estranhos e/ou alheios. No caso, o discípulo obedece tão só e unicamente para servir a pessoa amada, fazendo sua vontade. Não é como criança que obedece, estuda porque o pai prometeu-lhe uma bicicleta, como empregado que só trabalha por causa do salário ou de muitos de nós porque esperamos uma recompensa, um reconhecimento, um elogio, uma satisfação, um aplauso, o céu, etc. Enfim, é como o amor, uma obediência que não tem um porquê nem um para quê. Obedece por obedecer!


Mas, isso é muito difícil, pois sempre estamos sob o risco da busca de uma satisfação carnal, de um interesse próprio, até mesmo sem o perceber. Por isso, ou seja, para combater esse risco, essa inclinação da nossa carne, do nosso “euzinho” egocêntrico, diz São Francisco, o verdadeiro seguidor de Cristo, deve entregar-se nas mãos do prelado. Mover-nos na vida presos às mãos do prelado é o melhor recurso para libertar-nos desse perigo. Prelado não precisa ser o superior da casa, da Ordem, da Igreja. Pode ser, também, o vizinho, o tempo, a idade, uma doença, etc. Para Francisco, em dado momento de sua vida, foi o leproso.


Francisco não diz obedecer ao prelado, mas entregar-se nas mãos, isto é, à obediência do prelado. Isso significa que, para além do prelado há uma instância ou realidade maior à qual também ele está sujeito à obediência; que ele, como o súdito, deve estar na busca de um “superior”, de um maior comum a todos; que o súdito deve ater-se, portanto, à obediência daquilo ou daquele que o prelado representa. Em nosso caso, o carisma da Ordem, o mistério da Igreja: Jesus Cristo com seu Evangelho: o Pai.


O “verdadeiro” dessa obediência de Cristo aparece com clareza no mistério da Igreja, em suas diversas concreções, principalmente na Eucaristia e nos sacerdotes. Na Eucaristia, o Senhor mesmo ordena ao sacerdote (sempre pecador, embora santo, sagrado e consagrado) que O prenda nas suas mãos e que o torne presente no Pão e no Vinho sobre o altar! Ainda mais, (coisa inaudita!), ordena que O coma e O beba! Em outras palavras, ordena para que o sacerdote mande sobre Ele e, assim, Ele possa lhe obedecer.


Essa obediência é ou tem que ser verdadeira porque o discípulo tem que estar sempre à disposição e atento à vontade ou desejo de seu senhor. Pois, pode ser que o senhor, a pessoa amada, hoje, queira ou precise de algo bem diferente do que desejou, quis ou precisou ontem. Por isso, nesse nível, a obediência exige que se esteja sempre disposto a desprender-se, a perder-se todo em favor da pessoa amada, oferecendo-se a ela a fim de que se realize, se satisfaça, sempre mais e melhor. Foi o que fez Cristo em relação ao Pai. Para os primitivos franciscanos a obediência, muito mais que uma virtude, era a insígnia de uma pessoa: Jesus Cristo. Por isso, sempre que recebiam o mandato da santa obediência, com gáudio e muita alegria eles se prostravam suplicantes diante de São Francisco. Ele os abraçava e dizia com ternura e devoção a cada um: “Põe teus cuidados no Senhor e ele cuidará de ti!” (1C 29).


No fundo, a Admoestação está nos convocando para que entremos no processo de identificação com Aquele que não tem mais nenhuma vontade própria porque está sempre no “dever” de seguir e fazer a nossa vontade. Assim, a obediência é verdadeira quando tem o modo de ser de Deus, revelado por Jesus Cristo ao longo de sua Vida, principalmente em todas as vezes que foge dos aplausos do mundo, proibindo, até, que divulgassem seus feitos, suas obras. Nunca falsificou sua identidade, nunca fugiu de sua verdadeira condição de um nazareno, filho de José e de Maria, um verdadeiro “Filho do Homem!”, vivendo em tudo como nós, menos o pecado.


Esse modo de ser vem bem esclarecido por Jesus no Evangelho em que nos manda contemplar os lírios do campo e as aves do céu e que pode ser compreendido neste verso de Ângelo Silesius:


A Rosa é sem porquê

Floresce por florescer

Não se vê a ela mesma,

Nem pergunta se alguém a vê.


Também São Francisco, ao falar das três obediências, assim se expressou acerca da primeira, a obediência verdadeira:


"Pegai um cadáver exânime. Ponde-o onde quiserdes. Vereis que não se incomodará de ser movimentado, não se queixará deo lugar, nem reclamará por haver sido largado. Se for colocado numa cátedra, vai olhar para baixo, não para cima. Se for vestido de púrpura, vai ficar duas vezes mais pálido. Esse é o verdadeiro obediente: não fica pensando em por que foi mudado, não se importa com o lugar onde o puseram, nem fica pedidndo par ser transferido. Se lhe dão um cargo, mantém a humildade costumeria. Quanto mais honrado, mais se acha indigno" (2C 152).


Não se trata, aqui, evidentemente da obediência nazi-fascista, que procura escapar da reponsabilidade de seus crimes, apelando para o famigerado princípio da necessidade de “cumprir ordens superiores”. O que Francisco aqui quer realçar é a postura do religioso em referência a ele próprio e não do religioso em relação aos outros. O religioso para ser religioso tem que estar morto para si e vivo para o serviço dos outros. Abandonando a própria vontade, o religioso, a modo de cadáver, estará sempre disposto para fazer a vontade do outro, desde que não seja contra sua alma, isto é, desde que não atente a identidade de si e do outro.


Exemplo admirável dessa obediência podemos ver nos primitivos frades. Leiamos: Nada ousavam, esses obedientíssimos soldados de Cristo, antepor aos preceitos da obediência. Antes de acabarem de receber uma ordem, já se preparavam para cumpri-la. Como não sabiam fazer distinções de preceitos, precipitavam-se a executar tudo que lhes era mandado, sem fazer reparos (1C 39).



Da verdadeira obediência, hoje


Quem nos dá uma boa catequese acerca da verdadeira obediência é nosso Papa Francisco. Diz ele na catequese de 11 de abril de 2013:


No trecho dos Atos dos Apóstolos (5,27-33), Pedro, diante do sinédrio, exclama que “é preciso obedecer a Deus e não aos homens”. ... Obedecer a Deus é escutá-Lo, ter o coração aberto para ir pela senda que Ele nos indica. A obediência a Deus é escutar Deus. E isto torna-nos livres.


Pedro «diante destes escribas, sacerdotes e também do sumo sacerdote, dos fariseus» foi chamado a «tomar uma decisão». Pedro «ouvia o que os fariseus e os sacerdotes diziam, e ouvia o que Jesus dizia no seu coração: “o que faço?”. Disse-lhes, então: “Faço o que me diz Jesus, e não o que quereis que eu faça”. E assim foi em frente.


A seguir, o Papa procura mostrar que nós também, muitas vezes, enfrentamos o mesmo conflito de Pedro: ouvimos certas propostas que não vêm de Jesus, nem de Deus. E, então, corremos o risco de estabelecer um perigoso e maléfico acordo: seguir um pouco o que é de Deus e um pouco que é de nós, do mundo. Diz, então, o Papa: isso não é um «bom» sistema. Pois, diz o Senhor no Apocalipse: porque não sois nem maus nem bons, sois tíbios, eu vos condeno.


«Se Pedro tivesse dito aos sacerdotes: “falemos como amigos e estabeleçamos um ‘status vivendi’”, talvez tivesse corrido tudo bem». Mas, não teria sido uma escolha própria «do amor que vem quando ouvimos Jesus».


Fazendo essa escolha, Pedro teve perseguições. O mesmo acontece conosco. Neste momento temos muitas irmãs e irmãos que, para obedecer, ouvir, escutar o que Jesus lhes pede, estão sob perseguição. Recordemos sempre estes irmãos e irmãs que puseram a carne ao fogo e nos dizem com a própria vida: “Quero obedecer, ir pelo caminho que Jesus me indica”».


Peçamos a graça da coragem. Teremos sempre pecados: somos todos pecadores». Mas serve «a coragem de dizer: “Senhor, sou pecador, às vezes obedeço às coisas mundanas, mas quero obedecer a ti, quero caminhar pela tua vereda”. Peçamos esta graça, de ir sempre pela estrada de Jesus. E quando não o fizermos, peçamos perdão: O Senhor perdoa-nos, porque Ele é muito bom».



Para pensar, conversar e partilhar:

1. Como Francisco caracteriza a verdadeira obediência? Porque ele a compara à obediência de um cadáver?

2. Segundo nosso Papa, qual o perigo que nós cristãos corremos na busca da obediência a Deus?



Paz e Bem!

Fraternalmente,


Frei Dorvalino Fassini, OFM e Marcos Aurélio Fernandes




Continue bebendo do espírito deste tema:


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Da perfeita obediência - 2ª parte


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Da perfeita obediência - 2ª parte


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Próximo Encontro: 52º Encontro - Admoestação 3 (continuação) : Da obediência perfeita
















 
 
 

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