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102º Encontro 10/06/23 19ª Admoest - Do humilde servo de Deus

  • Foto do escritor: Frei
    Frei
  • 11 de jun. de 2023
  • 10 min de leitura



DO HUMILDE SERVO DE DEUS



1Bem-aventurado o servo que não se tem por melhor, quando é engrandecido exaltado pelos homens do que quando é tido por vil, simples e desprezado. 2Porque, quanto é o homem diante de Deus, tanto é em si mesmo e nada mais. 3Ai daquele religioso que é enaltecido pelos outros e por própria vontade não quer descer. 4E bem-aventurado aquele servo (Mt 24,46) que não se enaltece por própria vontade e sempre deseja estar sob os pés dos outros.



Introdução


Essa é a segunda vez que, em suas Admoestações, Francisco fala “Do humilde servo de Deus”. A primeira aconteceu na XVII Admoestação. Mais adiante, na XXIII, voltará ao mesmo tema falando, então e especificamente, da humildade. Com essa insistência Francisco revela o quanto lhe importava essa virtude. Também nesse assunto ressoa nele a alma de seu Mestre que, da mesma forma e muito, recomendava aos seus discípulos que fossem sempre humildes, simples e pequenos [1].


Como a Admoestação anterior também essa, na verdade, contém duas admoestações, duas bem-aventuranças. Na primeira Francisco diz que o servo de Deus é humilde quando não se altera com o que os outros dizem ou falam dele e, na segunda, quando ele mesmo não procura jamais enaltecer a si mesmo.



1. Bem-aventurado o servo que não se tem por melhor


Novamente, Francisco começa e associa a bem-aventurança evangélica ao servo e não ao senhor: Bem-aventurado o servo. Recordemos mais uma vez que, na Sagrada Escritura e em Francisco, a riqueza que envolve essa palavrinha deve ser buscada na experiência da gratuidade do encontro, de ser amado, escolhido. Toda vez que esquecemos essa relação desaguamos para uma compreensão meramente sociológica, política, econômica, etc. Servo, então, nesse último caso, não passaria de um simples empregado, súdito, gestor ou, pior ainda, um escravo, jamais um amigo, irmão, pai, filho, esposo ou esposa, etc. Um servo desenraizado dessa experiência pode ser tudo – escravo de si mesmo, dos outros, do dinheiro, da fama, do poder, etc. - menos servo de Deus.


Ora, sendo nossa vida cristã, essencialmente, uma iniciativa da gratuidade do amor de Deus, que vem ao nosso encontro, nossa resposta não poderá, jamais, ser outra, senão a de respeito, veneração e adoração Àquele que nos chamou para segui-lo e estar com Ele. Por isso, Ele será sempre o Senhor dos senhores e nós, de nossa parte, seus servos e servos de seus servos. Essa experiência vem muito bem decantada por Francisco no monte Alverne: Quem és tu dulcíssimo Deus meu, e quem sou eu, vilíssimo verme e teu inútil servo. [...] Quem és tu, Senhor de infinita bondade e sapiência e poder, que te dignas visitar-me a mim que sou um vil verme abominável? (CCE 3).


2. Porque, quanto é o homem diante de Deus, tanto é em si mesmo e nada mais


O desafio de um servo de Deus é buscar tão somente a grandeza Dele, seu Senhor, jamais a sua ou de quem quer que seja. Por isso, sentir-se-á sempre o mesmo. Jamais se considerará melhor ou pior quando ou porque está sendo enaltecido ou vilipendiado e desprezado pelos outros. Daí a sentença central de toda essa admoestação: o homem é em si mesmo quanto é diante de Deus. Nada mais e nada menos. Ou seja, somos aquilo que somos a partir de Deus e diante de Deus. Nada a partir ou diante de nós ou dos outros. Nem nosso julgamento, muito menos o julgamento dos outros, tem poder de nos fazer melhores ou piores.


A frase começa com um “porque”. Porque indica que estamos diante de uma causa e, por sinal, uma causa muito lógica e clara. Como os ramos da árvore são o que é a raiz com sua seiva, nós também somos o que é aquele que nos escolheu desde toda a eternidade, nos amou, criou e recriou em seu Filho amado para sermos, também, seus filhos adotivos e muito amados.


Diferentemente de nós, que colocamos e imaginamos Deus nas alturas, que está por cima e acima, o medieval e Francisco o veem e compreendem como um Deus que vive humildemente embaixo, na raiz de tudo e de todos, a tudo e a todos sustentando e servindo a modo de “húmus”, terra, chão, fundamento, raiz: Ele sim é o servo bom e fiel! (Cf. Ad XVIII). Por isso, diz diante de Deus. Eis o que somos: os Fioretti”, de Deus ou melhor, as florezinhas do belo, santo, admirável e humilde Serviço, Reino, Reinado de Deus. E, por acaso, precisaríamos ser mais e melhores?! Por isso, quanto mais nos dispusermos a bem acolher essa nossa condição de servos humildes mais expressamos, refletimos Deus e mais brilhará em nós a glória dessa nossa identidade: a filiação divina, a bela e nova floração do novo Paraíso do Pai do Céu, recriado pelo seu Filho, o novo Adão.


Se essa é a verdade acerca de nossa identidade, por que importar-se com o que os outros pensam, dizem ou falam a nosso respeito? Nem todo bem, todo engrandecimento nem todo mal, nem todo rebaixamento que todos os homens puderem anunciar a nosso respeito modificará em nada, nem um grama nem um centímetro nem para mais nem para menos, o que somos. Não ordena o Senhor a que contemplemos as aves do céu, os lírios do campo!? Pois, mesmo quando o homem os destrói, as aves nunca deixarão de ser aves e tão somente aves, nada mais e nada menos e os lírios serão tão somente e sempre lírios e nada mais e nada menos. Nem a água de nossos rios e riachos, tão maltratada, deixa de brotar limpa e pura de suas vertentes e fontes. E é justamente e apenas nisso que estará sua riqueza e sua contribuição para o bem de toda a Criação. Ninguém poderá nem aumentar-lhe e nem tirar-lhe qualquer uma de suas virtudes. Continuará sendo sempre nossa irmã, mui útil e humilde e preciosa e casta (CSol). Como Francisco mesmo já assinalou, só há um inimigo que pode degradar o homem: seu próprio corpo, pelo qual peca (Ad 10), isto é, seu próprio ego. Por isso, diz o Senhor: Qual de vós, por mais que se preocupe, pode acrescentar algum tempo à jornada de sua vida? (Mt 6,25).


3. Ai daquele religioso que, enaltecido pelos outros e por própria vontade, não quer descer


A segunda parte da Admoestação começa com um “Ai”. Mais uma semelhança com o Mestre. Como outrora Jesus chorou de dor e compaixão pelos filhos de Israel que não queriam voltar-se para o Pai, também Francisco sofre e se condói com a decadência do irmão. Qual decadência? De, por decisão sua, por própria vontade, apegar-se ao enaltecimento que os outros lhe fazem.


Uma das aspirações mais fortes do nosso humano é a auto estima. Em si essa busca não faria nenhum mal, pois auto estima significa a valorização que eu mesmo devo buscar ou dar a mim mesmo. A questão está nesse “a mim mesmo” ou nesse “eu”. Pois, como vimos, já por diversas vezes, existe em nós o eu que nasce de nossa subjetividade, chamado também de eu carnal ou terrestre e o eu nascido do alto, isto é, do chamado de Deus, também conhecido como eu espiritual ou celeste. Enquanto o primeiro quer ser senhor, mandar e julgar, o segundo, por haver nascido da gratuidade do encontro, o que mais deseja é ser súdito, poder servir e obedecer.

O engano do primeiro é de achar que sua grandeza se assenta nele e por ele mesmo. Como vimos, nós, por nós mesmos, porém, somos um nada. Por isso, a frase começa com, um “ai”, como que dizendo: “coitado, que infeliz” aquele que assenta a busca de sua realização no nada, no vazio de si mesmo ou daquilo que vem de fora, dos outros. Cedo ou tarde, como casa construída sobre a areia, com o estriar das primeiras rajadas de vento, verá sua própria ruína.


Se a busca do enaltecimento do próprio eu leva o homem ao infortúnio do inferno do vazio, do nada, da descomunhão, o contrário também é verdadeiro e correto: toda a vez que, decididamente e por própria iniciativa, procura assentar-se no chão, no humus de sua verdadeira identidade (o nada do eu, o nada a partir de si próprio) abre caminho para o paraíso do encontro, da comunhão. Torna-se um bem-aventurado, um feliz e bem realizado.


Estamos diante da tendência mais expressiva do nosso humano: o desejo de realizar-se, ser grande e feliz. Francisco e toda aquela primeira geração de frades sabiam muito bem, e por experiência, que não podiam deixar essa força natural solta, ou, como diz o texto, entregue à própria vontade. Por isso, insistem para que sempre desejemos estar sob os pés dos outros. Em outras palavras, o que a Admoestação está dizendo é que o caminho da bem-aventurança evangélica não vai por si e muito menos a partir de si. Se queremos realmente nossa felicidade precisamos programar, orientar e conduzir nossa formação. E um dos elementos dessa programação, talvez o mais fundamental, é o de sempre desejar submeter-nos aos outros, sem e jamais pretender pôr-nos acima deles. Daí a importância que nossos primitivos frades davam ao exercício da humilhação. Frei Junípero, por exemplo, diante de qualquer conceituação que os outros lhe fizessem, sempre se proclamava bem pior a tudo quanto dele dissessem. Assim, quando interrogado quem ele era, respondia ser um grandíssimo pecador; e, perguntado se queria trair a cidade, respondeu ser o maior traidor do mundo e indigno de todo o bem... [2]


Mas, qual a utilidade ou proveito dessa busca? A resposta é sempre a mesma. É porque, libertando-nos do funesto e infernal vazio, do nada negativo e aniquilador de nosso próprio eu, nos liberamos para a verdadeira grandeza, alegria, felicidade e bem-aventurança eterna que nos advém com e pela graça do encontro com o outro, com Cristo e com os demais irmãos e todas as criaturas. Foi o que começou a acontecer com Francisco a partir do encontro com Cristo crucificado. Se antes seu coração pequeno, estreito e mesquinho se contentava com as fugazes e vãs glórias do mundo, a partir de então põe-se e empenha-se todo em tornar seu coração cada vez mais semelhante ao coração do Pai do céu, isto é, magnânimo, capaz de sustentar todos os acontecimentos da vida, todos os diferentes e até mesmo os inimigos a fim de vê-los e tratá-los como seus grandes amigos e benfeitores. Trata-se, pois de uma maneira nova, jamais vista de ver e encarar a grandeza do nosso humano, sumamente feliz e saudável, bem diferente daquela espiritualidade dos últimos séculos que também buscava a humildade, mas para “sacrificar-se” e assim tornar-se um grande santo.


Vai uma diferença abissal entre, por exemplo, pensar: “Senhor, já que tu queres vou humilhar-me” e “Senhor, tu és meu tudo, meu amor, minha fé, minha esperança, minha alegria. Sei que eu não valho nada, que sou um grande pecador. Por isso, me perdoa, mas o pouco que posso e tenho vou te dar. Por favor, apesar de toda a minha deficiência, aceita-me e então serei salvo, feliz, bem-aventurado!”


Por isso, o verdadeira e humilde servo de Deus, como diz o texto, procura sempre ter-se por vil, simples e desprezado e, diante do outro, em vez de dizer “eu sei”, dirá: “você sabe”; em vez de “eu posso”, dirá “você pode”; em vez de “eu faço”, “farei o que você fizer”; e em vez de “eu quero” sempre dirá: “quero o que você quiser”. Essa será sua alegria, sua bem aventurança. Nunca é demais insistir que na raiz dessa categoria - a humildade - está a experiência do amor. Quem se sente amado sente também e imediatamente que é pequeno, devedor, humilde, vil, simples e desprezível.


HUMILDE SERVO DE DEUS, HOJE


Na Meditação matinal de 5 de Dezembro de 2017, o Papa Francisco, aproveitando o trecho de Isaias que anuncia que do tronco de Jessé brotará uma vara real (Is 5, ), explica que, na verdade, se tata de um rebento, pequeno como broto», sobre o qual, contudo, «pousará o espírito do Senhor, espírito de sabedoria e de inteligência, espírito de conselho e de fortaleza, de conhecimento e de temor do Senhor», isto é, «os dons do Espírito Santo». Eis então o primeiro aspeto fundamental: «da pequenez do rebento à plenitude do Espírito. Esta é a promessa, este é o reino de Deus». Reino que «começa na pequenez de uma raiz da qual brota um rebento; cresce, vai em frente — porque o Espírito está ali — e chega à plenitude».


Segundo o Papa essa dinâmica se observa no próprio Jesus que nasceu, viveu, morreu e ressuscitou e está vivo no meio de nós sempre no vigor da humildade. Ele é o verdadeiro e único humilde Servo de Deus. A mesma dinâmica, segundo o Pontífice, aplica-se à «vida do cristão». Pois, se o estilo de vida de Jesus foi o da humildade, outro não pode ser o estilo de vida do cristão: É preciso ter humildade para acreditar que o Pai, Senhor do céu e da terra, como diz o Evangelho de hoje, escondeu estas coisas aos sábios, aos doutores e revelou-as aos pequeninos». Na vida diária, humildade significa «ser pequeno, como o rebento, pequeno que cresce todos os dias, pequeno que precisa do Espírito Santo para poder continuar rumo à plenitude da própria vida».


No mais, explicou o Pontífice: Alguns acreditam que ser humilde é ser educado, cortês, fechar os olhos na oração..., ter uma espécie de «cara de santinho». Mas não, ser humilde não é isto. Há uma marca, um sinal, o único: aceitar as humilhações. Humildade sem humilhações não é humildade. Humilde é o homem, a mulher, que é capaz de suportar as humilhações como as suportou Jesus, o humilhado, o grande humilhado»... É preciso olhar para Jesus: «Ele permaneceu quieto no momento da maior humilhação». E de fato, «não há humildade sem a aceitação das humilhações». Portanto, «humildade não é só estar quieto, tranquilo. Não. Humildade é aceitar as humilhações quando chegam, como fez Jesus».


E o Pontífice recordou, a propósito, que certa vez ouviu uma pessoa brincar: «Sim, humilde sim, mas nunca humilhado!». Uma brincadeira, comentou, mas que «tocava um ponto verdadeiro». De facto, muitos dizem: «Sim, sou capaz de aceitar a humildade, ser humilde, mas sem humilhações, sem cruz».


Depois, acrescentou: «De que modo sei se sou humilde? Se sou capaz, com a graça do Senhor, de aceitar as humilhações». E exortou a recordar o exemplo de «tantos santos que não só aceitaram as humilhações mas pediram-nas: “Senhor, manda-me humilhações para que me assemelhe a ti, para ser mais parecido contigo”».


«Que o Senhor — concluiu — nos conceda a graça de conservar o pequeno rebento rumo à plenitude do Espírito, de não nos esquecermos da raiz, de aceitarmos as humilhações».


[1] Cf. Mt 18,4; 23,12; Lc 14,11; 18,14 [2] VJ 3,15



Para pensar e partilhar:


1. Por que Francisco dá tanta importância à humildade?

2. Segundo o Papa Francisco, de que modo posso saber se sou humilde?


Paz e Bem!

Fraternalmente,


Frei Dorvalino Fassini, OFM e Marcos Aurélio Fernandes





Continue bebendo do espírito deste tema:


- indo ao texto-fonte: 102º Encontro - 19ª Admoestação - Do humilde

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