4º Encontro (27/02/21) - São Francisco de Assis, um convertido por excelência
- Frei
- 27 de fev. de 2021
- 5 min de leitura
Atualizado: 12 de mar. de 2021
1º Estágio (continuação): Excelência, exemplo e vida ética: o que
a história de São Francisco nos ensina?
Hoje em dia, andando por aí, vemos em propagandas anúncios de empresas que dizem: “excelência nisso ou naquilo” (em construção, em odontologia, em ensino, etc.).
A compreensão que se tem de excelência, usualmente, porém, é defasada. Entende-se por excelência algo assim como eficiência no sentido de “qualidade total”, ser “top” no “ranking” de um setor, melhor do que os outros num ramo ou atividade do fazer. O critério para se decidir que algo é excelente é dado por algum padrão estabelecido, por um cálculo de produtividade segundo este padrão. Cada ramo de atividade conta com instituições que determinam, segundo os cálculos, se algo ou alguém é ou não excelente. Esta compreensão de excelência pode ser contrabandeada para a vida espiritual. Pode-se levá-la para a arte, para a religião, para a filosofia, etc.
Aquele que ocupa o topo (é “top” num “ranking”) é tomado, então, como “exemplo”. O exemplo é, neste caso, entendido como modelo, no sentido de padrão, forma exterior, destaque que vai ou quer encaixar e enquadrar todas as demais pessoas daquele ramo ou profissão. Assim, as pessoas, as comunidades, as instituições, podem se sentir pressionadas pela exigência de excelência, de produtividade, de eficiência, e esta exigência pressiona ainda mais na medida em que a competição por chegar ao topo se torna acirrada, marcada pela famigerada “lei da sobrevivência”, da “seleção natural”, etc. Aquilo que parecia, então, muito racional, aparece como selvagem, desgastante. Quem não consegue se “progredir” na publicidade se sente avexado e, no limite, fica deprimido e perde toda a energia para se dedicar à sua obra, à sua “coisa” (ao que está em jogo no seu ofício, na sua vida). Esse modo de ser hoje influencia muito do que é a “atmosfera” do nosso mundo nas instituições do trabalho, da educação, da pesquisa e da ciência, e, muitas vezes, até mesmo das relações pessoais e comunitárias, tanto marcadas pela exposição pública nas redes sociais (todo o mundo precisa aparecer como “top” em felicidade – em uma felicidade, porém, normalmente medíocre, reduzida a satisfações de consumo e a prazeres que mal dissimulam o tédio de viver). Quem captou muito bem esse problema foi o indiano Aamir Kahn em seu filme “Como Estrelas na Terra”.
Quando falamos de excelência e de exemplo, na espiritualidade, precisamos limpar nossa compreensão de tudo isso. Excelência, em seu sentido originário, diz outra coisa. Diz a capacidade de sair de si (ex) e de se erguer (cellere), superando-se sempre de novo, num caminho de melhoria do próprio ser. Excelência é, então, o movimento de potencializar e de dar o melhor de si, de perfazer-se, maturar-se, consumar-se no próprio ser. É o gosto, a paixão da alegria expansiva de ser. É a jovialidade de ser. Nesse sentido, a excelência indica a vitalidade, a cordialidade de ser”[1].
Excelência é coragem de ser. Os gregos chamavam a força, o vigor, a potência que leva o ser humano de deslanchar, ser bem-sucedido e feliz nesse movimento de excelência de “areté”, virtude. Virtude leva o ser humano a ser bom, isto é, a alcançar o melhor de si. Ser bom não quer dizer, aqui, ser “bonzinho”. Ser bom quer dizer realizar as possibilidades de ser que nos foram concedidas a partir da nossa própria essência. O empenho do ser humano de ser bom, de combater o “bom combate” da vida, de per-fazer, de consumar suas melhores possibilidades de ser, é a marca do que chamamos de vida ética. O ser humano ético é aquele que busca a “vida boa”, isto é, a vida plena de sentido e de vigor, de alegria de ser, não só para si, mas para todos os homens. É aquele que se empenha, com todas as suas forças, para que o ser humano alcance um “ethos” para seu ser. “Ethos” (palavra grega) quer dizer, aqui, morada do ser humano entre a terra e o céu, na convivência com os outros seres humanos, em face do divino.
Hoje, uma das maiores dificuldades é o ser humano encontrar esta morada. Quando ele a encontra? Quando sua essência é abrigada, protegida, salvaguardada, na liberdade da verdade. Fazer da terra uma morada para o humano – tornar nosso mundo um lugar acolhedor que protege a nossa essência em si e nos outros – eis o grande apelo que nos vem hoje de muitos, principalmente do Papa Francisco com suas já famosas Exortações Apostólicas como a Laudato Si e a Tutti Fratelli.
São Francisco é, na história da humanidade, uma das figuras mais significativas, sobressalentes, de realização humana, ética. Na Legenda dos Três Companheiros lemos como São Francisco assumiu o que ele recebeu da terra, da família, do povo de que ele era oriundo, não como algo pronto, mas sim como tarefa de responsabilização. Ele cultivou as “virtudes naturais” (leia “nascivas”, originárias) do humano com grande nobreza, desde os anos da adolescência e juventude. Sinal disso era a sua cortesia, isto é, sua “largueza e caridade” para com os pobres. Era um excelente comerciante, mas recusou a mesquinhez burguesa da ambição do lucro como medida de vida.
Reconheceu que a posse de dinheiro e de bens materiais não era sinônimo de riqueza. Em busca do tesouro da vida feliz, lançou-se, de corpo e alma, atrás de algo maior, de uma riqueza mais plena. Passou então a ambicionar a nobreza. Mas, irá descobrir, então, um Senhor muito mais rico e nobre do que todos os senhores da terra. Mas, isso veremos nos próximos encontros.
Estamos apenas no começo da caminhada de Francisco. Toda sua história é caminhada de uma libertação para a liberdade e para a jovialidade expansiva de ser. Toda sua história é caminho de excelência. Ele é, assim, um exemplo para nós, isto é, uma figura que nos mostra como nós podemos, por nós mesmos, dar o melhor de nós a nós mesmos, e, assim, alcançar a maturação de nossas melhores possibilidades de ser.
Que possamos, com ele, aprender sempre de novo, a caminhar, dando a cada dia um passo a mais, na melhoria de nós mesmos, de modo que o humano em nós, alcance sua excelência e que nele brilhe o esplendor da Imagem de Deus, do Deus humanado, de Jesus Cristo. Assim seja.
Marcos Aurélio Fernandes
[1]Harada, Hermógenes. “A excelência”. Em: Revista Filosófica São Boaventura, volume 14, n. 2 (2020), p. 29-36. Acesso em 21.02.2021: https://revistafilosofica.saoboaventura.edu.br/filosofia/issue/view/13. /https://revistafilosofica.saoboaventura.edu.br/filosofia/article/view/112 .
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