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47º Encontro (24/12/21) - Natal de Greccio - Admirabile Signun

  • Foto do escritor: Frei
    Frei
  • 23 de dez. de 2021
  • 8 min de leitura


Natal de Greccio – Admirabile Signun


Introdução


Interrompemos nossas reflexões acerca das Admoestações de São Francisco para, hoje, e no próximo encontro, debruçar-nos sobre o Natal de São Francisco, o Natal ou Presépio de Gréccio.


Nosso Papa Francisco, desde o início de seu pontificado, não apenas vem propondo São Francisco como modelo de reconstrução da Igreja e da humanidade, mas, também, nos brindando, seguidamente, com algum exemplo significativo e provocante da vida desse nosso Santo. Em 2019 (1/12), com a Carta apostólica Admirabile Signum (AS), nos convoca a retomar o costume de montar e contemplar o Presépio de Gréccio, inventado por São Francisco. Esse costume, diz ele, encerra uma rica espiritualidade popular. Por isso, almejo que esta prática nunca desapareça; mais, espero que a mesma, onde porventura tenha caído em desuso, se possa redescobrir e revitalizar (AS 1).


“Admirabile” (Admirável) significa que estamos diante de algo que vale a pena, merece ser olhado, contemplado, mirado, com todo respeito, reverência e diligência. Isso porque se está diante de um Signum (Sinal). Sinal, aqui, é mais que uma indicação, semelhante a uma placa ou seta de trânsito, que nos aponta o rumo que devemos seguir para chegar a outra cidade que está ainda longe, por vir, fora de nós. Quando se trata de Religião ou de amor, sinal é selo, marca de uma realidade viva que, pelo vigor da gratuidade do encontro, da afeição, passa a pulsar em nós, a modo de raiz ou fonte; uma realidade que, pelo seu toque e enamoramento, nos entusiasma e (co)move a uma conduta condizente com sua natureza. Como sinal, porém, ele apresenta o segredo, a realidade, não de modo direto, narrativo, explícito, descritivo e racional, mas, de modo oblíquo, como que escondendo-a e protegendo-a, através de imagens, exemplos, parábolas e insinuações. Por isso, também, seu acesso se dará muito mais parando para olhar, ver, admirar e contemplar do que discorrendo através de raciocínios especulativos.



1. Recordar o Menino que nasceu em Belém e ficou em cima da palha


O Papa começa a falar, explicitamente, do presépio de Francisco no número 2 de sua Carta, transcrevendo, antes de mais nada, a razão dada pelo próprio Santo acerca daquela iniciativa: Quero recordar o menino que nasceu em Belém, os apertos que passou, como foi posto num presépio, e contemplar com os próprios olhos como ficou em cima da palha, entre o boi e o burro” (AS 2).


Vem, então, esta primeira e importante consideração do Papa: Assim nasce a nossa tradição: todos à volta da gruta e repletos de alegria, sem qualquer distância entre o acontecimento que se realiza e as pessoas que participam no mistério (AS 2). A frase merece destaque, pois o Papa diz que não há distância entre o Natal na estrebaria de Belém e o Natal na gruta de Gréccio. E a razão é porque, tanto num como noutro, o mistério é o mesmo. Isso significa, consequentemente, que toda vez que se celebra o Natal, se arma um presépio, em qualquer recanto do mundo, numa família, numa fábrica, numa escola, debaixo de um viaduto, numa catedral ou capelinha de roça ou de favela, num presídio, numa praça, etc. o mistério de Belém, como outrora em Gréccio, se repete, se re-nova, se faz presente, atual e atuante. É o peso, o vigor, a força, o milagre desse Signum!


Por isso, o atingimento do toque, da graça desse mistério, isto é, do Menino que veio do Céu e está deitado numa manjedoura, é direto e imediato, dispensando palavras, discursos. Evangeliza, encanta, (co)move por si! E isso, é admirável, diz o Papa. Daí esta sua grande e importante conclusão: Com a simplicidade daquele sinal, São Francisco realizou uma grande obra de evangelização. O seu ensinamento penetrou no coração dos cristãos, permanecendo até aos nossos dias como uma forma genuína de repropor, com simplicidade, a beleza da nossa fé (AS 3).


Vale a pena deter-nos um pouco nessa frase: O ensinamento daquela celebração penetrou no coração dos cristãos e perguntar-nos: como? Sim, como ou porque o Presépio de Gréccio ensina, evangeliza; porque ou como comunica a Boa Nova que tem o poder de transformar o humano dos homens, a Igreja, cada um de nós?


Quem nos dá uma bela resposta é Frei Hermógenes Harada. Em seu Diário, contido no livro “Fidelidade do Pensamento”, descreve um Natal que passou e celebrou numa pequena Comunidade, perto de São Paulo. Considera, então, que a celebração do Natal é, acima de tudo uma recordação do Nascimento de Jesus. E, logo, acrescenta que recordar não é apenas lembrar-se, não é pensar vagamente no passado. Recordar é mergulhar na palpitação originária do coração. Coração que não é uma parte apenas do homem, mas sim o vigor essencial, a plenitude do ser. Recordar o nascimento do Senhor do Dia, da Luz, é, portanto: fazer surgir na sua força originária, plena e palpitante, a força essencial, fundamental da Realidade (Da Fidelidade do Pensamento, Fragmentos de um Diário, Frei Hermógenes Harada, pág. 154).


E o próprio Harada, tomado de espanto, diante daquele Natal, naquela pequena Comunidade, comenta: Somos uma pequena porção de gente, no meio da grande São Paulo, no meio da Humanidade. No entanto, essa pequena porção, totalmente insignificante, celebramos o aqui, nessa afastada capela, à meia-noite, o Nascimento do Deus da Luz – Jesus Cristo (idem).

Mas, Harada menciona, também, a grande Realidade, do Mundo, da Humanidade toda: as forças, as crises, os problemas, as fomes, a miséria, os gritos de desespero em toda a parte, crimes, grandes feitos e conquistas da tecnologia, ciência, ações sociais admiráveis, renovação da Igreja com sua nova Pastoral, etc. E, novamente, nosso mestre, meditando e contemplando, diz: Diante dessa grande e presente realidade atual e atuante dos homens, hoje, retirados aqui, recordamos o nascimento do Senhor. E dizemos: recordar é fazer palpitar em plenitude o vigor originário da Realidade (idem).


Em seguida, em forma de pergunta-reflexão-contemplação e, meio perplexo, se interroga:


Que Realidade é essa tão insignificante, tão pouco atraente, tão pobre, que continuamente está sob a ameaça de se tornar sentimental, romântica, alienada? Que realidade é essa, a da Manjedoura, onde se dá um recém-nascido na sua total nudez e fraqueza, exposto à total dependência da boa vontade de pessoas que, por sua vez, pobres, desprotegidos, estão ali na sua finitude, perdidos como pequenos grãos de ser no meio da noite, na imensa solidão do universo? (idem).


E ele mesmo dá a resposta:


A Boa Nova do anjo da meia-noite, no entanto, nos diz: “Não temais. É nessa finitude que se anuncia a Salvação!” (idem).


Sim, diz o Anjo, “não temais!”, Aquele que o céu e a Terra não conseguem conter se faz tão pequeno, finito, limitado que cabe num coxinho de estrebaria, no meio do bafo e do estrume dos bois e das vacas. Coxinho do pasto, da comida dos animais porque ele veio para se transformar em comida para os homens! Eis o Admirabile Signum! Grande demais para ser compreendido de vez! É preciso refletir, diz nosso confrade. Mas não como nós costumamos faze-lo e sim como Maria. Pois, nós pensamos assim: esse menino é fraco, mas vai crescer, vai desvelar seu poder! Dominará a Terra e salvará a humanidade!” (idem). O Evangelho, porém, diz outra coisa: “É nessa finitude assumida como Graça que está a força do Senhor” (idem). É a loucura da Cruz, de que nos fala São Paulo em sua Primeira Carta aos Coríntios! Assim, Presépio, Cruz, Eucaristia, aparecem como fraqueza. No entanto, são a força da “Não Força”, a pura Boa-Vontade, isto é: a Gratuidade da Vida que é Deus! A Realidade das realidades! A “coisa” (no latim “res”: o “real”) que rege, sustenta todas as “coisas”.


Essa Realidade das realidades (o Real), a Boa Nova, anunciada pelos Anjos na Noite de Natal, como a Realidade salvadora para as pequenas e grandes Realidades da Igreja e do Mundo, aparece também, com a cena dos pobres pastores da periferia de Belém que, alegres foram às pressas a Belém para ver a criança recém nascida. Mas, o que viram, pergunta Frei Harada? Algo miraculoso? Grandioso? Não! Apenas um recém-nascido, deitado no presépio. Viram e creram que esse recém-nascido era o Salvador (idem).


E, de novo, Frei Hermógenes nos provoca: Para nós, tudo isso é óbvio dentro da compreensão usual que temos da salvação. Para nós é algo conhecido que esse menino irá crescer, se revelar, adquirir o poder para nos salvar. Mas, talvez, aquilo que afeiçoou os simples corações dos pastores, não foi isso que nós hoje obviamente admitimos. Talvez, a Boa Nova está nos dizendo uma tremenda verdade do ser: que é na própria fragilidade do recém-nascido que está a salvação. Como? (idem, pág. 155).


E o próprio Frade responde:


Como recém-nascido, exposto na Terra, um pontinho perdido na imensidão do universo. Fraco! Dependente! Finito! Limitado! Mas, há ali algo que é novo: a Boa Vontade! A Realidade das realidades, a capacidade de ser de Graça, gratuito (idem). Eis o Admirabile Signum!



2. Natal, Gréccio e seu desafio


Entretanto, para nós, hoje, tomados pelo fascínio da grandeza do ser e do poder, fruto da cristandade, é difícil compreender e acolher a grandeza e o poder desse pontinho perdido na imensidão do universo. Fraco! Dependente! Finito! Limitado. Por isso, diante do Natal de Gréccio, por vezes, nos sentimos um tanto incomodados, constrangidos, desafiados. Pois, se de um lado gostaríamos de celebrar o Natal como Francisco, por outro lado constatamos que algo nos puxa para trás. Uma certa “consciência crítica”, um certo receio de que uma fé tão pessoal, direta e concreta, tão íntima, simples e pobre não seja uma fé madura, mas infantil, não de cristãos adultos, responsáveis; uma fé um tanto piegas e, ou quiçá, pior ainda, de alienados, intimistas e conformistas! E, então, começamos a desejar e a inventar outros natais, como, por exemplo, o “Natal dos meninos de rua”, o “Natal dos velhinhos esquecidos nos asilos”, o “Natal dos presidiários” o “Natal dos desempregados”, o “Natal do Papai Noel”, o “Natal da família”, o “Natal do Amigo Secreto” etc., etc.


Tudo isso é válido, importante e necessário e muito elogiável, mas não é a essência do Natal, como nos diz e mostra São Francisco. Pois, cuidar dos pobres e necessitados, dos esquecidos, abandonados, desempregados e das nossas famílias, enfim, cumprir fielmente o mandamento do amor ao próximo, dado pelo Senhor, é ordem para todos os dias do ano e não apenas para alguns dias ou semanas do mês de dezembro. Para fazer isso não precisaríamos do Natal.


Uma coisa é inventar um Natal para ver, mostrar e sentir o poder de nossa caridade e outra para, como São Francisco, recordar o menino que nasceu em Belém, os apertos que passou, como foi posto num presépio, e contemplar com os próprios olhos como ficou em cima da palha, entre o boi e o burro.



Conclusão


Longe de nós, portanto, querer transformar esse Admirabile Signumem Scandalosus Signum”; querer transformar a Pobreza que é Deus, sua Cruz, sua Loucura, seu Poder, que não é nenhum poder, em sabedoria dos sábios, inteligência dos inteligentes e poderosos deste mundo (Cfr. 1Cor 1,23). Esses podem se escandalizar. Nós jamais!


Por isso, finalizamos recordando esta exortação do nosso Papa:


Jesus, «manso e humilde de coração» (Mt 11,29), nasceu pobre, levou uma vida simples, para nos ensinar a identificar e a viver do essencial. Do Presépio surge, clara, a mensagem de que não podemos deixar-nos iludir pela riqueza e por tantas propostas efêmeras de felicidade. Como pano de fundo, aparece o palácio de Herodes, fechado, surdo ao jubiloso anúncio. Nascendo no presépio, o próprio Deus dá início à única verdadeira revolução que dá esperança e dignidade aos deserdados, aos marginalizados: a revolução do amor, a revolução da ternura. Do presépio, com meiga força, Jesus proclama o apelo à partilha com os últimos como estrada para um mundo mais humano e fraterno, onde ninguém seja excluído e marginalizado (AS 6).



Para pensar, conversar e partilhar:


1. Por que o Papa chama o Presépio de Gréccio de “Admirabile Signum”?

2. Qual o sentimento mais profundo que tomava conta de Francisco diante do Natal de Belém?



Paz e Bem!

Fraternalmente,


Frei Dorvalino Fassini, OFM e Marcos Aurélio Fernandes




Continue bebendo do espírito deste tema:


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Greccio – Admirabile Signun


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