top of page

23º Encontro (10/07/21) - O estudo de São Francisco de Assis - 1ª parte

  • Foto do escritor: Frei
    Frei
  • 12 de jul. de 2021
  • 9 min de leitura

O estudo de São Francisco de Assis

1ª Parte:

São Francisco de Assis um estudioso por excelência de

Jesus Cristo Crucificado



Dentro do objetivo do nosso Blog – buscar o Espírito originário de São Francisco de Assis nas Fontes Franciscanas - o Encontro de hoje vai se debruçar sobre o tema: O Estudo de São Francisco de Assis. Não se trata do estudo que nós vamos fazer de São Francisco, de sua Vida, Espiritualidade, Escritos, etc. Mas, sim, do estudo dele. Durante muitos séculos e por uma boa parte dos Frades, e também de pessoas de fora da Ordem, pensou-se ou pensa-se, ainda hoje e por vezes, que Francisco tenha sido contrário aos estudos e que ele mesmo não tenha sido um homem de estudo.


Para a fundamentação de toda esta nossa reflexão vamos seguir este belo testemunho de um de seus companheiros, Tomás de Celano:


Embora não tenha tido nenhum estudo, o santo aprendeu a sabedoria do alto, que vem de Deus, e iluminado pelos fulgores da luz eterna, não era pouco o que entendia das Sagradas Escrituras. Sua inteligência purificada penetrava os segredos dos mistérios, e, onde ficava fora a ciência dos mestres, entrava seu afeto cheio de amor. Lia, às vezes, os livros sagrados, e o que punha uma vez na cabeça ficava indelevelmente gravado em seu coração. Usava a memória no lugar dos livros, porque não perdia o que ouvia uma vez só, pois ficava refletindo com amor em contínua devoção. Dizia que esse modo de aprender e de ler era muito vantajoso, sem ter que folhear milhares de tratados. Era um verdadeiro filósofo, porque não preferia coisa nenhuma mais que a vida eterna. Afirmava que passaria facilmente do conhecimento de si mesmo para o conhecimento de Deus aquele que estudasse as Escrituras com humildade e sem presunção. Era frequente resolver oralmente as dúvidas de algumas questões porque, embora não fosse culto nas palavras, destacava-se vantajosamente na inteligência e na virtude (2 Cel 102).


Com a frase inicial, Embora não tenha tido nenhum estudo, o biógrafo não está dizendo que São Francisco não estudava, não fosse estudioso ou um homem de estudo. Está dizendo, tão só e simplesmente, que ele não foi um homem de escola – um escolar ou escolástico. Por isso, o título O Estudo de São Francisco de Assis está se referindo ao estudo num sentido mais profundo, amplo e originário, essencial e que foi, justamente, o praticado por São Francisco.


Então, o que é estudo, nesse sentido? Como é que o estudo surge no contexto da vida humana como tal e como um todo, presente em toda pessoa, independentemente de frequentar ou não uma Escola, ser ou não escolar ou escolástica, acadêmica ou universitária.


Para início de conversa, vamos tentar descobrir o sentido de estudo na linguagem usual. Hoje, quando se fala em estudar ou de estudo, podem surgir diversos significados. Vamos salientar apenas alguns, mais ou menos, como fazem os dicionários. Assim, estudar aparece como:


1) Aplicar a inteligência para aprender;

2) Dedicar-se ao exame, à apreciação, à análise ou compreensão de algo;

3) Observar atentamente algo;

4) Procurar fixar na memória;

5) Exercitar-se em algo;

6) Ensaiar previamente algo para ter noção do seu efeito;

7) Aplicar o espírito para alcançar o saber;

8) Aprender a conhecer-se;

9) Ser estudante;

10) Ser estudioso;

11) Frequentar cursos, especialmente, cursos acadêmicos.


Este último sentido, não apenas é o mais entendido e usado, pelo público em geral, como também o mais superficial. Pois, limita-se apenas ao mundo das ciências ou das pessoas que fazem cursos, especialmente acadêmicos. Se está na escola ou universidade está estudando, é estudante. Se for o contrário, não está estudando, não é estudante. Esta visão restringe por demais a compreensão o sentido de estudo e não nos permite ver outros, mais amplos e profundos. Impede que vejamos, por exemplo, a diferença entre estudante e estudioso; que nem todo estudante é estudioso; que todo bom estudante deveria ser também um estudioso. Pois, só é estudioso aquele que se dedica com paixão no estudo de algo ou de uma pessoa. Aquele que estuda apenas por obrigação ou para ter alguma vantagem não é, propriamente, um estudioso, mas um explorador e mercador. Não se pode aplicar a ele a qualificação tão nobre de estudioso.

Por isso, estudioso é todo aquele que, mesmo não frequentando um curso acadêmico, se interessa apaixonadamente por algo e procura pesquisar, investigar, questionar, crescer no conhecimento desse algo que, de uma ou de outra forma, o envolveu e o toca. Por isso, Jesus Cristo foi um estudioso do Pai e de seu Reino e São Francisco, por sua vez, um estudioso de Jesus Cristo. Isto quer dizer que o estudo traz para o estudioso a marca da dedicação apaixonada por uma possibilidade de ser, de viver, de agir, fazer e operar. Para Jesus Cristo, o estudo apaixonado do Pai e de seu Reino levou-O a tornar-se realmente o que já era “o Filho muito amado do Pai do Céu”. Eis a marca mais profunda de sua identidade.


Assim, quando esta dedicação apaixonada é posta em obra, o sentido de estudar ou de estudo aparece, não tanto como no último da lista acima exposta, mas, como nos primeiros, que repetimos aqui:


1) Aplicar a inteligência para aprender;

2) Dedicar-se ao exame, à apreciação, análise ou compreensão de algo;

3) Observar atentamente algo;

4) Procurar fixar na memória;

5) Exercitar-se em algo;

6) Ensaiar previamente algo para ter noção do seu efeito;

7) Aplicar o espírito para alcançar o saber...


O estudo, portanto, em seu significado mais profundo e originário, indica uma dedicação apaixonada por aprender a conhecer as coisas, a conhecer-se a si mesmo, o mundo, o próprio homem e a Deus, não tanto em extensão e apenas como fatos, mas em profundidade, em sua origem e nascividade ou nascença. E é bem este o sentido que os antigos romanos davam às palavras latinas studium (substantivo: estudo) ou studere (verbo: estudar). Assim, bem na origem do estudar ou do estudo, está a alma, o espírito, o modo de ser de quem, movido pela graça do toque, da afeição, do encontro, se dedica, se empenha, se doa, se entrega, de corpo e alma, inteligência, vontade e humildade a algo ou a alguém, não para apossar-se dele, mas, acima de tudo, para sempre melhor servi-lo; para que ele cresça, como dizia São João Batista. E à medida que ele avança nesse estudo, cresce também a afeição, o desprendimento de si e a alegria.


Só mais tarde é que estudar veio a significar aprender e, por extensão, instruir-se, ter muitos conhecimentos, muitas letras, tornando-se, enfim, um doutor. E assim, ou aqui, o sentido, a finalidade do estudo se inverteu: o centro não é mais fazer com que a “coisa” ou a pessoa estudada apareça, mas sim o estudante. Ele vira um doutor.


Repetindo, olhemos, ainda, um pouquinho mais, essa relação do estudioso com o objeto de seu estudo.

Todo o vigor daquela paixão que atinge a pessoa, leva-a a se engajar numa possibilidade de ser e de se envolver com ela num projeto de vida, deixando-se formar nela e por ela segundo suas exigências essenciais. Para Francisco isso se deu ao redor do Seguimento de Cristo, na Forma de Vida dos Apóstolos. À medida que deslancha nesta possibilidade, o gosto vai aumentando, a inclinação vai se transformando em exercício da vontade; uma vontade boa, que se retoma sempre de novo, querendo o querer do querer daquela possibilidade, até que o dar-se a esta possibilidade vai vingando, dando crescimento e maturando e se tornando fonte de felicidade de ser ou como diz Jesus, fonte de água viva. E, assim e no fim, quase sempre, dar-se-á uma grande identificação entre o estudioso e o “objeto de estudo”. A percepção dessa maravilha é muito clara nos casais que realmente estão e vivem casados. Um vai-se conhecendo e se identificando no e com o outro. No caso de São Francisco, ele estudou tanto Jesus Cristo crucificado que se tornou ele também um crucificado, uma cópia, um irmão gêmeo, enfim “um outro Cristo crucificado, sem a divindade!” (Pio XI).


Essa experiência ou fenômeno de transformação ou conversão, que se dá mediante o estudo, vem embutida, também, na palavra conhecimento. Para os antigos e os medievais conhecimento não tinha o sentido de aquisição de saberes ou informações, mas de co-nascimento, de nascer-com. Assim, o conhecimento que São Francisco adquiria de Jesus Cristo, mediante seu estudo, mais e antes de uma informação, era uma transformação de sua pessoa na pessoa de Jesus Cristo, como já dissemos.



O estudo hoje


Hoje, quando falamos de estudo, pensamos apenas no saber técnico (know how), na habilitação para uma função ou no saber científico. Esquecemos da tarefa de estudar, de pensar, também no sentido da paixão pelo nosso Humano, da paixão pelas coisas que nos cercam e, principalmente, da Paixão pelo nosso Criador. Nosso estudo mais, ou antes de amizade, diálogo, amor e solidariedade é dominação e exploração (Cf. LS e FT). Somos hiperdesenvolvidos no conhecimento informativo, técnico e objetivo, mas subdesenvolvidos no conhecimento da vida, de nós mesmos, e quase nada desenvolvidos no sentido do saber e do pensar do ser. Somos, de início e na maior parte das vezes, chatos, isto é, achatados, bitolados, quadrados, unidimensionais, e monótonos, estreitos e superficiais. O nosso estudo se desenvolve apenas na periferia do nosso relacionamento com a vida. Não nos conduz ao fundo e ao centro da vida, ao coração das criaturas. Sofremos de hemiplegia, isto é, metade do nosso ser se desenvolve e atua e a outra metade permanece paralisada.


São Francisco, portanto, não era um homem de letras, nem um douto escolástico, como São Boaventura, Duns Scotus, Tomás de Aquino, etc. No entanto, segundo o texto de Tomás de Celano, visto acima, ele era um homem estudioso, um filósofo no sentido de “amigo do saber originário”; um estudioso de Jesus Cristo. Por isso, o pivô de todo seu estudo, o que mais lhe estava a peito, o que mais lhe tocava o coração era o discipulado, o seguimento de Jesus Cristo. Este era seu único mestre. Para o discipulado de Jesus Cristo ele reconduzia (reductio!) todos os seus aprendizados: toda a sua arte e veia poética, toda a sua ciência e toda a sua sageza da vida na convivência com os seres humanos e toda a sua reflexão e, ainda, toda a sua experiência de pensamento. Todo o seu afeto e todo o seu intelecto, e toda a sua obra, estavam direcionados para ser um com Jesus Cristo. São Francisco descobriu na loucura da Cruz, a exemplo de São Paulo, uma sabedoria misteriosa, fonte de uma jovialidade plena, consumada. São Francisco se tornou certamente um dos maiores estudiosos dessa sabedoria, escondida aos sábios carnais e mundanos, mas revelada aos pequeninos, conforme lemos no Evangelho proclamado na Missa do dia de sua festa.


A busca, o estudo do Seguimento de Cristo, para Francisco, não dizem respeito a coisas, fatos ou ocorrências, mas ao existir, ao viver em Cristo; um viver que se desdobra em encontros (sacrum convivium, sacrum commercium) e que, no fim, se resume numa palavra “Amor”. Dizendo de modo bíblico: “caridade”.


Enfim, São Francisco um estudioso por excelência de Jesus Cristo crucificado!


Concluímos com estas palavras de Frei Harada:


Tudo isso quer dizer, por sua vez, que todo o Seguimento de Jesus Cristo Crucificado, vivido corpo a corpo, em todas as dimensões do ser, até a consumação de total identificação com o Crucificado, ou numa palavra a Vida de Pobreza, foi para Francisco o seu único e grande empenho, i. é, seu studium, seus estudos na aprendizagem dessa suprema, nova e outra ciência do ser do Espírito do Senhor e do seu santo modo de operar(RB 10,9) (Harada).



Para pensar, conversar e comentar:


1. Como foi o estudo de São Francisco?

2. Como ele poderia ajudar-nos a corrigir nossa compreensão de estudo, de formação e de nossa própria prática de estudar e viver a Vida Franciscana?


Paz e Bem! Fraternalmente, Frei Dorvalino Fassini, OFM e Marcos Aurélio Fernandes.

Colaboração Frei Antônio Corniatti


Caro irmão, frei Dorvalino, Paz e Bem!


Obrigado pelas reflexões. Acabo de ler a reflexão do 23º Encontro. Ouso dar uma sugestão: no final da reflexão (ou outro lugar) da 1ª parte São Francisco de Assis um estudioso por excelência de Jesus Crucificado, colocar a fala de São Francisco no final da vida recolhida em 2Celano 105. Eu a coloco em anexo.


Todo bem do Senhor e um abraço. Frei Antônio Corniatti

Anexo


2Celano 105: (Francisco) manifesta o que sabia a um Irmão quando foi exortado ao estudo da Sagrada Escritura


Quando estava doente e cheio de achaques, disse-lhe uma vez um companheiro: “Pai, sempre te refugiaste nas Escrituras, elas sempre foram um remédio para tuas dores. Peço que mandes ler alguma coisa dos profetas, pode ser que teu espírito exulte no Senhor (Cf. Lc 1,47)”. O Santo respondeu: “É bom ler os testemunho das Escrituras, é bom procurar nelas Deus nosso Senhor, mas eu já me inteirei de tanta coisa das Escrituras que tenho o suficiente para recordar e meditar. Não preciso de mais nada, filho. Conheço o Cristo pobre e crucificado (Cf. 1Cor 2,2).



Continue bebendo do espírito deste tema: - indo ao texto-fonte: 23º Encontro - O estudo de São Francisco de Assis - 1ª Parte:

São Francisco de Assis um estudioso por excelência de

Jesus Cristo Crucificado - postando seus comentários; - ouvindo no YouTube: Frei Dorvalino - 23º Encontro - O estudo de São Francisco de Assis - 1ª Parte: São Francisco de Assis um estudioso

por excelência de Jesus Cristo Crucificado

Professor Marcos Aurélio Fernandes

Inscreva-se e curta nossos vídeos


Próximo Encontro: 24º Encontro - O estudo de São Francisco de Assis – 2ª Parte: A Ética do estudo e o Espírito de Oração #espiritofranciscano #estudosfranciscanos #fontesfranciscanas #freidorvalino #freidorvalinofassini #professormarcosfernandes

Posts recentes

Ver tudo

Comments


RECEBA AS NOVIDADES

  • Black Facebook Icon
  • Black Pinterest Icon
  • Black Twitter Icon
  • Black Instagram Icon

@2018 - Site Franciscano by Frei Dorvalino e Eneida

bottom of page