37º Encontro (16/10/21) - Isto é o meu Corpo, isto é o meu Sangue
- Frei
- 17 de out. de 2021
- 8 min de leitura
Atualizado: 24 de out. de 2021
Do corpo do Senhor
ou
Como Deus revela a loucura de sua Paixão por nós
5ª. Parte
Isto é o meu Corpo, isto é o meu Sangue
Introdução
Estamos lendo um dos textos mais expressivos, ricos e profundos e ao mesmo templo simples e claro da mística de São Francisco acerca da Eucaristia: a Admoestação 1ª que tem como título Do Corpo do Senhor. Vimos nos últimos Encontros o quanto de loucura Deus é capaz, a fim de tornar-se acessível a nós, e assim poder estar conosco, seus filhos queridos, enfim, ser “Deus conosco”. Para tanto, entrega-nos seu Filho único até a morte e morte de Cruz. Por isso, também, só há este caminho, este espírito ou modo de ser, para acolhê-lo: morrer a si mesmo.
No terceiro parágrafo, objeto de nosso estudo de hoje, Francisco nos conduz ao coração dessa sua Admoestação: o memorial da Paixão de Cristo, no qual Jesus instituiu a Eucaristia, o mistério de seu Corpo e Sangue.
Pão e vinho consagrados
Do mesmo modo, todos os que veem o sacramento, santificado pelas palavras do Senhor sobre o altar, através da mão do sacerdote, na forma de pão e vinho, e não veem e não creem, segundo o espírito e a divindade, que seja verdadeiramente o santíssimo corpo e sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo, são danados, segundo o testemunho do próprio Altíssimo que diz: “Isto é o meu corpo e o meu sangue do Novo Testamento [que será derramado por muitos”], e: “Quem come” a minha carne “e bebe” o meu sangue “tem a vida eterna”. Por isso, o espírito do Senhor, que habita nos seus fiéis, é quem recebe o santíssimo corpo e sangue do Senhor. Todos os outros que não têm do mesmo espírito e presumem recebê-lo, comem e bebem “o seu julgamento”.
Nova forma de Cristo estar conosco
Há um paralelo muito significativo entre o que Francisco diz no parágrafo segundo (vs. 6 a 8) e no terceiro (vs. 9 a 13). Os apóstolos por não olharem segundo o espírito, isto é, segundo a gratuidade, o amor, a pobreza de espírito, não podiam ver nem crer que aquele homem, que os chamara para segui-lo, era verdadeiramente o Filho de Deus. Agora, a história se repete conosco. Pela mesma razão, isto é, por não olhar segundo o espírito e a divindade, isto é, segundo a graça da escolha, do chamado, também nós não conseguimos ver que sobre o altar esteja o Corpo e o Sangue do mesmo Senhor. Por isso, danificados, perdidos, prejudicados lá, danificados, perdidos e prejudicados cá!
Para compreender a nova forma do Senhor continuar no meio dos seus e com eles, talvez, ajude se recordarmos como foi que surgiu ou porque Jesus Cristo instituiu esse mistério. São João diz que Jesus, chegada a hora de passar dessa vida para o Pai, tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim (Jo 13,1). “Até o fim”, significa até o máximo, o sumo, até “não poder mais”.
Tudo indica que a angústia de Jesus era de como levar adiante sua Paixão por aqueles que o Pai lhe confiara; como permanecer com eles, até o fim dos tempos, para assim poder sentir o que sentem, sofrer o que sofrem, alegrar-se com os que se alegram, enfim, para poder viver e morrer com e como eles. Só assim sentiriam o quanto o Pai os olha, os vê, os cuida, os ama. Para isso, precisava descobrir, inventar uma nova forma, diferente da figura humana que recebera de sua mãe, a virgem Maria. E essa apareceu durante a Última Ceia. Na verdade, o que Cristo fez, então, foi antecipar para a véspera – quinta-feira santa e em forma de Ceia, de pão comido e de vinho bebido – o “fim”, isto é, o sentido novo e único de toda a história da humanidade que Ele haverá de consumar, no dia seguinte, na e com a Cruz.
Assim, o pão e o vinho, santificados pela sua palavra, terão, para além de sua substância de trigo e uva, a substância de sua Paixão: sua entrega total e irrestrita ao Pai e aos homens, expressa na morte e morte de cruz. E quem garante o mistério dessa “transubstanciação” é Ele mesmo ao proclamar que “Isto é o meu corpo e o meu sangue do Novo Testamento que será derramado por muitos”.
Ora, se já antes fora muito penoso para os discípulos ver e aceitar aquele nazareno, conhecido por todos como o filho de Maria e de José, como o Messias, o Filho de Deus vivo, vindo do céu, como poderiam vê-lo e aceitá-lo agora num pedaço de pão e pouco de vinho? Por isso, Jesus insiste: Isto é o meu corpo! Ou seja: “Este pão sou eu mesmo, inteiro, com toda a minha obra, e não apenas uma lembrança de alguém que já passou. Nele deveis ver a mim mesmo, como me vistes todos os dias me doando aos pecadores, aos enfermos e marginalizados e, acima de tudo, como me vereis amanhã na Cruz, entregando-me todo e inteiramente ao Pai e a vós! É assim que eu vou continuar com vocês!”
Certamente, perplexos, os discípulos não tem palavras para expressar o espanto diante de tamanho mistério. Já haviam assistido a milagres estrondosos, como o da multiplicação dos pães, da cura de doentes, da libertação de enfermos de suas doenças e de seus demônios, de pecadores de seus pecados, mas esse supera a todos por essa inaudita novidade: sua Pessoa continuar viva com eles no Pão e Vinho consagrados, que Ele chama de seu Corpo. E, para que esse mistério aconteça, basta que sigam seu mandamento: que façam isso em sua memória!
Por isso, não é à toa que Francisco comece esse parágrafo com um do mesmo modo. Isso significa que o que foi, ou era, continua sendo, mudando apenas a forma. Se antes sua presença fora de forma histórico-factual, agora será sacramental e para sempre, até o fim dos tempos. O esforço de Deus, através de seu Filho, de estar conosco agora é muito mais humilde e crucial do que antes, na Encarnação e na Cruz. Por nós Ele se abaixa até a forma de uma “coisa”: pão e vinho. Se antes ele se prendera a um corpo semelhante ao nosso, agora o faz a um pedaço de pão e pouco de vinho.
É muito significativo que Jesus chame de “Corpo” esta sua nova forma de “estar conosco”. Corpo sempre nos transporta para o mundo da colegialidade, da sociabilidade, da solidariedade e da gratuidade. O que é nosso corpo, por exemplo, senão a soma de uma grande comunhão de órgãos que, todos juntos, gratuita, dia e noite, se doam inteiramente a fim de que tenhamos a vida!? Sem nenhum comando nosso, por exemplo, os olhos nos fazem ver, os ouvidos ouvir, os sentidos sentir! Da mesma forma, o coração trabalha dia e noite, recebendo nosso sangue desgastado, poluído, para, depois de purificá-lo, reenviá-lo a todos os membros do corpo. Tudo gratuita e generosamente, por iniciativa própria! O mesmo acontece com nossa irmã e mãe Terra e o Universo todo. Um grande e maravilhoso corpo servindo à vida pelos séculos afora! Assim é a presença de Deus em nossa vida: gratuita, serviçal, humilde, escondida, crucificada, alegre e, acima de tudo, cheia de paixão e amor para com cada um de nós.
A Eucaristia é o maior sacramento, o grande Sinal de todo esse mistério! Por isso, São Francisco, na Carta a toda a Ordem, escreve: Pasme o homem todo, estremeça o mundo inteiro e exulte o Céu, quando, sobre o altar, na mão do sacerdote, está ‘o Cristo, o Filho do Deus vivo!’ Ó admirável grandeza e estupenda dignidade! Ó humildade sublime! Ó sublimidade humilde! O Senhor do universo, o Deus e o Filho de Deus, assim se humilha e se oculta sob a módica fórmula de pão para a nossa salvação! Vede, Irmãos, a humildade de Deus e ‘derramai diante Dele os vossos corações; humilhai-vos também vós para que sejais exaltados’ por Ele (CO 26-28).
O ministério do corpo do Senhor, hoje
Como e quão longe estamos nós desse sentimento de Francisco! Diante de um Deus que não apenas se deixa espoliar, mas chega ao cúmulo de ordenar à sua criatura que o coma; que se abaixa a modo de servo e escravo para lavar-lhe os pés; que a ama ao ponto de morrer na cruz por ela, sim, tudo isso não nos espanta, não nos estremece, não nos comove, não nos engasga mais!
Compreende-se, então, a convocação de São Francisco: Ó filhos dos homens, até quando tereis o coração pesado? Por que não reconheceis a verdade e não ‘credes no Filho de Deus’?!
Na Missa da Ceia do Senhor, de 2020, o Papa Francisco dizia: O Senhor quer ficar conosco na Eucaristia, e nós tornamo-nos tabernáculos permanentes do Senhor. Trazemos conosco o Senhor, a ponto de Ele próprio nos dizer que, se não comermos o seu Corpo e não bebermos o seu Sangue, não entraremos no Reino dos Céus. Este é o mistério do Pão e do Vinho, do Senhor conosco, em nós, dentro de nós”.
O desejo de Cristo, ao instituir esse Mistério, foi o de continuar a ser peregrino, viandante. E isso somente para poder continuar a caminhar, andar, viver, sofrer e se alegrar conosco, como Ele mesmo o fizera antes. Por isso, anunciara: ‘Quem come a minha carne e bebe o meu sangue, permanece em mim e eu nele’ (Mc 6,56). Consequentemente, não é boa nem saudável a espiritualidade que vê a presença real de Cristo na Eucaristia como uma realidade fixa, estática, a modo de uma “coisa”, estátua ou imagem. Sua presença é, antes, de uma pessoa, viva e real, que deseja participar, comungar – comer - da caminhada, da história dos homens e de cada um de seus amigos e seguidores. Por isso, recebe, também, o nome de Viático, isto é, aquele que está a caminho, ou no caminho, para andar, caminhar a modo de peregrino e forasteiro (2C 32).
Devemos reconhecer, hoje, que a Eucaristia, diferentemente da Igreja primitiva e dos primitivos franciscanos, não é mais a primeira Regra, a principal Forma de Vida, a inspiração originária do nosso dia a dia, da nossa semana, capaz de nos libertar da busca ensimesmada do nosso pequeno eu, impedindo que cheguemos ao grande EU ou TU. Talvez, ainda não tenhamos despertado para essa grande troca ou intercâmbio que nos é oferecido quando vamos comungar. O celebrante proclama: Eis o Corpo de Cristo! E cada um responde Amém! Isto é, “Sim, Senhor!” “eu te quero como tu me queres, eu quero te acolher como tu me acolhes; eu quero te comungar como tu me comungas. Só assim teu Eu, tua história, serão meu eu, minha história; só assim posso comungar a nova humanidade, a nova criação; te comungando, estou declarando, oficialmente, que quero assumir tua missão, tua nova humanidade, tua nova criação em mim, em todos e em tudo!” Enfim “Meu Deus em tudo!” (Atos 1).
Para pensar, conversar e comentar:
1. O que levou Cristo a instituir o Sacramento de seu Corpo e Sangue? Por que deu lhe esse nome?
2. Como Francisco relacionava Missa e Vida e vice versa, Vida e Missa? É também para nós, hoje, esse sentimento?
Paz e Bem!
Fraternalmente,
Frei Dorvalino Fassini, OFM, e Marcos Aurélio Fernandes
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