31º Encontro (04/09/21) - São Francisco de Assis em suas Admoestações
- Frei
- 4 de set. de 2021
- 6 min de leitura
Atualizado: 13 de set. de 2021
São Francisco de Assis em suas Admoestações
Introdução
Texto, Contexto e Espírito
Já dissemos, anteriormente, que um dos mais admiráveis feitos de São Francisco foi o de ter-nos deixado um belo e rico acervo de escritos que encantam e inspiram não apenas seus seguidores, mas também outros estudiosos do pensamento religioso e humano.
Naquele acervo de escritos de Francisco encontramos um conjunto de 28 pequenos textos, verdadeiras pérolas da Espiritualidade evangélica, franciscana, intitulados ADMOESTAÇÕES. É delas que nossos Encontros, a partir de hoje, vão se ocupar, uma por uma. Sua origem está no fato de que Francisco, ao invés de leis ou decretos, gostava de fazer breves admoestações, como podemos ver nesta passagem:
E não digam os Irmãos: “Esta é outra Regra!” Pois, esta é a recordação, a admoestação, a exortação e o meu testamento, que eu, Frei Francisco, pequenino, faço a vós, meus Irmãos benditos para que mais catolicamente observemos a Regra que prometemos ao Senhor (T 34).
Da Legenda dos Três Companheiros, temos também este testemunho. Por ocasião do famoso Capítulo das Esteiras, São Francisco fazia admoestações, repreensões e preceituava, como lhe parecia, segundo o conselho do Senhor (LTC 57). Podemos, pois, concluir que as Admoestações ou Exortações são pequenas sínteses ou resumos das intervenções de Francisco na vida da sua Fraternidade, principalmente por ocasião dos famosos Capítulos de Pentecostes. Era aí, nesses encontros de toda a Fraternidade, que o seráfico pai dava suas orientações e fazia suas exortações acerca do estudo da santa Regra bem como da perseverança na fidelidade de sua observância. Numa Ordem de irmãos, onde deve imperar a lei da nobreza do amor, a lei da liberdade evangélica, não pode haver mando, lei, imposição, exigência, mas tão somente convite, exortação. Bem diz o Mestre: Vós, porém, não queirais ser chamados Rabi, porque um só é o vosso Mestre, a saber, o Cristo, e todos vós sois irmãos (Mt 23,8).
Uma vez que o âmago desta Regra e desta Vida é o Seguimento de Jesus Cristo, pobre e crucificado, vivendo em obediência, em castidade e sem nada de próprio, não é de estranhar que todos esses textos, quase sempre, iniciem ou tenham como ponto de partida um dito do Evangelho. A expressão Diz o Senhor, é o princípio de quase todas as Admoestações. Igualmente, não é de estranhar que a grande preocupação, que perpassa todas elas, seja a de que os Irmãos mantenham o coração livre de toda e qualquer apropriação; liberto e expropriado das coisas deste mundo e de si mesmo; de todo o tipo de poder ou autoridade; liberto, inclusive, do próprio bem que o Senhor diz, opera e faz por meio dele e, acima de tudo, manter-se livre do pecado dos Irmãos e da vanglória ao anunciar a própria palavra de Deus.
A partir da XIV Admoestação, excetuando-se a penúltima, todas iniciam com um Bem-aventurado, e refletem os temas ou virtudes fundamentais do Evangelho: as Bem-aventuranças. Daí o costume de identificá-las, também, com este significativo e encantador título: As Bem-aventuranças Franciscanas.
A natureza e a importância desses opúsculos podem ser percebidas partindo do significado da própria palavra admoestação. Etimologicamente, os termos admoestação ou admoestar vêm do verbo latino admoneo que, entre outros significados, tem o sentido de fazer pensar, recordar, chamar a atenção sobre, advertir, convidar, convocar, animar, fortalecer alguém na busca de seu desejo maior, de seu amor. A riqueza desses textos aparece, ainda, com mais clareza, se olharmos o sentido da palavra exortação. Na raiz dessa palavra está o verbo latino orior, que significa vir para fora, nascer, levantar-se, aparecer no horizonte, subir, elevar-se.
Fenomenologicamente, porém, todo vigor de uma admoestação ou exortação nasce e persiste graças a uma origem ou pertença comum. Com ateus ou areligiosos, por exemplo, não há como exortá-los a partir de Deus ou Jesus Cristo. Mas, da dignidade humana, sim. No caso de Jesus e seus discípulos o princípio comum é o Pai do Céu. No caso de São Francisco e de seus companheiros: Jesus Cristo Crucificado. Pois, tanto ele como os seus foram chamados por Deus da Cruz para a Cruz. Por isso, ele e os seus demais bem-aventurados primeiros companheiros eram, com razão, vistos como, e de fato eram, homens do Crucificado (Atos 4,1). É o vigor dessa pertença comum e familiar que leva Cristo e Francisco a exortar seus seguidores e irmãos. O protagonismo das Admoestações não está, portanto, em Francisco, mas em Jesus Cristo e seu Evangelho. Por isso, seu objetivo é ajudar os Irmãos a manter-se fiéis à convocação comum que vem da inspiração originária do Evangelho e da Ordem. Consequentemente, expressões como: Vejamos e creiamos firmemente..., atendamos, tenhamos em ódio nosso corpo com seus vícios e pecados, cuidemos muito, guardemo-nos..., bem-aventurados... perpassam todos esses pequeninos textos.
Por isso, também, diante dessa raiz comum, Francisco não fala e nem se comporta, jamais, como superior, chefe, líder, fundador, diretor, orientador, etc. Sua fala é sempre de pai, irmão, ou melhor, de mãe espiritual. E, quando sente a necessidade de corrigir o irmão ele o faz com a suavidade evangélica do rigor ou com o rigor da suavidade evangélica, como convém a um pai que necessita corrigir seu filho. Esse deve ser, também e por conseguinte, o sentimento, o espirito, o segredo da leitura das Admoestações: colocar-se diante desses textos como filho, desejoso de receber de seu pai, muito amado, cartas que guardam o segredo de uma vida feliz, bem sucedida, bem-aventurada.
Admoestação, hoje
Admoestar, no sentido de encorajar, animar, fortalecer é, essencialmente, a forma mais amada de Jesus evangelizar. E isso não apenas por palavras, mas, acima de tudo, pelas suas atitudes, gestos e modo de ser. Quem, pois, não se sente animado a viver, a enfrentar os percalços da vida, vendo-O vir ao nosso encontro em forma de criança, num presépio, ou vivendo como um simples “Filho do Homem”, filho de José e Maria, morrendo na Cruz perdoando a nós, seus algozes e, acima de tudo, continuando a nos acompanhar em forma de Pão eucaristizado, sacramentalizado, sacrificado!? Nele tudo nos admira, encanta, atrai, exorta, admoesta e comove!
Infelizmente, seus seguidores, nós, a Igreja, muitas vezes, ao longo da história, em vez do rigor da docilidade e da ternura da Boa Nova da filiação divina, preferimos comportar-nos e relacionar-nos entre nós, irmãos, e com as pessoas de fora, a partir da autoridade da competência profissional ou da aspereza da conhecida “autoridade eclesiástica”. Uma autoridade que se assenta(va) mais na instituição Igreja, com suas próprias leis, com sua moral, do que na alegria da Boa Nova da nossa filiação divina. Por isso, éramos uma “Igreja” que impunha, exigia, mandava e, muitas vezes, condenava à fogueira, à morte.
Felizmente, a partir do Vaticano II e, principalmente hoje, com os últimos Papas, cresce a consciência e a prática de uma Igreja Mãe. Uma Igreja que procura marcar presença muito mais por 'atração' do que por proselitismo; uma Igreja que, como Cristo, 'atrai todos a si' com a força do seu amor... (Bento XVI, Homilia na Missa em Aparecida, em 13/05/2007); uma Igreja que procura cultivar a misericórdia, o diálogo, o encontro e a escuta.
Assim, hoje, o estilo admoestativo, animador transparece de modo muito vivo e eloquente no Papa Francisco. Em sua primeira “Exortação” apostólica, escreve: Quero, com esta Exortação, dirigir-me aos fiéis cristãos a fim de os convidar para uma nova etapa evangelizadora marcada por esta alegria e indicar caminhos para o percurso da Igreja nos próximos anos (EG 1).
Mais adiante falando da necessidade de uma Pastoral em Conversão escreve: A todos exorto a aplicarem, com generosidade e coragem, as orientações deste documento, sem impedimentos nem receios. Importante é não caminhar sozinho, mas ter sempre em conta os irmãos (idem 33).
Finalmente, o espírito exortativo de pai do nosso Papa aparece nesta sua declaração acerca de pessoas LGBT: Se estivéssemos convencidos de que eles são filhos de Deus, as coisas mudariam muito. Pessoas homossexuais têm o direito de estar na família e os pais têm o direito de reconhecer essa criança como homossexual, aquela filha como homossexual. Você não pode jogar fora alguém da família ou tornar a vida impossível para eles.
Para pensar, conversar e comentar:
1. Donde procedem as Admoestações de São Francisco? Ou, por que São Francisco fala de modo exortativo e não impositivo?
2. Qual a importância da “admoestação franciscana” para o nosso ambiente familiar, social ou eclesial de hoje?
Paz e Bem!
Fraternalmente,
Frei Dorvalino Fassini, OFM, e Marcos Aurélio Fernandes
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