19º Encontro (12/06/21) - Escritos de São Francisco de Assis, fruto de sua mística
- Frei
- 12 de jun. de 2021
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Escritos de São Francisco de Assis, fruto de sua mística
Nos Encontros anteriores, vimos que a maior graça, o maior feito de São Francisco foi sua admirável conversão a Cristo e a seu Evangelho; uma conversão que o levou a uma profunda comunhão com o mistério de Deus, revelado e trazido para o meio de nós pelo Logos, a Palavra que se faz Carne, Cruz e Eucaristia.
O cultivo dessa intimidade com seu Senhor fez dele um místico, um teólogo sumo, no sentido mais pleno, puro e originário da palavra; um profeta que vivia arrebatado, possuído pelo seu Senhor. Por isso, suas palavras não eram vazias nem ridículas, mas cheias da virtude do Espírito Santo; palavras que penetravam as medulas do coração, de modo que levavam veementemente à estupefação (LTC 25).
Seguir os passos de seu Senhor, vê-Lo, buscá-Lo, amá-Lo, anunciá-Lo, testemunhá-Lo em tudo, em cada acontecimento, pessoa ou criatura que encontrasse, o fascina, o encanta; viver unido a Ele, fazer da Carne Dele sua carne, da Palavra Dele sua palavra, da Fala Dele sua fala, da Mensagem Dele sua mensagem, da Vida Dele sua vida absorvia-lhe sempre todas as suas forças. Por isso, no dizer do Papa Pio XI, Francisco não era apenas um pregador, mas o Arauto do grande Rei..., um outro Cristo, um Cristo redivivo.
Desse Sacrum convivium, ou mistério, nasceu mais este grande feito: os seus 28 Escritos. Por isso, em cada uma de suas páginas, como numa fonte de água viva, podemos, sempre de novo, encontrar e admirar novos e profundos sentimentos, pensamentos, mistérios e desígnios do coração, da alma de seu e nosso altíssimo, onipotente e bom Senhor (CSol), que ele vai descobrindo e cantando. Por isso, também, eles vêm recheados de citações bíblicas, principalmente do Evangelho, como se pode ver, de modo especial, na Regra Não Bulada, nas Admoestações e, acima de tudo, no Ofício da Paixão, todo ele elaborado com frases dos Salmos.
Francisco nunca pensou em escrever sua experiência pessoal. Não fez seu “diário”, nem nos deixou suas “Confissões”, como Santo Agostinho, nem sua “História duma alma”, como Santa Teresinha. Também, sob esse aspecto, viveu a pobreza, o total abandono nas mãos do Pai, o estilo de vida d’Aquele que não tinha onde reclinar a cabeça (Fontes Franciscanas I, Braga, p. 23).
Para compreender e sentir o significado profundo desses Escritos, nada melhor do que ouvir o que e como o próprio Francisco fala deles em diversas passagens, como esta, no final da Regra Não Bulada:
“Em nome do Senhor!” Rogo a todos os Irmãos que aprendam o teor e o sentido dessas coisas escritas nesta vida, para a salvação da nossa alma e frequentemente as recordem. E suplico a Deus que Ele, Onipotente, Trino e Uno, abençoe a todos aqueles que ensinam, aprendem, guardam, recordam e praticam essas coisas; que os abençoe sempre que eles repetem e fazem estas coisas aí escritas para a salvação da nossa alma. E suplico a todos, beijando-lhes os pés, que as amem muito, as guardem e as conservem. E da parte de Deus Onipotente e do senhor Papa e pela obediência, eu, Frei Francisco, mando firmemente e imponho que ninguém tire ou acrescente algo dessas coisas escritas nesta Regra de Vida. E os Irmãos não tenham outra Regra. Glória ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo, como era no princípio e agora e sempre e pelos séculos dos séculos. Amém!
Assim, graças a essa herança, tão cheia da Vida da Trindade Santa e do Evangelho, mesmo passados 800 anos, podemos penetrar na alma de Francisco e entrever as maravilhas operadas nele pelo Espírito do Senhor e seu santo modo de operar (RB 10,9); maravilhas e feitos que ainda hoje, quando bem lidos, amados e seguidos, podem transformar os corações dos fiéis, fazendo-os de infiéis em fiéis de Deus! (SVM).
Os Escritos de Francisco, porém não formam um tratado, um livro disposto de forma acadêmica. São, antes, exposições ocasionais, importantes e benéficas para a fidelidade dele mesmo e de todos os seus Companheiros de Ordem na busca do seguimento de Cristo; benéficas, ainda hoje, para quem deseja reconstruir o coração, a mente, a Igreja, o Mundo a fim de que voltem a ser morada de Deus.
As edições costumam reunir esses Escritos em grupos, semelhantes a este:
1. Regras e Testamentos
Francisco nos deixou quatro Regras e dois Testamentos. Podemos chamá-los de guardiães da inspiração originária, da Boa Nova franciscana. Neles, essa inspiração aparece como a pequenina semente do grão de mostarda que, ao longo dos séculos, cresceu, tornando-se uma árvore frondosa, capaz de abrigar, transformar, orientar e santificar milhares e milhares de seguidores, tanto dentro como fora de suas quatro Ordens; sua luz ilumina os passos daqueles que desejam trilhar esse novo caminho; seu vigor evangélico dá-lhes a força para mantê-los sempre virados, convertidos para o Senhor, a fim de que possam fazer do Evangelho sua Vida e da vida seu Evangelho (ROFS 4).
2. Admoestações
Sob esse título, encontramos 28 pequenos textos, quase todos eles iniciados com um “Diz o Senhor!” São apelos, convites, exortações, “animações” de um pai extremoso, por vezes aflito, para que seus filhos não percam jamais o tesouro de sua vida: a proximidade de Jesus Cristo e o seguimento de seus passos!
3. Cartas
Ao todo, sem contar as perdidas (6), dez são as Cartas que Francisco nos deixou. Ele mesmo, na segunda Carta aos Fiéis, dá a razão desses escritos. Não podendo mais viajar e visitar seus Irmãos e os fiéis, por causa de suas enfermidades, resolveu dirigir-lhes por escrito as palavras de Nosso Senhor Jesus Cristo, que é o Verbo do Pai, e as palavras do Espírito Santo (2CF 3).
4. Cânticos, Hinos de louvor e de Ação de Graças e Bênção
Também nesses textos, é sumamente admirável que um homem, que se dizia vil e sem letras, nos tenha deixado cânticos, hinos de louvor e de ação de graças tão prenhes do espírito evangélico e, por isso, tão cheios de júbilo! Neles sente-se que, através da reconciliação universal, Francisco voltara, de alguma forma, ao estado de inocência original (LS 66). Desde a juventude, sempre fora dado ao canto, à festa, à alegria da vida. Mas, após o Encontro com o Crucificado, indo pelas ruas e praças, como um bêbado do Espírito, entoava louvores ao Senhor (LTC 21). Mais tarde, ele mesmo dá a razão: porque é necessário amar muito o amor Daquele que muito nos amou! (1B IX 1). Por isso, ele e seus companheiros sempre se denominavam servos de Deus, isto é, jograis Dele que devem mover os corações dos homens e elevá-los para a alegria espiritual (CAs 83,28).
5. Oração diante do Crucificado, Exposição do Pai Nosso e Ofício da Paixão
A operação do Espírito do Senhor na alma de Francisco pode ser contemplada ainda, e de modo admirável, nestas três Orações. Nelas pode-se vislumbrar o que dele diz o hagiógrafo: quando rezava nos matos e desertos, enchia os bosques de gemidos, derramava lágrimas por toda parte, batia no peito e, achando-se mais escondido que num esconderijo, conversava muitas vezes em voz alta com o seu Deus. Fazia pedidos ao Pai, conversava com o amigo, brincava com o esposo... Transformado não só em orante, mas na própria oração, unia a atenção e o afeto num único desejo que dirigia ao Senhor (2C 95).
OS ESCRITOS DE SÃO FRANCISCO, HOJE
Nos últimos séculos, os seguidores de São Francisco haviam esquecido essa preciosa herança de seu pai. Felizmente, graças ao espírito renovador do Vaticano II, esses Escritos, de novo e aos poucos, estão ocupando seu devido lugar, dentro e fora das Ordens franciscanas.
São Jerônimo diz que ignorar a Sagrada Escritura é ignorar Cristo. Da mesma forma, também nós podemos dizer que ignorar os Escritos de São Francisco é ignorar a alma, o espírito de nosso Pai e fundador; é ignorar nossa identidade; é crescer fora da alma e do vigor originário da existência franciscana; é ser como o sal que perde sua força ou como ramo que se desprende da videira. Como, nesse caso, temperar a vida, o mundo, a história com a alegria e o canto da Boa Nova, vivida e testemunhada por Francisco?! Como, nesse caso, fazer dele um modelo belo e motivador (LS 10)?!
A necessidade ou importância de nossa afinidade com os Escritos de São Francisco pode ser percebida ouvindo o que Bento XVI diz da redescoberta do papel da Palavra de Deus na vida e missão da Igreja: é a fonte de uma constante renovação. E conclui: tenho a esperança de que a mesma se torne cada vez mais o coração de toda a atividade eclesial (VD 1). Isso significa que também nós temos muito a caminhar para que os Escritos de São Francisco sejam, de fato, a fonte primária, a alma, da nossa Vida, Ação e Missão.
Finalmente, guardadas as proporções, podemos dizer dos Escritos de São Francisco, o que Bento XVI diz de Cristo:
Portanto, exorto todos os fiéis a redescobrirem o encontro pessoal e comunitário com Cristo, Verbo da Vida, que Se tornou visível, a fazerem-se seus anunciadores para que o dom da vida divina, a comunhão, se dilate cada vez mais pelo mundo inteiro. (VD 2).
Ou seja, se quisermos realmente viver impregnados do Espírito originário de Francisco, não temos outro aminho senão o de aproximar-nos dele e de encontrar-nos com ele. E isso, principalmente, através de seus Escritos. Pois, se as palavras do santo Evangelho nos põem em comunhão com Jesus Cristo vivo, os Escritos de São Francisco nos põem em comunhão com a pessoa dele, Francisco, e sua experiência de Deus. E, mais que palavras, não é do testemunho dessa experiência que mais precisamos, hoje!?
Para pensar, conversar e comentar:
1. Qual o apreço que Francisco dá aos seus Escritos? Por que ou qual a sua razão?
2. Qual a importância dos Escritos de São Francisco para o momento atual dos franciscanos, da Igreja e da Humanidade?
Paz e Bem!
Fraternalmente,
Frei Dorvalino Fassini, OFM e Marcos Aurélio Fernandes.
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O Arauto do grande Rei..., um outro Cristo, um Cristo redivivo. Que nosso pai São Francisco nos ajude a conhecer mais e mais esse Jesus que tanto amou e seguiu seus suas pegadas de amor...