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33º Encontro (18/09/21) - Como Deus revela a loucura de sua Paixão por nós

  • Foto do escritor: Frei
    Frei
  • 19 de set. de 2021
  • 8 min de leitura


Do corpo do Senhor

ou

Como Deus revela a loucura de sua Paixão por nós



Depois de termos olhado o sentido e a importância das Admoestações de São Francisco, vamos, a partir deste Encontro, dedicar-nos a cada uma delas, começando com a primeira. Por sua riqueza e profundidade, a dividiremos em quatro partes ou Encontros.


1ª Parte


O Pai habita numa luz inacessível


Introdução


O título da primeira Admoestação não poderia ser mais significativo e precioso. É o mesmo com o qual o próprio Senhor definiu seu novo modo de marcar sua nova e definitiva presença entre nós: Do Corpo do Senhor (Mc 14,22). Ou seja, Deus se faz presente no meio de nós a modo de corpo. Acerca dessa expressão e seu significado, porém, refletiremos mais adiante, na terceira parte. Aqui vamos nos deter ao mistério de um Pai inacessível, que inventa caminhos, os mais inauditos e “loucos”, a fim de fazer-se acessível. Vejamos o primeiro parágrafo:


Diz o Senhor Jesus a seus discípulos: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida. Ninguém vem ao Pai senão por mim”. Se “me” conhecêsseis, “certamente” conheceríeis “também meu Pai; e em verdade O conheceis bastante e O vistes. Diz lhe Filipe: Senhor, mostra-nos o Pai, e isto nos basta. Diz lhe Jesus: Há tanto tempo estou convosco e não me conhecestes? Filipe, quem me vê, vê também meu Pai”. O Pai habita “numa luz inacessível. O espírito é Deus e a Deus ninguém jamais viu”.



1. Uma fala que nasce da graça do encontro


O mistério do Corpo do Senhor, a Eucaristia, marcou profundamente, desde o início, toda vida e toda caminhada de Francisco e de sua Ordem. Foi ouvindo a Missa em honra do Apóstolo São Matias, que Francisco teve a iluminação de que o seguimento de Cristo Crucificado dele e de todos os seus companheiros devia ser segundo a Forma de vida dos Apóstolos. A partir de então, a Missa tornou-se a alma, o pulmão da vida diária dos frades.


Por isso, também, é a partir da alegria e do fervor da graça desse encontro que Francisco escreve o título não com o artigo “o”, mas com o genitivo “do”: Do Corpo do Senhor. No primeiro caso, estaria escrevendo de fora, como quem olha e vê de longe, a modo de espectador ou fotógrafo, enquanto que, no segundo, ele o vê e o faz de dentro, a partir do toque, do enamoramento, da convivência e da experiência com esse mistério. Assim, enquanto o jornalista, por exemplo, fala sobre minha mãe, eu, o filho, sempre haverei de escrever e falar de minha mãe. Francisco, portanto, vai falar “da” Eucaristia a partir dela mesma, da graça do encontro dele com esse mistério de Cristo, de sua ligação e pertença a Ele.


É, também, movido por esse mesmo espírito, que ele inicia sua Admoestação escrevendo: Diz o Senhor. Quem ama se diz, se fala, se abre, se comunica, se expõe, se doa. É assim que Francisco vê seu Senhor. Alguém “doido”, ou doído, para viver conosco, se comunicar (comungar) conosco. Por isso, também, Francisco não pensa num passado, escrevendo “disse”. Para ele Jesus é uma pessoa viva, real e presente, com a qual podemos e devemos nos encontrar e conversar como nós estamos conversando; alguém no qual podemos tocar ou deixar-nos tocar como acontecera com os Apóstolos, no seu tempo. Por outro lado, ao chamar Jesus de Senhor, Francisco está convocando a si e a seus companheiros para a alegria, o encanto, a doçura e o vigor da graça da honra e da dignidade de terem sido escolhidos, eleitos, aceitos e amados para segui-Lo. Na experiência do enamoramento, do amor, o outro é sempre “meu Senhor” e eu “seu servo!” Por tudo isso, nada melhor para exortar os irmãos do que partindo das palavras do próprio Mestre e Senhor que diz ou fala.


Eis a paisagem que dá origem a essa Admoestação!


2. Cruz-Eucaristia, Caminho, Verdade e Vida


O texto começa citando, literalmente, 4 versículos do diálogo, da catequese de Jesus com seus discípulos no seu longo e saudoso discurso de despedida, durante a Última Ceia (Cf. Jo 14,6-9). Francisco parte, portanto, da manifestação de Jesus acerca de seu grande desejo de fazer com que os discípulos entendessem, acolhessem e amassem seu modo de estar, viver e permanecer com eles: o de crucificado; que esse modo, após a Ressurreição, será ainda mais radical, mais crucificado, pobre e inaudito: num pedacinho de pão e num pouquinho de vinho. Por isso, em sua catequese, começa dizendo que é assim, desse modo e de nenhum outro, que eles devem entendê-Lo e acolhê-Lo como o caminho, a verdade e a vida para o Pai.


A catequese toca no desafio crucial de todo discipulado cristão: em vez de seguir o Mestre, através do Caminho Dele, querer segui-Lo através de seu próprio caminho, de sua própria verdade, de sua própria vida. Ora, o que estava impedindo Filipe de ver Jesus nessa sua verdadeira identidade era, justamente, porque ainda não se convertera totalmente em discípulo. Após três anos de catequese e convivência, ainda desejava um Messias triunfalista, político-religioso e não um Messias pobre, Filho do Homem, um nazareno que veio não para julgar, mas, para ser julgado e perdoar, não para impor ou mandar, mas, para ouvir e acolher, não para condenar, mas, para amar e dar sua vida em favor dos homens. Enfim, Filipe, como os demais discípulos, queria um Messias para si, para o consumo de seus desejos e planos. Em vez de pensar e querer ser como o Mestre queria, ele, Filipe, discípulo, queria que o mestre pensasse e fosse como ele pensava, queria e vivia.


Era preciso, pois converter lhe o coração, a mente, o espírito. Como bom pedagogo, Jesus sabe muito bem que isso só será possível se, a seu exemplo, incendiar-lhe, primeiramente, o coração, com o ardente fogo da Paixão do Pai. Por isso, lança-lhe o desafio: o Pai mora numa luz inacessível... É como se alguém, apontando para a montanha mais alta do mundo, dissesse para um apaixonado alpinista: “Aí está o pico mais alto do mundo e que ninguém, até hoje, conseguiu galgar!”


A insistência de Jesus, acerca da inacessibilidade do Pai, não é tanto para dizer que eles, a partir deles mesmos, não têm nenhuma possibilidade de chegar ao Pai, mas, para que eles vejam a loucura da Paixão de seu Pai: Ele lhes entrega inteiramente seu único Filho muito amado a fim de que todos os homens pudessem achegar-se a Ele como seus filhos queridos. Em certo sentido, o Pai “perde” seu Filho a fim de poder ganhar de volta todos os seus filhos que, desde Adão, haviam se perdido. Por isso, o Filho, desprendendo-se de sua divindade, vem na pobreza, inocência e humildade de uma criança, deitada num coxinho de estrebaria, de um Filho do Homem que se deixa aniquilar na Cruz e que logo depois se faz pão eucaristizado. Um pão que podemos pegar na mão e comer e fazer Dele o que bem quisermos. Eis o modo louco do inacessível fazer-se acessível! Por isso, em sua Carta a toda a Ordem, Francisco extravasa sua emoção com essa comovente admoestação:


Pasme o homem todo, estremeça o mundo inteiro e exulte o Céu, quando, sobre o altar, na mão do sacerdote, está o Cristo, o Filho do Deus vivo! Ó admirável grandeza e estupenda dignidade! Ó humildade sublime! Ó sublimidade humilde! O Senhor do universo, o Deus e o Filho de Deus, assim se humilha e se oculta sob a módica fórmula de pão para a nossa salvação! Vede, Irmãos, a humildade de Deus e derramai diante d'Ele os vossos corações; humilhai-vos também vós para que sejais exaltados por Ele. Nada, pois, de vós retenhais para vós, para que vos receba a todos por inteiro Aquele que se vos dá todo inteiro (CO 26-31).


Enfim, estamos diante da mais bela e expressiva catequese da dinâmica do amor. O amor é sempre inacessível. Tanto para quem ama como para quem é amado. No casamento, por exemplo, João só pode amar Maria se essa o aceitar, o receber e vice versa: Maria só pode amar o João se esse a aceitar. Nós só podemos amar a Deus se ou porque Ele nos amou por primeiro. E é isto que Ele fez ao criar-nos e, muito mais intensa e profundamente, ao redimir-nos através de seu Filho encarnado-crucificado-eucaristizado. Mas, também para Ele nosso amor é inacessível. Só terá nosso amor se nós o permitirmos, o recebermos; se nós, como Ele, também, morrermos ao nosso próprio eu, abrindo, humildemente, nosso coração a fim de que entre e aí faça sua habitação. Por isso, Ele o mendiga com toda a humildade, pobreza e reverência como Esposo diante de sua esposa querida, amada, eleita.


Eis o caminho, a verdade e a vida para o Pai, abertos por Jesus para todo seu discípulo! Nesse sentido, caminho, verdade e vida, antes de algo pronto, já feito ou realizado, fixo, indicam um modo de ser, um espírito, uma conduta de quem, sempre de novo, se dispõe a dar tudo, do bom e melhor de si, para acolher a pessoa amada. E esse foi, sempre, o primeiro motivo de toda evangelização franciscana: levar os fiéis a acolher, com alegria e gratidão, Aquele que muito nos ama.



A inacessibilidade de Deus hoje ou Como ver Deus hoje


A inacessibilidade de Deus sempre desafiou a mente dos estudiosos e religiosos. São Francisco, por exemplo, em seu famoso retiro quaresmal, no monte Alverne, ajoelhado, com a face e com as mãos erguidas para o céu e em fervor de espírito, passava horas e horas dizendo nenhuma outra coisa senão: Quem és tu, dulcíssimo Deus meu, e quem sou eu, vilíssimo verme e teu inútil servo? (CCE 3). Quem, entre nós, hoje, aborda essa questão são nossos dois últimos Papas.


Bento XVI, em sua Encíclica Deus Charitas est, escreve:


Com efeito, ninguém jamais viu a Deus tal como Ele é em Si mesmo. E, contudo, Deus não nos é totalmente invisível, não se deixou ficar pura e simplesmente inacessível a nós. Deus amou-nos primeiro — diz São João (Cf. 1Jo 4,10) — e este amor de Deus apareceu no meio de nós, fez-se visível quando Ele «enviou o seu Filho unigênito ao mundo, para que, por Ele, vivamos» (1Jo 4, 9). Deus fez-Se visível: em Jesus, podemos ver o Pai (Cf. Jo 14, 9). Existe, com efeito, uma múltipla visibilidade de Deus. Na história de amor que a Bíblia nos narra, Ele vem ao nosso encontro, procura conquistar-nos — até à Última Ceia, até ao Coração trespassado na cruz, até às aparições do Ressuscitado e às grandes obras pelas quais Ele, através da ação dos Apóstolos, guiou o caminho da Igreja nascente. Também na sucessiva história da Igreja, o Senhor não esteve ausente: incessantemente vem ao nosso encontro, através de homens nos quais Ele Se revela; através da sua Palavra, nos Sacramentos, especialmente na Eucaristia.


Portanto, se Deus, através de seu Filho que, morrendo na Cruz, infunde sobre todas as criaturas o Espírito, que é seu Amor; se esta doação se prolonga através do seu Corpo, que é a Eucaristia, onde e sempre que aparecer um pouquinho de amor, aí, nesse amor está e podemos ver Deus. Por isso, segundo o atual Papa, Francisco, nesse tempo de pandemia, nós podemos ver Deus, também, em tantas pessoas que, saindo de sua zona de conforto, procuram salvar a vida dos outros, muitas vezes, colocando a própria vida em jogo.


E conclui o Papa: Vejo um transbordamento de misericórdia ao nosso redor. Os corações foram postos à prova. A crise suscitou em alguns uma coragem e uma compaixão novas. Alguns foram sacudidos e responderam com o desejo de reimaginar nosso mundo; outros procuraram socorrer, com gestos bem concretos, as carências de tantos, capazes de transformar a dor do próximo (Papa Francisco em Vamos Sonhar Juntos, Intrínseca, pág.13).


Portanto, Deus já fez e está sempre fazendo sua parte: revelou-se e continua se revelando em plenitude em forma de misericórdia e compaixão. O que falta a nós, como a Filipe, outrora, é fazer a nossa parte, converter-nos, isto é, purificar nosso espírito, nossa mente e nosso coração de todos os nossos interesses e ideologias.


Não garante o próprio Senhor: Bem-aventurados os puros de coração, porque verão a Deus? (Mt 5,8).



Para pensar, conversar e comentar:


1. Qual o motivo que leva Jesus a falar com tanta insistência a Filipe de que Ele é o caminho, a verdade e a vida? Como entender essa sua insistência?

2. Por que Filipe não consegue ver o Pai? Esta dificuldade pode ser também nossa? Sim, não, por quê?

3. A fala dos Papas Bento XVI e Francisco ajuda para compreender o mistério da inacessibilidade de Deus, a Eucaristia?

Paz e Bem!

Fraternalmente,


Frei Dorvalino Fassini, OFM, Marcos Aurélio Fernandes




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Próximo Encontro: 34º Encontro - A fé e o inacessível



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1 comentário


Mariana Coltro
Mariana Coltro
21 de set. de 2021

"O espírito é Deus e a Deus ninguém jamais viu"

esta é uma das frases mais marcantes no Evangelho para mim.

Jesus fala com tanta insistência para que Filipe consiga ver que Ele, Jesus, é Deus, entre nós.

Acho que muitos de nós teria a mesma dificuldade de Filipe hoje em dia, apesar de crer que, quando Jesus voltar, será de maneira semelhante à primeira, com humildade e junto de nós, e Sua presença de fará diferente da sensação da presença de outras pessoas, penso que, muitas pessoas esperam alguém como os fariseus esperavam: uma pessoa envolta em "riquezas" e "grandiosidades", e não alguém humilde. Espero muito que, se Jesus voltar no tempo em que eu estiver aqui, que eu…


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