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22º Encontro (03/07/21) - Fontes Franciscanas em nossa Formação ou nossa Formação?

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    Frei
  • 2 de jul. de 2021
  • 8 min de leitura


Fontes Franciscanas em nossa Formação ou nossa Formação?



Introdução


Na história da Igreja e da Ordem Franciscana encontramos acontecimentos muito semelhantes. Assim, por exemplo, Igreja e Ordem, nasceram e floresceram a partir do cultivo da Palavra. A Igreja, a partir do Evangelho e da Sagrada Escritura. A Ordem a partir dos Escritos de São Francisco e dos demais textos das Fontes Franciscanas.


Depois, houve certo esquecimento e abandono dessas duas Fontes. A Igreja chegou a tirar das mãos dos fiéis o Livro Sagrado. Isso, para combater Lutero e os protestantes, que defendiam o princípio da primazia absoluta da Sagrada Escritura (“Sola Scriptura”) e que todo batizado pode interpretar livremente a Palavra de Deus. Na Ordem Franciscana aconteceu algo semelhante. O Capítulo geral de 1263, a fim de impedir a diversidade de interpretações, acerca do pensamento originário de Francisco, principalmente no tocante à Pobreza evangélica, ordenou que se queimassem todas as Legendas de São Francisco, exceto a de São Boaventura. A partir de então e, principalmente, do século 14, não apenas a leitura das Legendas, mas os próprios Escritos de São Francisco foram sendo abandonados e esquecidos.


Felizmente, hoje, a partir do Vaticano II, tanto na Igreja como na Ordem, essas duas Fontes da Vida cristã e da Vida franciscana, não só foram redescobertas, mas, também, estão ocupando cada vez mais espaço e tempo na formação e na vida dos seguidores e devotos de São Francisco, dentro e fora da Ordem. Se, segundo São Jerônimo, ignorar os Evangelhos é ignorar Jesus Cristo, da mesma forma podemos dizer que ignorar os Escritos de São Francisco e suas Fontes é ignorar o próprio Santo e, acima de tudo, o vigor do espírito, do mistério que o transformou em Outro Cristo, em Evangelho vivo (Pio XI).



1. NO PRIMEIRO SÉCULO FRANCISCANO


Para compreender a relação das Fontes Franciscanas com a Formação nada melhor do que ver como, porque ou para que, nasceram esses escritos. E quem vai nos dizê-lo é o próprio Santo, como podemos ler nesta passagem:


“Em nome do Senhor!” Rogo a todos os Irmãos que aprendam o teor e o sentido dessas coisas escritas nesta vida para a salvação da nossa alma e, frequentemente, as recordem. E suplico a Deus que Ele, Onipotente, Trino e Uno, abençoe a todos aqueles que ensinam, aprendem, guardam, recordam e praticam essas coisas; sempre que eles repetem e fazem estas coisas aí escritas para a salvação da nossa alma. E suplico a todos, beijando-lhes os pés, que as amem muito, as guardem e as conservem. E, da parte de Deus Onipotente e do senhor Papa e pela obediência, eu, Frei Francisco, mando firmemente e imponho que ninguém tire ou acrescente algo dessas coisas escritas nesta Regra de Vida. E os Irmãos não tenham outra Regra! Glória ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo, como era no princípio e agora e sempre e pelos séculos dos séculos. Amém! (RNB 24).


O trecho é a conclusão, isto é, a consequência ou resolução final de tudo o que foi exposto na Regra Não Bulada. E o primeiro destaque está no anseio de Francisco pela Vida e Regra que ele recebeu do Senhor para ele e para todos os seus Irmãos. Por isso, começa falando Em nome do Senhor!” E, em nome do seu Senhor, ele roga a todos os Irmãos que aprendam o teor e o sentido dessas coisas escritas nesta vida para a salvação da nossa alma e, frequentemente, as recordem. O que está em jogo, para Francisco, é a Forma de Vida do Evangelho, do Seguimento de Cristo pobre e crucificado, assim como a viveram os Apóstolos; Forma de Vida que ele recebeu do seu Senhor, na Porciúncula, quando ouviu o Evangelho do Envio dos Apóstolos. Vejamos bem! Trata-se de uma Forma de Vida e não de funções e tarefas!


É por causa desse tesouro contido e pulsante na Regra e em todos os seus Escritos que ele, então, suplica, por duas vezes, aos seus irmãos, que aprendam (o pede por duas vezes), recordem (também, por duas vezes), ensinem, guardem (novamente, insiste por duas vezes) e pratiquem essas coisas. Todos verbos que expressam a dinâmica da Formação, entendida como ação transformadora. É o zelo do pai de família, das inúmeras parábolas do Evangelho, que precisa garantir aos seus filhos a continuidade da herança recebida!


Assim, tudo o que Francisco escreveu, não tem outro sentido senão levar a ele mesmo e seus Irmãos a beber da água viva, escondida e guardada nessa fonte: a Regra, chamada por ele de o livro da vida, a esperança da salvação, a medula do Evangelho, o caminho da perfeição, a chave do paraíso, o pacto da aliança eterna (2C 208). Por isso, nessa Forma de Vida, encontra-se, sem mais e nem menos, o coração da Formação franciscana, no sentido mais originário, evangélico, isto é, no sentido de transformação, conversão, novo nascimento. E o que ele diz da Regra vale, por extensão, para todos os seus Escritos e para todos os demais textos das Fontes Franciscanas.


Para Francisco, seus Escritos, a exemplo dos Evangelhos e da Sagrada Escultura, não era material de formação ou para ser usado na formação, mas a própria formação. Por isso, ele é o primeiro a formar-se, procurando ler, aprender e viver o que escrevera, como vem testemunhado na Introdução ao Ofício da Paixão. Por isso, ele se tornara um verdadeiro formador-formando, mestre-discípulo.


Mas, porque Francisco punha tanta confiança em seus Escritos? Porque como vimos, ele nunca escreveu nada que fosse a partir de si. Nada, ou “coisa” nenhuma, há em seus Escritos que seja de sua subjetividade. O que escreveu não são intepretações ou glosas do Evangelho, mas o próprio Evangelho feito Vida. Por isso, sempre associa à Regra a palavra Vida: Regra e Vida, ou Forma de Vida: Evangelho.


Para Francisco não podia e nem devia haver alguma separação ou distância entre Jesus Cristo, Evangelho e seu viver cotidiano. Assim, enquanto viveu, ele se tornou testemunho vivo do Cristo e do seu Evangelho. Por isso ele se tornara o único formador, a Forma Minorum ou Speculum Perfectionis, isto é: a Forma dos Menores, o Espelho da Perfeição. Assim, os Irmãos, a fim de buscar e cultivar sua nova identidade, olhavam para ele como quem se olha no espelho. Em resumo, Francisco era o único Formador dos Frades.


Após sua morte, os Ministros e os Capítulos gerais trataram impedir que aquele espírito originário, resplandecente e atuante em seu primeiro, verdadeiro e único formador, se apagasse de suas mentes. Por isso, primeiramente, cuidaram de escrever e fazer cópias de seus Escritos, distribuindo-as entre os frades. Em segundo lugar, pediram a alguns frades de primeira hora, como Frei Leão, Rufino, Ângelo, e a outros confiáveis e competentes, como Tomás de Celano e Boaventura, que escrevessem as assim chamadas Legendas, Vidas ou Hagiografias.


Assim, através desses Escritos, como num espelho, o Espirito originário, que moveu, transformou e formou Francisco, continuava vivo e formando seus seguidores. É o que podemos ver claramente nesta passagem: Não nos contentamos em narrar somente milagres, que não constituem a santidade, se bem que a mostrem, mas desejamos mostrar os fatos insignes de sua conversação santa e a vontade do pio beneplácito, “para o louvor e a glória do Sumo Deus” e do dito pai santíssimo, e para edificação dos que querem imitar seus passos (LTC 1,7).


Destacamos a palavra edificação, pois, edificação, do verbo edificar, aqui, tem, justamente, o sentido de formar, construir a pessoa do frade a modo de quem vai, aos poucos, levantando um edifício. Assim, o Espírito evangélico, pulsante na pessoa de Francisco, testemunhado, agora, em seus Escritos e nos demais textos das Fontes Franciscanas, continuava sendo o único formador dos Frades.


Consequentemente, não havia entre eles o binômio formador x formando, mestre x discípulo. Isso porque todos tinham-se, pura e simplesmente, como aprendizes e discípulos do único mestre e senhor: o espírito originário da Ordem, encarnado na pessoa do seu amado e seráfico Pai.



2. ESCRITOS DE SÃO FRANCISCO, NOSSA FORMAÇÃO, HOJE


Assim, e infelizmente, como vimos acima, aos poucos, isto é, a partir, mais ou menos, do século XIV, os frades foram largando os Escritos de seu Pai e fundador bem como os demais textos das Fontes Franciscanas. Sua formação passou a assentar-se, cada vez mais, em textos e documentos que pouco, ou quase nada, tinham a ver com o carisma franciscano. Em vez de olhar para Francisco, ou ir a Assis, preferiam olhar e ir a Roma a fim de pedir à Cúria papal que lhe interpretasse a Regra ou Forma de Vida. Em vez de Francisco, por ele mesmo, por seus Escritos e pelas Fontes Franciscanas, os frades procuraram compreender a Forma de Vida através das inúmeras e cada vez mais numerosas ciências humanas, como o direito, a teologia, a filosofia, a psicologia, a sociologia, a pastoral etc. etc.


Por isso, segundo Frei Celso M. Teixeira, herdamos um Franciscaníssimo ideologizado e híbrido (Cf. site: www.franciscanos.com.br). Como consequência, também nossa formação torna-se ideologizada, híbrida, cada vez mais vaga, diluída, ambígua, equivocada, fragmentada, moralista, pastoralista, funcional etc. Consequentemente, a própria Vida dos Frades vai se assemelhando, cada vez mais, com o comum dos demais religiosos e até do clero diocesano.


Agora, podemos compreender a formulação do título dessas reflexões, um tanto estranha e em forma de interrogação. Ela pretende indicar duas formas ou possibilidades diferentes e opostas de compreender e realizar a relação entre Fontes Franciscanas e Formação. A primeira – FONTES FRANCISCANASEM NOSSA” FORMAÇÃO – vê, compreende e elabora a Formação a partir das Ciências humanas, religiosas e teológicas, etc. Essas ciências tornam-se, assim, o fundamento de uma pretensa “Formação Franciscana”. Consequentemente as Fontes Franciscanas existiriam apenas para servir, ajudar e ilustrar a Formação que, nesse caso, se cria, se monta e se ministra. Ou seja, as Fontes Franciscanas são apenas objeto de uso ou de consumo, um recurso, enfim, para uma Formação que, basicamente, não é de origem franciscana.


Daí, para contrapor essa compreensão de formação, vem a segunda parte do título: FONTES FRANCISCANAS, NOSSA FORMAÇÃO. Segundo essa formulação os Escritos de São Francisco, as Fontes Franciscanas, antes e mais que um meio, recurso e subsídio para a Formação, devem ser o que são: a fonte, a raiz, o coração, o princípio, a medula de toda Vida e de toda Formação Franciscana.


Tentemos ver essa diferença com alguns exemplos. Uma coisa é o médico dizer: “A medicina em minha vida” e outra, bem diferente: “A medicina minha vida”; uma coisa é o esposo dizer: “Maria em minha vida” e outra: “Maria, minha vida”; uma coisa é dizer: “Jesus Cristo, Evangelho, São Francisco em minha vida” e outra, dizer: “Jesus Cristo, Evangelho, São Francisco minha vida!” Tudo muito claro, simples, cristalino. Eis o grande desafio, a encruzilhada da Formação dos franciscanos, hoje!


Devemos notar, porém, que tudo isso não diminui em nada o papel e a importância da Formação acadêmico-científico-profissional, isto é, da formação que visa o aperfeiçoamento e aprofundamento de nossa dimensão humano-cristão-profissional. Quem quiser ser enfermeiro, catequista, por exemplo, não pode dispensar-se de um bom Curso de Enfermagem ou de Catequese, etc. Até, pelo contrário. Justamente por ser franciscano, deve dar tudo, do bom o do melhor de si, e aproveitar o que de melhor as ciências nos oferecem, hoje, para desempenhar da melhor maneira possível sua função e missão no mundo e na Igreja. Mas, o que não se pode é confundir, identificar ou substituir toda essa formação com a Formação franciscana. O franciscano enfermeiro, então, estuda bem a enfermagem porque quer ser um bom franciscano, isto é, exercer a enfermagem com espírito, alma de Francisco, a fim de melhor servir seus pacientes, irmãos de Cristo e seus.



Para pensar, conversar e comentar:


1. Na origem da Ordem como se dava a relação entre os Escritos de São Francisco e demais textos das Fontes Franciscanas com a Formação?

2. Como seria, hoje, colocar as Fontes Franciscanas como centro, coração de toda a nossa Formação e Vida.



Paz e Bem!

Fraternalmente,


Frei Dorvalino Fassini, OFM e Marcos Aurélio Fernandes.


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