106º Encontro 24/02/24 20ª Admoest - A jucundidade e a alegria nas palavras e obras do Senhor
- Frei
- 28 de fev. de 2024
- 14 min de leitura
A jucundidade e a alegria nas palavras e obras do Senhor
Pela terceira vez iremos nos deter na Admoestação XX de São Francisco. Na segunda vez nós nos detivemos apenas no título, realizando uma meditação a respeito da bondade e, respectivamente, da vaidade. Agora vamos nos dedicar mais uma vez ao conteúdo da Admoestação. Leiamos de novo:
XX - DO RELIGIOSO BOM E DO RELIGIOSO FÚTIL
1Bem-aventurado o religioso que não encontra satisfação e alegria a não ser nas santíssimas palavras e obras do Senhor 2e, com elas, conduz os homens, com júbilo e alegria (Cf. Sl 50,10), ao amor de Deus. 3Ai do religioso que se deleita em palavras ociosas e vãs e com elas provoca os homens ao riso.
1. A oposição entre “bem-aventurado” e “ai”...
Já observamos em outra reflexão como a Admoestação articula a oposição: “Bem-aventurado”... e “Ai”... A proclamação das bem-aventuranças e dos ais nós encontramos, por exemplo, no evangelho segundo São Lucas, no capítulo VI. Jesus proclama felizes, bem-aventurados, os discípulos, isto é, aqueles que se abriram à alegre nova do Reino de Deus e da sua graça, ainda que vivam como pobres e famintos e ainda que sejam contristados e perseguidos. E dirige os seus “ais” àqueles que se fecham à alegre novidade do Reino de Deus e da sua graça, e se satisfazem e se consolam com suas riquezas, com a fartura, e, assim, riem e sorriem, e são prestigiados no mundo social. A ventura dos discípulos, ainda que passe pelos apertos, pelas privações e apuros, será bem sucedida. Eles são bem-aventurados: terão a riqueza essencial que é o Reino de Deus, serão saciados, irão rir na plenitude da alegria, irão ser acolhidos, aprovados e recompensados nesse Reino, que é a vigência plena do amor de Deus. Já os que se fecham a esse Reino, satisfeitos com o que têm e o que são, terão uma ventura ruim, que conduzirá à frustração, à inanição, ao choro e ao gemido.
Assim, a questão da felicidade não se coloca na partida de um caminhar, nem mesmo no meio de um caminhar, mas no seu êxito final. A felicidade e a infelicidade não são circunstanciais e ocasionais, mas elas dizem respeito ao bom êxito ou ao mal êxito do caminho, da história, do projeto da existência humana. E o que decide do bom êxito ou do mal êxito é a decisão que o ser humano toma aqui e agora em referência ao Reino de Deus e à sua graça. Aqueles que seguem a Cristo relativizam tudo o mais, todo o penúltimo da existência, e tomam como absoluto somente o que para eles é o último, o definitivo, o Evangelho, a alegre novidade, do Reino de Deus, ou seja, da vigência de seu amor-gratuidade. Os que permanecem satisfeitos com o penúltimo, e o absolutizam, perdem aquilo que é último e absoluto segundo a realidade das coisas. Os primeiros seguem pelo caminho da bondade, que é o da verdade. Os demais seguem pelo descaminho da vaidade, que é o do engano. Aqueles põem a sua satisfação e segurança no real realíssimo. Estes põem sua satisfação e segurança em ilusões. No contexto da Admoestação XX, esta oposição entre “bem-aventurado” e “ai”, se configura assim: bem-aventurado, feliz, é aquele religioso – e poderíamos dizer, é aquele cristão – que encontra sua satisfação e alegria no seguimento ou discipulado de Jesus Cristo. Este terá uma existência exitosa, irá frutificar e irá fruir do Reino de Deus. Já aquele religioso – e poderíamos dizer, aquele cristão – que se perde no que é ocioso e vão irá arruinar sua existência, conduzindo-a para a frustração, pelo e para o nada da vaidade.
2. O religioso: recordação do absoluto de Deus no mundo e do seguimento de Jesus Cristo na Igreja
Já na Admoestação XIX, São Francisco se refere ao “religioso” e não simplesmente ao “servo de Deus”. Aqui, novamente, e agora de modo mais enfático. A palavra “religioso”, também já notamos, se refere, aqui, àquele que vive numa ordem religiosa. O religioso é um servo de Deus que testemunha, a partir do seu ofício, a Deus como o absoluto da existência do ser humano. Este testemunho oficial leva o nome de profissão. Ele profere e professa, com sua vida, diante de toda a sociedade e para ela, que Deus é o absoluto, que ele é o único sumo bem, no qual os seres humanos podem encontrar a felicidade, a satisfação plena, a alegria perfeita. Neste sentido, sua existência tem um certo quê de profética, no sentido de falar em nome do divino, e de martírio, no sentido de atestar, testemunhar com a vida e com a morte a mensagem que ele professa e confessa.
Mais ainda. O religioso cristão é, para a Igreja, a recordação do que é o essencial do ser-cristão, da vida cristã, que concerne a todos os que são discípulos de Jesus, a saber, o próprio discipulado, o próprio seguimento do único Mestre. Na história da Igreja, a cristianização do mundo foi um fenômeno ambíguo, pois trouxe consigo também a mundanização do cristianismo. Isso trouxe o perigo de que o cristianismo se esquecesse de sua essência – de sua cristidade – que consiste no seguimento evangélico de Jesus Cristo e se iludisse com as aparentes vantagens da cristandade – isto é, com as aparentes vantagens da fusão e confusão entre cristianismo e poder político. A vida religiosa, a começar das ordens monacais e depois, de modo diverso, pelas ordens mendicantes, se manteve na história da Igreja como uma instância para tornar desperta na consciência da Igreja o que é o essencial do ser cristão, isto é, o seguimento de Jesus Cristo. Isso é o óbvio, mas é algo que, por ser essencial, nem sempre é percebido e recordado. Assim, o retorno de São Francisco ao evangelho, sua insistência de que a forma de vida dos seus companheiros e irmãos de hábito era justamente o de viver segundo a forma, ou seja, a essência, do Evangelho de Jesus Cristo, seguindo-o no desprendimento da pobreza, era uma maneira de reformar a Igreja, ou seja, de reconduzi-la à sua forma, ao seu vigor, ao seu brilho originário, que é o do discipulado evangélico. O religioso não é um cristão de primeira categoria, ao passo que o leigo seria um cristão de segunda categoria. Isso seria um equívoco. Ele é alguém que, no interior da Igreja, tem por missão recordar, com sua vida, o que é o essencial do ser e do viver cristão, o seguimento ou discipulado de Jesus Cristo. Neste sentido, aquilo que São Francisco fala nesta Admoestação pode ser aplicado não só ao religioso, mas também, mudado o que tem que ser mudado segundo o estado de vida, também para o cristão leigo.
3. Encontrar a jucundidade e a alegria no Senhor
A Admoestação fala da bem-aventurança daquele religioso que não tem jucundidade e alegria a não ser nos santíssimos divinos discursos e obras do Senhor. O latim traz a palavra “iucunditas”. Nós tínhamos antes traduzido por “satisfação”. Está correto. Mas podemos apontar outras significações, que nos ajudam a captar melhor o sentido. “Iucunditas” quer dizer jucundidade, encanto, agrado, prazer, alegria, felicidade e, daí, jovialidade. Lembremo-nos que, no Cântico do Irmão Sol, São Francisco louva o Senhor pelo “irmão fogo” e diz que ele é “belo e jucundo e robusto e forte” (v. 8). A jucundidade, assim, diz o vigor de ser do que é prazeroso, encantador, alegre e, assim, jovial. O discípulo de Jesus Cristo encontra a sua fonte de satisfação nas palavras e obras do Mestre. Na gratuidade do mistério d’Ele, o discípulo encontra a graciosidade e o encanto. Cristo é a luz que ilumina a sua existência e torna sereno e jovial o seu espírito. Na exposição a respeito do Pai-Nosso, São Francisco, ao comentar o pedido: “o pão nosso de cada dia dá-nos hoje”, diz assim: “O teu dileto Filho, Nosso Senhor Jesus Cristo (...): na memória e na inteligência e na reverência do amor que teve para conosco e daquelas coisas que por nós disse, fez e sofreu” (v. 6). A propósito dessa passagem da Admoestação XX, frei Hermógenes Harada escrevia:
Em tudo o mais, em tudo que não é diretamente "palavras e obras do Senhor" o religioso, e todo cristão, deve sempre e sempre de novo voltar-se para o Evangelho e a partir dele, com alegria assumir para si o que Cristo disse e fez. Quanto mais o cristão se aprofunda nas santas palavras do Senhor, mais crescerá nele a alegria. E quanto mais crescer nele a alegria, tanto mais se tornará um "outro Cristo" ou seja: totalmente cristão, totalmente religioso.
O Evangelho é, como o próprio nome diz, uma boa nova. É uma boa notícia; uma notícia que é alvissareira. Algo que se dá a conhecer trazendo alegria. Uma mensagem de júbilo. Aqui está em jogo, portanto, a alegria do Evangelho, o gáudio que vem do encontro com o Mestre. Quem sabe-se amado, se alegra com aquele que o ama. Re-cordar o gratuito e imenso amor de Jesus Cristo, isto é, trazê-lo ao próprio coração, ao âmago da própria existência, e tentar apreender e compreender o sentido deste amor, reverenciando o Mestre e Senhor que tanto nos amou, é fonte de luz e, assim, de jovialidade para o discípulo. Este é o pão, o alimento, que restaura a nossas forças espirituais e nos dão satisfação e alegria. E São Francisco, aqui, como na Admoestação, faz referências aos “santíssimos divinos discurso e obras” do Mestre. Nesta exposição do Pai-Nosso ele se lembra “daquelas coisas que por nós disse, fez e sofreu”. O que alguém diz e opera, no que ele faz e no que ele sofre, isso é emanação e expressão de seu próprio ser. A jucundidade e a alegria do discípulo de Jesus Cristo provém dessa pessoa mesma que o amou por primeiro, gratuitamente e graciosamente. Nas palavras de Santa Clara de Assis esta experiência vem à fala de modo ardoroso. Clara conhece bem a alegria que vem da contemplação e da união com o Mestre. Na terceira de suas cartas a Inês de Praga, a plantinha de São Francisco diz:
Quem é, pois, que me impedirá de alegrar‑me com tantas alegrias admiráveis? Alegra‑te sempre no Senhor também tu, caríssima, e nao te envolvam névoas de amargura, senhora diletíssima em Cristo, gozo dos anjos e coroa das Irmãs, põe tua mente no espelho da eternidade, a tua alma no esplendor da gloria e teu coração na figura da substancia divina e transforma‑te toda pela contemplação na imagem da própria divindade, a fim de sentires, tu mesma, o que sentem os amigos, degustando a doçura escondida que o próprio Deus reservou, desde o início, para os que Ele ama. E, tendo preterido totalmente todos aqueles que, neste mundo falaz e perturbador, enganam seus cegos servidores, ama inteiramente só Aquele que se entregou todo por teu amor, cuja beleza o sol e a lua admiram e cuja recompensa nao tem fim nem em valor nem em tamanho. Refiro‑me ao Filho do Altíssimo que a Virgem deu a luz e permaneceu virgem mesmo depois do parto. Apega‑te a sua dulcíssima Mãe, que gerou tal grande Filho, que o próprio céu não pode compreender e, no entanto, ela o carregou no pequeno recinto de seu sagrado ventre e o gestou no seio de uma jovem mulher.
4. O que há com a nossa jovialidade hoje?
Nós hoje confundimos felicidade e alegria com prazer. Mas há um prazer que não traz alegria e nem concerne à felicidade. São Francisco fala de um prazer que se encontra na alegria daquilo que realmente é capaz de dar ao ser humano a felicidade. Isso tem a ver com a gratuidade e graciosidade e jovialidade do mistério. A perda da jovialidade é uma das marcas mais fortes de nosso tempo. Hoje temos grande dificuldade, assim, de fazer a experiência de e de entender o sentido da alegria. Até mesmo a nossa alegria é triste. E é triste porque ela não nasce da fonte do ser e não nos mantém pulsando junto ao coração da vida. O pensador Martin Heidegger, na festa das primícias da ordenação de seu sobrinho, Heinrich Heidegger, no dia de Pentecostes de 1954, ao fazer a sua fala à mesa, disse o seguinte:
Quando o homem se alegra, usualmente pensa que a sua jovialidade é o fruto de uma sequência de que ele sente a alegria. Na verdade , porém, é bem outra coisa.
Somente lá, onde antes é agraciado ao homem ser jovial, pode ele se alegrar. A jovialidade conserva abertas as portas para aquilo que move o coração do homem no mais íntimo e o conduz para o duradouro. A jovialidade conduz ao livre e ao luminoso. O jovial e o alegre ele mesmo, porém, saltam sempre de uma luz, a qual nós não acendemos. Nós antes a recebemos. Nós estamos ali dentro como iluminados.
Assim, a jovialidade não decorre da alegria que sentimos, pelo contrário, a alegria que sentimos é que decorre da jovialidade. E esta, a jovialidade, nos vem do mistério da gratuidade e da gratuidade do mistério, isto é, da fonte da vida, ou seja, da liberdade criativa que libera, abre passagem, para a luz que nos ilumina o coração. O saber, que é sabor, dessa jovialidade se chama “serenidade”. São Francisco foi um grande mestre desse saber. Frei Hermógenes Harada faz eco a essa consideração, quando escreve:
Quanto mais o homem sente necessidade de alegria, menos sabe o que é necessário fazer para viver alegre. Esquece-se de que a alegria é dom do Senhor e atribui o ser alegre ao seu próprio esforço. A verdadeira alegria somente floresce lá onde habita o Espírito do Senhor.
A alegria é como uma flor que floresce, afundando as suas raízes no chão da graça. Graça é gratuidade, favor e benevolência sem por quê. Graça é beleza que não se vê a si mesma e nem pergunta se alguém a vê. Graça é a alegria de viver. Graça é o gosto de ser, como a rosa, que floresce por florescer. É como diz a poesia de Angelus Silesius (s. XVII):
A rosa é sem por quê
Floresce por florescer
Não olha p’ra seu buquê
Não pergunta se alguém a vê.
A graça é a medida do céu e da terra. Ela é a serenidade alegre e a alegria serena, que, silenciosamente, humildemente, sustenta todas as coisas. Ela está mesmo no fundo do mundo humano, com todas as suas desgraças e sofrimentos... Está ali, sem que os homens a percebam, sem que os homens se deem conta de sua presença. Ela embala o universo como uma mãe que embala o berço de seu filhinho. Graça é a dimensão originária, a dimensão de todas as dimensões, a medida do céu e da terra. Graça é, portanto, a serenidade e a jovialidade, da origem. Serena e jovial é a graça porque ela é o que está velado a toda a vontade de controle. É o que se retrai em todo o interesse de exploração. Ela é a luz do ser. Luz sumamente comunicativa, difusiva de si mesma. Sol que brilha sem inveja e sem condições, que se derrama gratuita e graciosamente sobre tudo o que é e que não é. Luz que brilha sobre bons e maus, sobre justos e injustos. “O obscurecimento do mundo não alcança a luz do Ser”, escreveu Heidegger, em seu opúsculo poético-pensante chamado “A partir da experiência do pensar”. Essa dimensão da graça chama-se liberdade. É o livre que liberta, ou seja, o que fraqueia ao homem os caminhos do existir, libertando-o do seu afã de controle e de exploração total sobre tudo e todos. A renúncia não tira. A renúncia dá. Dá a liberdade de receber a graça da alegria como aquilo que ela é: como graça. Renunciando à obsessão do prazer, do ter, do poder, do controle, do controle do próprio controle, o homem se esvazia para receber a plenitude da alegria, a felicidade, que é graça.
Essa alegria da graça não foge quando há a dor. Ela permanece mesmo quando o ser humano é submetido ao sofrimento. Em uma novela de “Corpo de Baile”, João Guimarães Rosa fala de um menino, o Dito, que ensina a seu irmão, o Miguilim, que uma alegria assim é possível. Em seu leito de morte mesmo, em meio a sua agonia, ele ensina a seu irmão:
"O Dito dizia que o certo era a gente estar sempre brabo de alegre, alegre por dentro, mesmo com tudo de ruim que acontecesse, alegre nas profundas. Podia? Alegre era a gente viver devagarinho, miudinho, não se importando demais com coisa nenhuma"[1].
Assim, alegria e dor podem conviver, quando a alegria provém das “profundas”, isto é, do coração, do âmago, do cerne, de nosso próprio viver. Voltemos a escutar o diz frei Harada:
Importa vivamos de boa vontade na cordialidade e gratuidade dos filhos de Deus, a exemplo de Francisco. E nesta linha não é suficiente reconhecer que todo o bem é presente de Deus, mas que também todos os males suportados “com paciência e sem rancor” fazem-nos chegar à Fonte da Alegria. “Bem-aventurados... Alegrai-vos e exultai” (Mt 5, 11). A verdadeira alegria assemelha-se ao riacho que se alimenta da fonte. Mesmo tendo que atravessar vales pedregosos e até mesmo pântanos, é sustentado pela origem que lhe possibilita chegar ao destino. Francisco pôde cantar a PERFEITA ALEGRIA porque, no mais profundo de si mesmo, encontrou Deus, razão última e total da felicidade do homem.
5. A comunicação da alegria do Evangelho
Um ser humano que vive assim, comunica alegria e jovialidade aos demais. Por isso é que São Francisco, depois de dizer: “1Bem-aventurado o religioso que não encontra satisfação e alegria a não ser nas santíssimas palavras e obras do Senhor...” completa dizendo: 2e, com elas, conduz os homens, com júbilo e alegria (Cf. Sl 50,10), ao amor de Deus”. Sabemos que “nenhum ser humano é uma ilha”. Somos por constituição de nossa própria essência destinados à convivência. Quando somos amargurados e tristes, esta tonância afetiva repercute sobre o universo, a começar pelas pessoas com quem nos encontramos. Mas quando somos joviais e alegres também esta tonância repercute sobre o universo, a começar pelas pessoas com quem nós convivemos no cotidiano. O homem espiritual se torna, ele mesmo, passagem, canal, para que a jovialidade e a alegria que vem da graça possa ressoar em toda a realidade e possa iluminar o mundo da vida de todos. Frei Harada diz:
O encontro com o outro, vivido a partir da nítida percepção que o seguimento de Jesus Cristo é realizador, salvador, faz brotar a alegria, como uma resistência elétrica ligada à fonte de energia aquece e faz borbulhar a água ao seu redor. Para as pessoas "angustiadas" é fonte de alegria perceber na experiência do outro que a vida tem sentido, que ela é salva em Jesus Cristo, que nele temos um estilo de viver bom e nobre, agradável a Deus e agradável aos homens.
Não seria esta comunicação da alegria do Evangelho a mais originária evangelização, pregação, ação pastoral? Sem ela, que sentido tem toda a evangelização, toda a pregação, toda a ação pastoral da Igreja? Nietzsche, no seu Assim Falava Zaratustra, traz um questionamento inquietante a respeito dos sacerdotes. Ele pergunta: quem poderá acreditar no redentor destes homens não redimidos? Certamente, nenhuma doutrina ou pregação cristã, de sacerdote, religioso ou leigo, poderá comunicar a mensagem do Evangelho, se as palavras do cristão forem contrastadas com sua falta de jovialidade e alegria espiritual, e se lhe faltarem as obras que sinalizam esta jovialidade e alegria. Aqui convém lembrar mais uma vez o que diz Santo Antônio ao se referir às novas línguas que os discípulos, segundo o Jesus, falariam, interpretando que essas novas línguas seriam as virtudes da graça.
Quem está repleto do Espírito Santo fala várias línguas. As várias línguas são os vários testemunhos sobre Cristo, a saber: a humildade, a pobreza, a paciência e a obediência; falamos estas línguas quando os outros as vêem em nós mesmos. A palavra é viva quando são as obras que falam. Cessem, portanto, os discursos e falem as obras. Estamos saturados de palavras, mas vazios de obras. Por este motivo o Senhor nos amaldiçoa, como amaldiçoou a figueira em que não encontrara frutos, mas apenas folhas. Diz São Gregório: “Há uma lei para o pregador, que faça o que prega”. Em vão pregará o conhecimento da lei que destrói a doutrina por suas obras.
6. O ridículo e a irrisão
O cristão ou o religioso que não encontra a sua jucundidade e alegria no Espírito Santo, vale dizer, nas palavras e obras de Jesus Cristo, mas, diz São Francisco, “se deleita em palavras ociosas e vãs” arruína a sua própria identidade. Ele, assim, oferece aos outros um espetáculo ridículo, isto é, que leva àquele riso que expressa desprezo, escárnio, zombaria. Daí as palavras finais da Admoestação XX: “se deleita em palavras ociosas e vãs e com elas provoca os homens ao riso”. Vamos terminar nossa reflexão desta Admoestação XX com o comentário de frei Hermógenes Harada a respeito desta irrisão:
São Francisco diz: "Quando o religioso, e todo cristão, deixa de fazer acontecer aquilo para o qual se determinou, a saber, ser concrescido no seguimento de Jesus Cristo, quando deixa de ter evidências fundamentais acerca da aventura humana-divina, quando por isso deixa de contribuir para um mundo e uma humanidade nova, impregnada do senso de Deus, os outros não o tomam a sério e se riem dele; por ser fútil e vazio, provoca riso"; pode até ser considerado simpático, moderno, bom camarada, mas no fundo é desprezível e desprezado, pois é mesquinho e ridículo; não é aquilo que deveria ser nem diante dos homens nem diante de Deus. A sua vida é frívola e não serve para nada.
"A boca fala da abundância do coração", diz o Senhor. Não pode falar corretamente de Deus, das suas palavras e de suas obras, senão aquele que as medita profunda e longamente até torná-las experiência pessoal, senão aquele que tem alegria por ter encontrado no seu Senhor o sentido, a realização e a salvação do seu viver. Então o Espírito de Deus dar-lhe-á a palavra certa para o ouvinte certo.
Em louvor de Cristo. Amém
[1] Rosa, J. Guimarães. Op. Cit., p. 129.
Paz e Bem!
Continue bebendo do espírito deste tema:
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A jucundidade e a alegria nas palavras e obras do Senhor
Professor Marcos Aurélio Fernandes
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